Já fazem quase 40 anos que o primeiro caso de Aids foi identificado no Brasil e muita coisa mudou desde então. Os avanços da medicina proporcionaram uma vida mais longa aos soropositivos possibilitando a chegada à terceira idade, o que foi celebrado, mas também trouxeram preocupações, como, por exemplo, o risco de problemas cardiovasculares. Na tentativa de evitá-los, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo(USP), instalou este ano uma academia para melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

“No passado, o nosso foco era basicamente manter o paciente vivo e tratar as infecções oportunistas, hoje a gente tem que se preocupar também com a qualidade de vida para que eles não desenvolvam essas outras doenças, porque a vida é muito longa com o HIV”, disse Aluísio Segurado, professor da FMUSP, diretor do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e o coordenador da academia.

A ideia da academia surgiu há mais de 20 anos, quando a educadora física Elisabete Cristina Morandi fazia mestrado e pesquisou a qualidade de vida e alterações morfológicas em pacientes com HIV que estavam em terapia antirretroviral. Na época, ela não conseguiu financiamento para inaugurar o laboratório de atividades físicas.

“O que mais me motivou foi, principalmente, o relato das pessoas com o incômodo das questões morfológicas, o quanto isso poderia estigmatiza-las, além também da questão médica”, conta Elisabete.

Academia para pacientes soropositivos do Hospital das Clínicas funciona todos os dias.  — Foto: Beatriz Magalhães/G1

Academia para pacientes soropositivos do Hospital das Clínicas funciona todos os dias. — Foto: Beatriz Magalhães/G1

Segundo, o dr. Aluísio Segurado, a prática de exercícios é muito importante para os soropositivos por alguns fatores. “Uma questão é a idade, porque eles estão envelhecendo com o vírus, segundo que, na verdade, pelo próprio fato de ter o vírus, mesmo que controlado, eles têm uma maior chance de desenvolver doenças cardiovasculares e a terceira questão é que eles tomam muitos medicamentos para se manter bem e esses medicamentos podem também proporcionar algumas alterações metabólicas que podem levar ao aumento do risco de desenvolver diabetes ou aumento do colesterol”, diz o médico.

O financiamento foi concedido cerca de um ano atrás, quando Elisabete terminou o doutorado. Os equipamentos da academia foram todos doados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Já a reforma do espaço físico foi financiada pelo Governo do Estado por meio de um convênio com a Secretaria de Estado da Saúde.

Um dos frequentadores da academia tem 83 anos e recebeu o diagnóstico há 21 anos. Desde então, faz o acompanhamento constante da doença. Segundo ele, os exercícios lhe proporcionaram uma melhora no alongamento e no equilíbrio, mas o que mais ele gostou foi a função social da atividade. “O que fez muito bem para mim foi o relacionamento”, contou ele.

Estrutura

A academia, também chamada de laboratório de atividades físicas, funciona em uma estrutura de vidro na área externa do ambulatório destinado a pacientes que possuem HIV do HC da Faculdade de medicina da USP, também conhecido como Casa da Aids. Atualmente o local atende cerca de 3.300 pacientes, mas o espaço não tem capacidade para todos, por isso, é necessário fazer uma triagem para selecionar aqueles que serão atendidos na academia.

“Não dá para colocar 3.200 pessoas naquela academia, mas a simples presença da academia faz com que os nossos nutricionistas, os nossos educadores físicos, estimulem a atividade física em todos os pacientes”, conta dr. Aluísio.

Os pacientes são encaminhados por um médico infectologista ou de saúde mental. Primeiro, eles passam por uma avaliação inicial e depois por sessões de treino semanais que são prescritas por um educador físico. Uma vez por semana o treino é na academia e outras duas vezes deve ser feito em casa de acordo com a recomendação do profissional.

O ambulatório do HC da Faculdade de Medicina da USP é o primeiro serviço público ambulatorial a promover atividade física supervisionada para pessoas que vivem com HIV.

Elisabete Cristina Morandi teve a ideia da academia durante o seu mestrado.  — Foto: Beatriz Magalhães/G1

Elisabete Cristina Morandi teve a ideia da academia durante o seu mestrado. — Foto: Beatriz Magalhães/G1

“As pessoas que aderem ao exercício físico frequentam o espaço, elas não apresentam um alto índice de faltas mesmo se deslocando de lugares variados de São Paulo”, conta Elisabete que é educadora física do espaço. Segundo ela, o laboratório de atividades físicas é importante para socialização dos pacientes, além de melhorar a força, o equilíbrio e composição corporal destes.

“Nós lutamos tantos anos, 30 anos para conseguir controlar a infecção pelo HIV com os nossos remédios, nós não queremos agora perder nossos pacientes para doenças cardiovasculares. Então, a gente continua fazendo a lição de casa de tratar o HIV, mas a gente quer propiciar algo a mais”, disse o coordenador Aluísio Segurado.

Diagnóstico precoce

O ambulatório atende pacientes que controlam o vírus HIV há mais de 30 anos e vivem bem. Porém, o dr. Aluísio Segurado ressalta a importância do diagnóstico precoce para que a infecção possa ser controlada o mais rápido.

“Existem pessoas no Brasil que ainda morrem de Aids porque às vezes elas nem sabem que tem o HIV, elas não foram testadas e estão perdendo essa oportunidade de ter o tratamento, por isso, que a gente sempre enfatiza que que é muito importante o teste”, diz ele.

Existem dois tipos de testes que podem ser feitos no Sistema único de Saúde (SUS) para detectar o HIV: os exames laboratoriais e os testes rápidos. Para o teste rápido basta a coleta de uma gota de sangue ou fluido oral do paciente, o resultado sai em 30 minutos.

Em 2019, o SUS passou também a distribuir gratuitamente em algumas cidades o autoteste de HIV. Para realizar o procedimento basta a pessoa coletar sua própria amostra de sangue ou fluido oral e verificar o resultado.

O Ministério da Saúde recomenda que o teste de HIV seja feito com regularidade e sempre que a pessoa se expôs a uma situação de risco.

Fonte: G1