O Tocantins registrou o primeiro caso de infecção pelo Coronavírus no dia 18 de março de 2020, há 4 meses. Assim como na maioria dos demais estados brasileiros, o avanço do Coronavírus aqui se deu por dois eixos vetoriais de contaminação. O primeiro eixo é vertical e ocorreu pela via aérea através dos primeiros infectados, ao retornarem de viagens internacionais ou a outros estados, notadamente no Centro-Sul do país. O segundo eixo é horizontal e se deu pelas seguintes dinâmicas:

Contágio familiar: disseminação do contágio pela relação entre os primeiros infectados e parentes e amigos próximos, principalmente em Palmas e Araguaína.

Contágio laboral: disseminação do contágio pela relação entre os primeiros infectados com funcionários e com trabalhadores da saúde que os atenderam.

Contágio comunitário: disseminação do contágio através do contato desses funcionários e dos trabalhadores da saúde com familiares e com outras pessoas, especialmente no mercado e no transporte coletivo, difundindo a infecção nesses dois municípios.

Contágio rodoviário: disseminação do contágio através da dinâmica de rede urbana, primeiramente pelo transporte rodoviário de caminhões na rodovia BR-153, que corta o estado de Sul a Norte e, depois, pela dinâmica de redes locais entre os principais municípios no eixo dessa rodovia e os municípios que deles dependem / com eles se relacionam, provocando a interiorização do vírus e da Covid-19, a doença decorrente da infecção.

Dois destaques merecem ser feitos para o caso do Tocantins. O primeiro refere-se a Araguaína, principal cidade polo do norte do estado e a segunda maior em população. Situada no eixo na BR-153, ela está próxima das principais cidades polo do Maranhão e do Pará: de Imperatriz, no sudoeste do Maranhão, a 247 km de distância, e de Marabá, no sudeste do Pará, a 302 km de distância, ambas mais próximas do que Palmas (384 km de distância).

Com essas características, Araguaína é não apenas um centro produtor do agronegócio, como também um centro de distribuição de mercadorias e serviços, resguardando assim uma dinâmica urbana de cidade média, com os seus mais de 180 mil habitantes (IBGE/Estimativa 2019). Por outro lado, ela foi uma das 28 cidades do Tocantins em que o presidente Jair Bolsonaro venceu nos dois turnos das eleições de 2018, contra as demais 111 cidades onde o mesmo perdeu, o que indica um certo alinhamento social ao seu direcionamento político. Isso, aliado à pressão exercida por empresários locais, justifica em certa medida o relaxamento antecipado, por parte da Prefeitura, da política de distanciamento naquele município. Assim, o contágio rodoviário a partir da BR-153 foi intensificado.

O segundo destaque se dá para a região Bico do Papagaio, localizada no extremo norte do estado e muito articulada à dinâmica urbana do sudoeste do Maranhão, especialmente às cidades de Estreito, Porto Franco e Imperatriz. A cultura urbana do sudoeste do Maranhão mobiliza a suas cidades num mercado intenso por todos os dias da semana, sendo que os municípios do Bico do Papagaio (25 ao todo) se relacionam fortemente a esse mercado. Além disso, muitas cidades da região também são cortadas pela BR-153, sendo essas as mais fortes explicações para o amplo contágio nesta região desde o mês de abril.

Assim, em Araguaína bem como na região do Bico do Papagaio, os contágios familiar, laboral e comunitário se deram a partir dessas situações. Já em Palmas, os primeiros contágios se deram pelo eixo vertical, ou seja, pela via aérea, e dele decorreram essas mesmas demais dinâmicas de contágio. Porém, nos primeiros 3 meses o controle sanitário, seguindo os decretos do Governo do Estado e da Prefeitura Municipal, foi mais rigoroso, não o suficiente para evitar a propagação do Coronavírus pela cidade, mas evitando que isso acontecesse de forma abrupta, o que geraria o caos no sistema de saúde.

Porém, a partir de meados de maio, as medidas de flexibilização adotadas pela Prefeitura de Palmas causaram um aumento significativo no número de contagiados da cidade. A primeira medida que expôs a população ao vírus foi a liberação da lotação plena do transporte coletivo, o que intensificou o contágio da população de baixa renda, residente notadamente nas áreas sul e norte da cidade. Porém, mesmo com o aumento proporcional significativo dos infectados, em junho uma nova medida de flexibilização do comércio de determinados segmentos, dentre eles bares, restaurantes e shopping centers, reforçou a propagação do contágio na capital.

Os mapas em sequência a seguir apresentam a propagação da Covid-19 no Tocantins

   

O que os mapas apresentam é que ao longo do mês de maio ocorreu o processo de interiorização do Coronavírus. Isso se deu a partir da contaminação dos principais municípios polo do estado, situados ao longo da BR-153: para além dos já mencionados, Colinas do Tocantins, Guaraí, Paraíso do Tocantins e Gurupi, e fora desse eixo Porto Nacional e Dianópolis. Como esses municípios comandam pequenas redes urbanas de comércio e negócios, a partir deles a contaminação aconteceu nas suas redes de influência.

Ao mesmo tempo, os mapas justificam a constatação feita pelo Ministério da Saúde divulgada no último dia 15 de julho, que classifica o Tocantins dentre os 9 estados com crescimento do número de contaminados por Covid-19 e dentre os 10 com aumento no número de mortes. Em pouco mais de um mês, o Tocantins saiu da condição de um dos estados com maior controle da propagação do vírus e da doença (salvo situações específicas), para figurar dentre os mais descontrolados.

Com base nisso, apresentamos a seguir as projeções matemáticas para a evolução da Covid-19 no Tocantins, com base em duas metodologias específicas: o modelo matemático SIR, desenvolvido por Kermack e McKendrik (1927) e aprimorado para SIRD por Osemwinyen e Diakhaby (2015), que considera: S – número suscetíveis ao contágio, I – número de infectados, R – número de recuperados, D – número de mortos, e N – número total de indivíduos; e a modelagem do comportamento dos infectados e predição, em que a predição dos dados é a aplicação da Eq.1 para os tempos maiores do que n, ou seja, a predição é realizada para t > n.

Assim, chegamos aos seguintes resultados

Dezenove municípios tocantinenses têm hoje mais de 100 casos de contaminação pelo Coronavírus, dentre eles Palmas e Araguaína, é claro. Nesta, pelo conjunto dos fatores elencados acima, na descrição da metodologia, a conclusão é de que o município atingirá o platô, ou seja, a estabilização da curva de crescimento, no final do mês de agosto. No entanto, nesse mês a contaminação em Palmas continuará em alta e o município atingirá o platô em meados de setembro. O mesmo ocorrerá nos demais 17 municípios com mais de 100 casos de contaminação.

Cabe esclarecer que essa estabilização significa que durante um período os

números relativos ao problema (contaminação pela doença e mortes) não sofrerão alterações significativas para cima ou para baixo, mantendo-se estáveis. Porém, o seu declínio dependerá muito das medidas que a partir daí serão implementadas. Ressalta-se que a estabilização da curva no alto exigirá muito do sistema de saúde, tanto dos municípios quanto do Estado.

Já os municípios com os menores casos de contaminação experimentam situações muito variadas, conforme demonstra o gráfico a seguir.

MUNICÍPIOS COM MENORES CASOS DE CONTAMINAÇÃO

Os municípios de Axixá do Tocantins, Sítio Novo do Tocantins, Darcinópolis, e Nova Olinda, todos no Bico do Papagaio, já se encontram hoje numa situação de platô. Contrastam com estes os municípios de Araguatins, Xambioá e Porto Nacional, todos em franco crescimento do contágio. Destes três, o maior destaque é para Porto Nacional, que estava numa situação de relativo controle até meados de junho e em um mês tornou-se o município com maior número proporcional de contaminação do estado. Para estes ainda não temos a previsão de estabilização da curva de crescimento. Nos demais municípios, a maioria no Bico do Papagaio, a situação de platô deverá ocorrer, em média, a partir da segunda quinzena do mês de agosto.

Sobre os especialistas

Adão Francisco de Oliveira é historiador, mestre em Sociologia, doutor em Geografia pelo IESA-UFG, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFT e ex-secretário de Educação do Tocantins.

Artur de Souza Moret é físico, mestre em Ensino de Ciências pela USP, doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unesp e professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Regional e Meio Ambiente da UNIR.

Especial para Gazeta do Cerrado

Por:

Adão Francisco de Oliveira

Artur de Souza Moret

Élis Gardel da Costa Mesquita