Quase dois anos de uma vida perdidos como detento em uma Casa de Prisão Provisória (CPP) por uma acusação de homicídio qualificado. Um jovem, hoje com 25 anos, acaba de ver, finalmente, um grande pesadelo chegar ao fim após erros de investigação o colocar como acusado. Na sexta-feira, 6, em uma sessão plenária do Tribunal do Júri em Paraíso do Tocantins, a 60 km de Palmas, o assistido da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO) foi inocentado por unanimidade do crime de um assassinato ocorrido em novembro de 2017.
A prisão do jovem aconteceu em 27 de junho de 2018 no momento em que ele estava em casa. “A Polícia entrou em casa à força, me pressionando a assumir um crime grave, mas desde o início neguei o fato, na verdade eu nem sabia do que se tratava”, descreveu. O motivo da prisão ocorreu pelo fato dele se parecer fisicamente com o verdadeiro autor do crime (uma pessoa supostamente chamada “Fernando”), conforme a testemunha que, no júri e em outros depoimentos, destacou que não conhecia o assistido, apenas que ele parecia com o verdadeiro assassino.
A defesa foi feita pela defensora pública Letícia Amorim, que afirmou de forma categórica perante os jurados a inocência do assistido e, assim, conseguiu que eles acatassem a tese de negativa de autoria por unanimidade. O jovem foi inocentado, mas teve quase dois anos de sua vida perdida, enfrentou um verdadeiro pesadelo na prisão e, apesar da felicidade nítida na conquista da liberdade, ele teme sobre o que esperar no futuro.
Crime
O crime de assassinato aconteceu em novembro de 2017. Conforme os autos, após uma briga em um bar, um dos envolvidos na discussão (a vítima) saiu de moto nas redondezas da cidade e outros dois homens (que também estavam no bar) o seguiram, se aproximaram dele e um dos ocupantes da moto (o que estava na garupa) deu quatro golpes de faca contra a vítima, que não resistiu e morreu. O piloto da moto foi encontrado, assumiu que pilotava o veículo no momento do crime, mas argumentou que não sabia da intenção “do carona”, apontando, ainda, que este “carona” seria conhecido como “Fernando” – nome que não é o do assistido da Defensoria, nem seu apelido.
Durante as investigações, foram mostradas fotos para que o piloto da moto (testemunha) reconhecesse o autor do assassinato. Porém, ele afirmou que em nenhum momento apontou a foto do assistido como culpado, tendo afirmado apenas que ele se parecia com a pessoa que efetuou os golpes de faca. “Eu nunca vi esse cara na vida. Hoje, aqui [sessão do Tribunal do Júri], é a primeira vez que eu vejo esse rapaz [o assistido]”, relatou a testemunha durante o Juri. Por estar pilotando a moto, essa pessoa também respondeu ao processo como ré.
Inocência comprovada
As investigações apontavam como assassino um homem de nome “Fernando”, que conforme o dono do bar, tem características físicas semelhantes as do assistido, como cor da pele e tipo físico. Após várias buscas sem sucesso pelo dito “Fernando”, a Polícia Civil recebeu uma ligação anônima informando que o autor do crime seria um jovem conhecido pelo apelido de um cantor famoso. Após apurações, a Polícia chegou até o assistido que afirma que nunca teve o tal apelido, até porque não se parece com o artista.
No julgamento realizado na sexta-feira, 6, até mesmo o Promotor de Justiça que atuou no Júri entendeu sendo aquela situação uma falha de investigação, defendendo que o assistido não seria o autor das facadas com certeza necessária para uma condenação.
Prova de inocência
Uma comparação simples defendida pelo promotor que atuou no Juri e pela defensora pública Letícia Amorim fez um grande diferencial: o vídeo de câmeras próximas ao local, no momento do crime, não mostra o rosto dos envolvidos, mas deixa evidente que “o carona” (que assassinou a vítima) é bem maior que o piloto da moto. No momento do júri, então, o assistido e o piloto da moto foram colocados lado a lado – quando se verificou que os dois são da mesma altura.
A comparação realizada em plenário evidenciando que o assistido, de fato, não tem a mesma altura que o assassino, juntamente com a atuação da Defensoria na defesa, levou os jurados a concluírem que o jovem acusado pelo crime jamais poderia ser o autor do homicídio. Uma perícia técnica em que se colhe as medidas do piloto e do passageiro poderia ter evitado até o indiciamento do assistido.
De acordo com Letícia Amorim, que patrocinou a defesa do assistido, o sentimento, hoje, é de alívio, de dever cumprido, de justiça, mesmo que tardia.
Após quase dois anos, a Defensora Pública afirma que se sente feliz pelo resultado do júri, mas ao mesmo tempo indignada diante da falha de investigação que imputou ao assistido o cometimento de um crime tão grave e hediondo, para ao final se reconhecer que ele não foi o autor do fato. “Uma investigação falha que acaba por ferir direitos mais básicos do cidadão, como a própria liberdade. (…) Nenhuma indenização que o assistido receba irá lhe devolver esses anos que ele passou no cárcere”, complementou.
Feridas do cárcere
O jovem, agora, deseja recuperar a sua dignidade perdida por causa do erro que maculou sua imagem, em razão das notícias veiculadas à época apontando-o como assassino. ‘‘Qualquer busca pelo meu nome na internet vai me taxar como criminoso de uma morte que eu nunca cometi’’, disse. No momento em que foi preso, ele já enfrentava dificuldade em conseguir emprego e a pouca renda que tinha era garantida como pintor. “Agora vou ter que começar tudo de novo, retomar a minha vida novamente e que seja feita a vontade de Deus”, disse.
À época da prisão, ele e a esposa tinham um filho recém-nascido. Contudo, já na CPP de Paraíso, ele recebeu a notícia da morte do bebê por afogamento.
“Não pude sequer pegar meu filho no colo”, disse, emocionado. Ele também não foi ao velório, nem ao sepultamento. Atualmente, ele não é mais casado.
Depois de tanto tempo preso, o assistido ainda está se reorganizando na vida fora da CPP. Agora, ele segue em busca de um recomeço.
Fonte: Ascom DPE-TO
Foto: Loise Maria