A Coluna Vida Quilombo traz a revolta e protesto da comunidade quilombola Dona Juscelina que conta os detalhes da luta para manter um símbolo cultural.

Quem conta é a própria comunidade.

Saiba os detalhes:

A DEFESA DA MANGUEIRA NA CONTRUÇÃO IDENTITÁRIA DO QUILOMBO DONA JUSCELINA (MURICILÂNDIA-TO)

: “Querem te matar mangueira, sexagenária. Eles não desistiram. Vão te matar. Não, se nós, unidos, não deixarmos te assassinar.

A Comunidade Remanescente de Quilombo Dona Juscelina está localizada no norte do estado do Tocantins na cidade de Muricilândia à 60 Km de Araguaína-TO, é uma comunidade que teve seu território original expropriado na década de 60 e hoje conta com 236 famílias quilombolas, sendo considerada uma das maiores do estado. O quilombo que carrega como nome o apelido da sua matriarca “dona Juscelina” que aos 90 anos de idade permanece a lutar pelos ideais defendidos pelo seu povo, pontua que não vive os melhores momentos de sua existência, o mesmo vem sofrendo ataques internos brutais contra seus elementos culturais, que servem de sustento para a continuidade da comunidade.

Dentre os ataques, estão o desrespeito ao Conselho de Griôs, que composto por sete anciãos são os responsáveis por guardar e transmitir os saberes e fazeres ancestrais, a perseguição direta a matriarca e também presidente do Conselho de Griôs, dona Lucelina Gomes dos Santos, que já com sua saúde fragilizada pelas nove décadas de vida resiste de todas as formas tentando proteger a si própria e os legados tradicionais que representa junto com seus companheiros.

Desta vez, o quilombo decidiu reafirmar qual a importância da proteção á natureza no processo de construção e conservação da identidade quilombola local devido a hostilidade usada contra uma mangueira, um forte símbolo popular, que a mais de sessenta anos está plantada em um terreno que pertence a comunidade.

Á sessenta anos com a expropriação territorial, os quilombolas estão localizados no meio urbano do município, fazendo com que novos métodos de sobrevivência fossem adotados para a manutenção social, econômica e cultural  do aquilombamento, com isso os consideráveis plantios chamados por “centros” que plantavam para alimentar as famílias foram substituídos por minúsculas roças plantadas nos quintais, assim como o cultivo das ervas medicinais e a preservação de pequenos bosques ou/e árvores nativas da região que ligam os quilombolas ao território e sendo elas frutíferas servem de alimento e abrigo aos pássaros e roedores, além de ser o divertimento das crianças e da sua sombra servir de espaço para reuniões e rodas de conversas.

A mangueira em especial por ser um expoente símbolo quilombola por sua abundância e relação histórica com o quilombo, é tratada pela preciosidade que representa aos mais velhos, por assistirem os mesmos envelhecerem, ou envelhecerem juntos e pelos mais jovens como conselheiras por seus galhos frondosos repletos de histórias e principalmente como herança as próximas gerações, “Nós passaremos, e o pé de manga permanecerá, foi assim com meus bisavós, meus avós, com meus pais, será assim comigo, com meus filhos, meus netos, bisnetos quem sabe.” Foi o que disse uma jovem secundarista quando questionada da importância da árvore para ela e para o quilombo. Uma outra jovem quilombola, estudante de pscicologia pontuou “Um dos elementos mais potentes na construção da identidade quilombola da comunidade é a relação de respeito e amor com a natureza. Por que logo o lote da comunidade deveria fugir dessa lógica? Se urbanizando e abandonando a memória e os costumes ancestrais?”, a voz da juventude contrária a derrubada da mangueira é enfática, e estão neles a esperança da comunidade se perpetuar.

A primeira tentativa de derrubar a árvore não foi concluída por causa da intervenção de uma moradora que interrompeu que o trator terminasse seu trabalho, o que evidencia o poder de articulação matriarcal difundido por dona Juscelina na emancipação feminina e na incontestável autoridade de suas vozes e ações. Porém a não desistência da derrubada da árvore fez nascer na comunidade um movimento de defesa da mesma, encabeçado pela matriarca, os griôs e algumas lideranças engajadas, e uma fala marcante desse levante é de um historiador e mestrando quilombola que diz: “Querem te matar mangueira, sexagenária. Eles não desistiram. Vão te matar. Não, se nós, unidos, não deixarmos te assassinar.

Os quilombolas consideram totalmente desnecessário e sem justificativas o abate da árvore por existir em sua volta espaço suficiente para todo e qualquer tipo de construção, inclusive uma nova sede que é o argumento usado pelos abatedores.

Numa visita a mangueira em questão a matriarca inconformada declarou: “Eles querem matar esta árvore por que não conseguem me matar, é a mimque eles querem, mas não sabem eles, que um ataque a ela é um ataque a mim, esses galhos caídos, esse tronco ferido me dói, sinto também na minha pele a dor desse pé de manga…”, por ser uma pessoa muito religiosa, dona Juscelina ainda perto da árvore fez preces aos céus e dizia em alto e bom som “a perseguição ao sustento da minha comunidade está representada aqui por essas raízes machucadas, eles tem cavoucado, revirado, agredido, feito tudo de ruim, mas não vão conseguir o que querem, tenho fé em Deus que como esse pé de manga nós vamos resistir até o fim.”.

Percebe-se que para o Quilombo Dona Juscelina, a não derrubada da mangueira é intimamente ligada a sua identidade, a certeza daquela arvore frondosa em pé, é a certeza da imortalidade histórica de um povo sofredor, que batalha diariamente pela liberdade, pelo amor e pela paz.

Organizações de defesa ao patrimônio material e imaterial ancestral e orgãos punitivos responsáveis pela fiscalização ambiental foram acionados para contribuir com os quilombolas na luta pela permanência e vida da mangueira e de suas vidas.

#RESISTIRPARAEXISTIR

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#DEIXAAMANGUEIRAEMPÉ

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