Um conjunto de 27 associações de ciências humanas emitiu, na última sexta-feira (26), uma nota em que condenam a intenção do presidente Jair Bolsonaro e do novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, de cortar investimentos em cursos como filosofia e sociologia no Ensino Superior.

Em uma live no Facebook na última quinta (25), Bolsonaro e Weintraub anunciaram que o governo “descentralizará investimentos em faculdades de filosofia” para poder aumentar aportes “em faculdades que geram retorno de fato: enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”.

Para as entidades, Bolsonaro e Weintraub “exibem uma visão tacanha de formação ao supor que enfermeiros, médicos veterinários, engenheiros e médicos não tenham de aprender sobre seu próprio contexto social nem sobre ética, por exemplo, para tomar decisões adequadas e moralmente justificadas em seu campo de atuação”. O presidente e o ministro não deram, na gravação, detalhes de como se dará a retirada de suporte público aos cursos da área.

Japão

As entidades criticam, na nota, o fato de o presidente e o ministro terem usado o Japão como modelo da mudança que pretendem adotar no Brasil. Em junho de 2015 o governo japonês pediu às universidades do país que priorizassem áreas estratégicas e cortassem investimentos em humanidades e ciências sociais.

Segundo a nota, porém, o país recuou da decisão. “Após forte reação das principais universidades do país, incluindo as de Tóquio e de Kyoto (as únicas do país entre as cem melhores do mundo), e também da Keidanren, a Federação das Indústrias do Japão, (…) o governo recuou e afirmou que foi mal interpretado”, afirma o coletivo.

“A proposta foi inteiramente abandonada quando o ministro da educação teve de renunciar ao cargo, ainda em 2015, por suspeita de corrupção. Da forma como o ministro Abraham Weintraub apresenta o caso trata-se, portanto, de uma notícia falsa”, complementa a nota.

O grupo também combateu o argumento dado pelo ministro, no vídeo, de que faculdades de humanas seriam voltadas “para pessoas já muito ricas, da elite”. As entidades defendem que “os estudantes das universidades públicas, e principalmente na área de humanidades, são predominantemente provenientes das camadas de mais baixa renda da população”.

Leia a íntegra da nota:

NOTA DE REPÚDIO A DECLARAÇÕES DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO E DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA SOBRE AS FACULDADES DE HUMANIDADES, NOMEADAMENTE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA

A Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF) e associações abaixo mencionadas repudiam veementemente as falas recentes do atual presidente da república e de seu ministro da educação sobre o ensino e a pesquisa na área de humanidades, especificamente em filosofia e sociologia.

As declarações do ministro e do presidente revelam ignorância sobre os estudos na área, sobre sua relevância, seus custos, seu público e ainda sobre a natureza da universidade. Esta ignorância, relevável no público em geral, é inadmissível em pessoas que ocupam por um tempo determinado funções públicas tão importantes para a formação escolar e universitária, para a pesquisa acadêmica em geral e para o futuro de nosso país.

O ministro Abraham Weintraub afirmou que retirará recursos das faculdades de Filosofia e de Sociologia, que seriam cursos “para pessoas já muito ricas, de elite”, para investir “em faculdades que geram retorno de fato: enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”. O ministro apoia sua declaração na informação de que o Japão estaria fazendo um movimento desta natureza.

De fato, em junho de 2015 o Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão enviou carta às universidades japonesas recomendando que fossem priorizadas áreas estratégicas e que fossem cortados investimentos nas áreas de humanidades e ciências sociais.

Após forte reação das principais universidades do país, incluindo as de Tóquio e de Kyoto (as únicas do país entre as cem melhores do mundo), e também da Keidanren (a Federação das Indústrias do Japão) – que defendeu que “estudantes universitários devem adquirir um entendimento especializado no seu campo de conhecimento e, de forma igualmente importante, cultivar um entendimento da diversidade social e cultural através de aprendizados e experiências de diferentes tipos” – o governo recuou e afirmou que foi mal interpretado.

A proposta foi inteiramente abandonada quando o ministro da educação teve de renunciar ao cargo, ainda em 2015, por suspeita de corrupção. Da forma como o ministro Abraham Weintraub apresenta o caso trata-se, portanto, de uma notícia falsa.

O ministro foi seguido pelo presidente, que mencionou que o governo “descentralizará investimentos em faculdades de filosofia”, sem especificar o que isto significaria, mas deixando claro que se trata de abandonar o suporte público a cursos da área de humanidades, nomeadamente os de Filosofia e de Sociologia. O presidente indica que investimentos nestes cursos são um desrespeito ao dinheiro do contribuinte e, ao contrário do que pensa a Federação das Indústrias do Japão, afirma que a função da formação é ensinar a ler, escrever, fazer conta e aprender um ofício que gere renda.

O ministro e o presidente ignoram a natureza dos conhecimentos da área de humanidades e exibem uma visão tacanha de formação ao supor que enfermeiros, médicos veterinários, engenheiros e médicos não tenham de aprender sobre seu próprio contexto social nem sobre ética, por exemplo, para tomar decisões adequadas e moralmente justificadas em seu campo de atuação. Ignoram que os estudantes das universidades públicas, e principalmente na área de humanidades, são predominantemente provenientes das camadas de mais baixa renda da população. Ignoram, por fim, a autonomia universitária, garantida constitucionalmente, quando sugerem o fechamento arbitrário de cursos de graduação.

Uma das maiores contribuições dos cursos de humanidades é justamente o combate sistemático a visões tacanhas da realidade, provocando para a reflexão e para a pluralidade de perspectivas, indispensáveis ao desenvolvimento cultural e social e à construção de sociedades mais justas e criativas.

Seguiremos combatendo diuturnamente os ataques à universidade pública e aos cursos de humanidades movidos pelo ressentimento, pela ignorância e pelo obscurantismo, também porque julgamos que esta é uma contribuição maiúscula da área de humanidades para o melhoramento da sociedade à nossa volta.

Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR)
Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (SOCINE)
Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE)
Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)
Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias (ESOCITE)

União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (Ulepicc-Brasil)
Associação Nacional de História  (ANPUH)
Centro de Investigaciones Filosóficas (CIF/Argentina)
Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) 
Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR)
ODARA – Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Identidade e Diversidade 
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)  
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes 
Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC)

Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJOR) 
Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR)

Asociación Costarricense de Filosofía (Acofi) 
Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP) 
Sociedade Brasileira de Ensino de Química (SBEnQ) 
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope)
Associação dos Professores da UDESC (Aprudesc – ANDES-SN) 
Fórum Nacional dos Coordenadores Institucionais do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (FORPIBID) 
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM) 
Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP)
Fonte: Congresso em Foco
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