Uma reportagem da revista Carta Capital gerou repúdio de diversos órgãos e instituições. O texto intitulado de ‘Mulheres que Envergonham outras Mulheres’ traçam o perfil considerado preconceituoso de várias mulheres que ocupam posições de poder no país.
A Secretaria da Mulher da Câmara, por meio de nota, afirmou que a publicação evidencia o profundo desrespeito às mulheres. Quando faz uma publicação carregada de esteriótipos sexistas, que ao longo da história foram sedimentando discriminações e violações aos direitos da mulheres.
Veja a íntegra das notas:
Secretaria da Mulher da Câmara
Nota de Repúdio
A Secretaria da Mulher da Câmara do Deputados vem à público manifestar seu completo repúdio ao teor veiculado pela revista Carta Capital, número 1081, na data de 20 de novembro de 2019, intitulado “Mulheres que envergonham as mulheres” que faz comentários pessoais e depreciativos sobre magistradas e outras mulheres em posições de poder.
Esta lamentável publicação evidencia o profundo desrespeito às mulheres quando faz uma publicação carregada de estereótipos sexistas, que ao longo da história foram sedimentando discriminações e violações dos direitos das mulheres. Ao se referir à aparência física, ao estado civil e utilizar expressões depreciativas, inclusive com apelo sexual, a publicação tem o único objetivo de inferiorizar e intimidar as mulheres nos espaços públicos, promovendo o discurso de ódio e a violência política, o que ultrapassa, em muito, a fronteira do bom senso e da liberdade de imprensa.
O texto desqualifica absurdamente os posicionamentos adotados pelas mulheres, reduzindo suas declarações públicas a uma hipotética necessidade sexual.
Este tipo de publicação fere a nobre função dos órgãos de comunicação de uma democracia, que é informar a sociedade e não promover agressões contra os cidadãos, especialmente contra as mulheres no que se refere à sua luta histórica por espaço de poder, por reconhecimento e por igualdade de oportunidades. Trata-se de uma violência política que atinge a todas as mulheres e deve ser veementemente rechaçada.
Neste contexto, a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados não aceita a continuidade de práticas discriminatórias e antidemocráticas que usurpam o caminho da pluralidade e da democracia e adotará todas as providências necessárias para apurar os fatos e adotar as medidas que o caso requer.
Brasília, 21 de novembro de 2019.
Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados
OAB
Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB e a Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas – Comissão São Paulo vêm à público manifestar repúdio ao conteúdo veiculado pela revista Carta Capital intitulado “Mulheres que envergonham as mulheres” na data de 20 de novembro de 2019. A matéria traz um rol de mulheres em posição de poder e projeção (políticas, mulheres de carreiras jurídicas, atrizes etc.), que, no julgamento da revista, envergonham outras mulheres.
As alusões trazidas na matéria dizem respeito a questões pessoais das mulheres selecionadas pela revista e foram usadas em tom depreciativo, desqualificando-as. No lugar de discordar de seus posicionamentos, atitudes ou comportamentos, a revista, valeu-se de assuntos de foro íntimo/pessoais e de estereótipos de gênero.
- Alguns assuntos que são de foro íntimo ou pessoais e que não se relacionam com qualidades pessoais atribuídos às mulheres que foram objeto da matéria: relacionamentos amorosos, forma do corpo, sexualidade, trajes usados, estética, idade, parentesco.
- Algumas acusações que coincidem com os estereótipos de gênero feitas contra as mulheres objeto da matéria: bruxa, cobra, dona de bordel, mentirosa, ressentida, chatinha, carente sexualmente, estressada.
A discordância de posicionamentos ideológicos é salutar, mas a menção a características eminentemente pessoais e que não podem nunca desqualificar uma pessoa (homem ou mulher), bem como a utilização de estereótipos de gênero, como sendo “naturais” das mulheres, compromete o conteúdo jornalístico, merecendo, a matéria, ser repudiada.
A Declaração de Pequim/Protocolo de Bejing, que decorreu da 4a Conferência Mundial da Mulher, em setembro de 1995, já explicitava, dentre seus objetivos estratégicos referentes à mídia, a necessidade de “suprimir a constante projeção de imagens negativas e degradantes da mulher nos meios de comunicação” Consta como uma de suas determinações: “adotar todas as medidas necessárias para eliminar todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas, e remover todos os obstáculos à igualdade de gênero e aos avanços e fortalecimento das mulheres”.
Para se chegar à transformação da condição feminina, faz-se necessário afastar os estigmas, os preconceitos, as informações equivocadas e que “prendem” e até mesmo “aprisionam” as mulheres em papéis predeterminados. A matéria que ora se repudia, ao tempo que, em razão de seu conteúdo discriminatório e preconceituoso, desqualifica mulheres que estão em cargos de poder e projeção, contribui para reforçar uma ideia equivocada e, infelizmente, ainda circulante que sustenta a “natural” falta de aptidão das mulheres para o comando, para o destino das coisas privadas e públicas, para as decisões relevantes que envolvem o destino da nação (e da família). Um exemplo de como esse tipo de pensamento impacta negativa e diretamente a vida das mulheres pode ser traduzido por meio de investigações elaboradas recentemente: pesquisa realizada em 27 países, no ano de 2017, mostra que, no Brasil, 19% dos homens acham que a mulher é inferior aos homens, contra 14% das mulheres. E, o que é pior, quase 40% das meninas brasileiras de 6 a 14 anos discorda que são tão inteligentes quanto os meninos e desistem de fazer atividades por conta desse sentimento.
Ainda que não se possa cobrar da mídia uma atuação comprometida com as demandas sociais (muito embora a sociedade tem cada vez mais fazendo tal apelo), pode-se exigir que suas matérias sejam pautadas pela ética e pelo respeito à pessoa humana, e que não reproduza discriminações, preconceitos e misoginia.
Brasília, 21 de novembro de 2019.
Comissão Nacional da Mulher Advogada – CNMA
Diretoria
Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas – Comissão São Paulo
ABMCJ/SP
Diretoria