Designado relator da PEC do Pacto Federativo que o governo enviou ao Congresso dentro do pacote econômico pós-Previdência, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) é um defensor da ideia do ministro Paulo Guedes de desvincular tudo que for possível no orçamento de municípios, estados e da União. Mas entende que não há ambiente para aprovar esse tipo de mudança no momento.
Em entrevista, Bittar adianta que pretende propor que as secretarias de Saúde e Educação, que recebem recursos para contratar servidores, também arquem com as despesas de suas aposentadorias.
O senador admite que terá dificuldade para aprovar a proposta que extingue municípios com menos de 5 mil habitantes e já busca uma alternativa para reduzir os custos nessas cidades.
Mas qualquer mudança em seu relatório, frisa ele, só será feita somente com apoio de governadores, prefeitos, do Congresso e do Judiciário – esferas envolvidas na PEC. “É quase impossível apresentar o relatório este ano. Poderia fazer relatório com aquilo que penso, mas não adianta, não será aprovado.
O relator defende que é preciso “alforriar” prefeitos e governadores e devolver a eles o poder do orçamento. “Se puder avançar um pouco, avançarei. Mas, para isso, repito, primeiro tenho de ouvir governadores e prefeitos”, ressalta.
Veja a íntegra da entrevista de Bittar:
Qual será o encaminhamento dado pelo senhor à PEC do Pacto Federativo?
Fui escolhido relator numa quarta no começo da noite. Na outra semana teve encontro dos Brics. Foi uma semana atípica. Eu e minha equipe estamos estudando a matéria. Tivemos alguns encontros com a equipe técnica do Senado, que é muito qualificada, para delinearmos uma agenda. Não adianta termos açodamento. Pela minha formação, compreendo e apoio a ideia original do ministro Paulo Guedes. Estive com ele na terça, um encontro que durou três horas de conversa. Também conversamos sobre incentivos para a Amazônia. Em relação à PEC, no que depender de mim, recupero alguma coisa que o ministro gostaria de ter feito e recuou.
Por exemplo?
Ele é favorável, assim como eu, à desvinculação, acabar com o engessamento dos recursos, dando alforria aos prefeitos, aos governadores e ao presidente, que têm orçamento superengessado. Ele próprio acabou recuando, porque tem respeito grande pelo Congresso. Recuou. Concordamos com essa mesma tese, mas entendemos que talvez neste momento não haja clima no Brasil para fazer desvinculação total. Quero dar avançada, recuperar um pouco esse espírito. Por que o órgão que pode gastar o dinheiro obrigatório com contratação por que também não tem também o dever de estar com ele quando for inativo? É uma coisa meio irresponsável. As câmaras têm limite para usar com orçamento. Na medida que podem contratar naquele limite, mas quando o sujeito se aposenta não é ela que paga, aí fica fácil.
Isso valeria para saúde e educação?
Raciocínio vale para saúde e educação. Podem contratar com esse pessoal, mas quando aposenta vai para outra folha. Por que as secretarias podem contratar pessoal e quando o servidor se aposenta não pode? A ideia de colocar o inativo da saúde e da educação na ponta do mínimo, se perceber apoio de prefeitos e governadores, vou reincluir.
Há chance de essa proposta, especificamente, prosperar?
Não adianta fazer relatório que satisfaça meu ego, e não ter apoio. Para perceber tudo isso, não dá para fazer um parecer de afogadilho. Muitos dados precisam ser elucidados, alguns inclusive o governo não tem. Preciso ouvir governadores. Terei reunião na semana que vem com o governador Ibaneis Rocha (DF), que coordena o fórum dos governadores. Eles vão se reunir em 10 de dezembro. Se Ibaneis achar conveniente, posso tratar desse assunto com eles. Me reuni nesta semana com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que reúne os municípios menores. Temos uma pauta em andamento. Estive ontem de manhã com o ministro da Saúde (Luiz Henrique Mandetta) para ouvi-lo. Na segunda (25) estarei com o ministro Abraham Weintraub (Educação) e, ainda na próxima semana, com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli.
Qual a importância da participação do Judiciário nessa discussão?
Isso envolve todo mundo. Está na PEC que uma decisão judicial que envolva gastos monumentais, mas que aqueles gastos não estejam previstos no orçamento, ela não será cumprida. Hoje acontecem coisas absurdas, é preciso chamar a Justiça, e daí a proposta desse fórum permanente, que se reunirá de três em três meses, com os três poderes. Não adianta o Judiciário tomar decisão se não tem dinheiro. Vão prender os governadores e prefeitos? Não tem dinheiro. Precisamos ouvi-los. Além disso, quando você manda recurso para os poderes, quando sobra, ficam com a sobra. Por isso, alguns entes fazem despesas extras, muitos deles questionadas pela própria imprensa no fim de ano. A PEC manda retornar esse recurso para o Executivo. Quero avançar na ideia original de flexibilizar. Ao mesmo tempo, o principal da PEC é a União abrir mão de boa parte de sua receita, R$ 400 bilhões ou mais, nos próximos 15 anos, para entregar a estados e municípios. Começando com 30% para estados e municípios e terminando depois com conta inversa.
Como fazer o controle desses gastos?
Esse recurso é fundamental que venha acompanhado de austeridade fiscal. Se não, daqui a 20 anos o Brasil vai cair na mesma vala.
Há alguma chance de essa proposta ser votada na CCJ este ano?
Tenho que ouvir todo mundo. Se dependesse de mim, apresentava o relatório este ano. Mas não depende. Vou apresentar o relatório o mais rápido possível a partir do momento que houver maturidade para um projeto bom ser aprovado e, se possível, aperfeiçoado. Acho muito difícil votar neste ano. É quase impossível apresentar o relatório. Poderia fazer relatório com aquilo que penso, mas não adianta, não será aprovado.
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Que pontos enfrentarão maior resistência no Congresso?
A PEC tem algumas questões mais polêmicas. A questão mais central não é a mais polêmica, que é a transferência de dinheiro da União para estados e municípios, aquilo de Mais Brasil, Menos Brasília, uma promessa de campanha. A PEC quer fazer isso com austeridade. Haverá uma série de regras de transparência, estabelecendo o Tribunal de Contas da União para ser a última palavra na Lei de Responsabilidade Fiscal, na Lei do Teto. Quando for questão fiscal, contábil, o TCU tem de tomar decisões que sirvam para o país inteiro. Temos de acabar com essa história do Tribunal de Contas do Estado ser mancomunado com o governo… Veja o caso de Minas. Se olhar o que Minas está gastando com servidores, vai achar que é o melhor estado do Brasil, porque tiraram os inativos da conta. Essa parte principal é a transferência de riqueza para estados e municípios com vinculação à austeridade fiscal, não pode gastar para aumentar a folha, só para investimento. Tem gente que não concorda sequer em juntar dinheiro da saúde e da educação. É um assunto polêmico. Se tiver apoio de prefeitos e governadores, quero ampliar essa flexibilização. Só farei isso se tiver apoio.
A extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes passa?
A extinção dos menores municípios também é polêmica. A CNM concorda que há municípios inviáveis, feitos nas coxas, por capricho de político local, que gastam fortuna com a câmara municipal, mais com ela do que com qualquer outra coisa. Perguntei se eles apoiavam a gente extinguir esses municípios. Aí não concordaram. Concordam que tem muito desperdício, esse dinheiro é do Brasil, não vem de Marte. Desperdiçam ali com câmaras, prefeituras e secretarias. Eles admitem que podem reduzir o percentual gasto com as câmaras.
O senhor fará essa mudança?
Duvido que eles escrevam isso, como ficaram de fazer. Tenho de falar com a outra associação dos maiores municípios, a Frente Nacional dos Prefeitos, ainda.
O senhor é favorável à união dos percentuais de saúde e educação na contagem dos gastos obrigatórios?
Completamente. Se sou favorável à ideia original que era desvincular tudo, imagina isso. Pretendo apresentar um relatório maduro que preserve o fundamental, que aperfeiçoe. Não dá para fazer de afogadilho. Tenho de ouvir todo mundo. Tenho dito para os prefeitos que isso é uma alforria para eles. Mas muitos não querem, porque se acostumaram. Quase todos os estados e secretários de saúde e educação, quando liberam os recursos dessas duas áreas, correm para chegar ao gasto obrigatório de 25%. Acaba tendo desperdício, porque são obrigados a gastar esse percentual. Temos saúde e educação boas no Brasil? O resultado é ruim. Precisamos alforriar prefeitos e governadores, devolver a eles o poder do orçamento. Se puder avançar um pouco, avançarei. Mas, para isso, repito, primeiro tenho de ouvir governadores e prefeitos.
Fonte: Congresso em Foco