Após anunciar, pela primeira vez em sua história, a reserva de vagas para pessoas que se autodeclarassem LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) em um de seus cursos – mestrado em letras – a Universidade Federal do Tocantins (UFT) retificou, nessa segunda-feira, 06, o edital e retirou a previsão de cotas LGBTI. A medida recebeu várias críticas e chegou até a ser questionada judicialmente.

Publicado em 27 de dezembro, o edital para a seleção de alunos no mestrado previa a reserva de 10% das vagas (6 vagas) à população LGBTI na primeira iniciativa da universidade neste sentido, com o argumento de que cabe à universidade pública promover a inclusão das minorias.

O edital gerou bastante polêmica por tratar de forma bastante ampla os possíveis beneficiados pelas cotas. Atualmente, 16 instituições públicas de ensino superior têm cotas para estudantes transgêneros, principalmente em programas de pós-graduação, mas o edital da UFT previa a reserva de vaga para qualquer pessoa que se declarasse LGBTI.”

“Segundo o edital, “os candidatos autodeclarados LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) que desejam concorrer às cotas LBGTI deverão anexar no formulário de inscrição a autodeclaração do Anexo VIII”. O modelo de autodeclaração já vinha anexado ao edital.

A repercussão das cotas chegou à Justiça, com reclamação do deputado federal Eli Borges (PSD-TO). “A política de cotas sempre teve o meu respeito, por ser inclusiva. É coerente. Mas não há diferenças competitivas entre heteros e homos para se estabelecer essas cotas. Por isso, acionei a Justiça, o Ministério Público e o Ministério da Educação”, declarou.”

O vereador de Palmas, Filipe Martins, também declarou repudio ao edital. Segundo ele, destinar vagas aos candidatos LGBTI ofende a ampla concorrência, a moralidade e a legalidade administrativa. Para ele, o que deve estar em evidência é a capacidade do candidato e não sua opção sexual, e esclarece que é contra a oferta de privilégios.

“Não tenho nada contra os travestis, transexuais, que fique claro, mas porque discriminar o restante da sociedade? Assim teriam que criar cota para obeso, magro, alto, baixo, gestante, lactante, idosos, etc. Justiça é garantir direitos iguais para todos e privilégio especial para ninguém”, explicou.

“A polêmica e os questionamentos administrativos e jurídicos fizeram a universidade retificar o edital, excluindo as cotas LGBTI. “A Universidade Federal do Tocantins UFT é pioneira em ações afirmativas desde 2004. Atualmente há na instituição políticas de cotas para a população preta, parda, indígena, quilombola e pessoas com deficiência, no qual são amparadas por normativas institucionais. Sobre cotas para a comunidade LGBTI+, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais, a instituição informa que está em discussão políticas de ações afirmativas para a elaboração de uma normativa que contemple também este grupo”, argumentou, em nota.

Não há previsão legal para cotas para transgêneros ou LGBTIs, mas, com a constitucionalidade das cotas sociais e raciais garantidas pela Justiça, a autonomia universitária permite a criação de regras como essa, o que vem gerando questionamentos na Justiça. Em 2018, a Justiça Federal suspendeu a reserva de duas vagas no mestrado em Políticas Públicas e Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o argumento de que a reserva de vagas ofende a ampla concorrência, a moralidade e a legalidade administrativa. No ano passado, a Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) suspendeu, após intervenção do Ministério da Educação, edital que previa a reserva de 120 vagas em seu vestibular para 15 cursos para “travesti, transexual, não-binário e intersexual”

Críticas
A forma como o edital foi publicado foi criticada, inclusive por representantes da comunidade transexual e defensores das cotas nas universidades. “As costas precisam ser bem específicas. Gays, lésbicas e bissexuais, quando têm passabilidade hetero, não passam pelas mesmas exclusões que travestis e transexuais. Há vários gays e lésbicas entre os alunos e docentes das universidades, que podem se assumir publicamente ou não. No caso de pessoas trans isso é quase impossível.  Somos visíveis e por isso somos constantemente questionadas a respeito de nossa capacidade”, comenta Megg Rayara, primeira doutora transexual formada pela Universidade Federal do Paraná, e, hoje, professora da instituição.

Citando que precisou de quatro tentativas para entrar no mestrado, passando sempre na fase da prova escrita, mas não sendo selecionada pela banca examinadora nas três primeiras candidaturas, ela afirma que, para mestrado e doutorado, em que uma entrevista pessoal faz parte do processo seletivo, as cotas se fazem necessárias. “Mas é fundamental que as políticas afirmativas considere o nível de vulnerabilidade das pessoas as quais se destina para não ser deslegitimada”. Ela também vê problemas na amplitude do edital da UFT. “Como alguém pode ser questionado quando se autodeclara gay, lésbica ou bissexual?””

Por Roger Pereira, Gazeta do Povo