A missão de preservar o patrimônio cultural brasileiro cabe a nível federal ao Instituto de Patrimônio, Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e a nível estadual e municipal aos órgãos gestores de cultura desses entes federados. O órgão federal foi criado e posto em prática por seu primeiro presidente, Rodrigo Melo Franco de Andrade, por meio do Decreto-lei nº 25, de 1937. A escolha do dia 17 de agosto para comemorar o dia do patrimônio cultural brasileiro se deu em homenagem à data de nascimento desta figura tão importante para o desenvolvimento das primeiras ações de proteção aos bens culturais brasileiro.

O Decreto-lei nº 25, posto em prática por Rodrigo Melo, foi fundamentado no anteprojeto elaborado por Mário de Andrade, em 1936, quando este ainda era diretor do Departamento Municipal de Cultura do Estado de São Paulo. Mário de Andrade compreendia que as ações do órgão de proteção ao patrimônio cultural deveriam abranger todos os aspectos da arte e da cultura brasileira, os modos de pensar e agir de cada povo formador dessa nação, do erudito ao popular, do material ao imaterial. No entanto, o Decreto-lei nº 25 que ficou conhecido como a política de preservação da “pedra e cal”, priorizou a política de proteção e valorização da herança católica portuguesa.

Os movimentos sociais e culturais dos anos 1960, a descentralização da política patrimonial nas décadas de 1970 e 1980 com a criação de legislações estaduais e municipais de proteção ao patrimônio, como o desenvolvimento do Programa Cidades Históricas  colocaram novas questões à política de proteção desenvolvida pelo governo federal. Compreendendo que as ações de proteção ao patrimônio posta em prática até então eram insuficientes para atender à diversidade cultural brasileira, foi criado em 1975 o Centro Nacional de Referências Culturais – CNRC. O trabalho desenvolvido pelo CNRC trouxe de volta para a cena das políticas culturais os princípios defendidos por Mário de Andrade, imprimindo aos contextos populares e às etnias indígenas e afro-brasileiras o valor que lhes é devido, o de patrimônio histórico e artístico nacional. Em 1984, numa ação pioneira foi realizado o tombamento do Terreiro de Candomblé da Casa Branca. Foi “um marco na história da preservação do patrimônio cultural no Brasil. Primeiro, por aplicar o instrumento do tombamento a um bem não ligado à tradição luso-brasileira, cuja expressão material não se enquadrava nos critérios de excepcionalidade então vigentes; segundo, por reconhecer a importância do candomblé como manifestação cultural e religiosa de parcelas significativas da população, especialmente na cidade de Salvador” (http://portal.iphan.gov.br/80anos/noticias/detalhes/3581/iphan-de-1970-a-2000).

Essa noção mais abrangente e o dever do estado brasileiro de reconhecer e proteger essa diversidade se condensa no artigo 216, § 1º da Constituição de 1988, que coloca no cenário do patrimônio histórico e artístico os saberes populares e o “dever” do Estado em proteger esses conhecimentos, esses bens culturais, a partir de então denominados de patrimônio imaterial, reconhecendo assim a íntima relação entre um bem cultural e a história do povo que o construiu. Os bens culturais de natureza imaterial “caracterizam-se pelas práticas e domínios da vida social apropriados por indivíduos e grupos sociais como importantes elementos de sua identidade. São transmitidos de geração a geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, sua interação com a natureza e sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade. Contribuem, dessa forma, para promoção do respeito à diversidade cultural e à criatividade humana” (http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/606).

Em um mesmo mês de agosto, dia 04, há 20 anos, foi aprovado o Decreto nº 3.551 que regulamentou o art. 216, no que se refere ao patrimônio cultural imaterial, um novo marco para as políticas públicas de patrimônio no Brasil. Ao logo dessas duas décadas muitos bens foram registrados, contemplando a diversidade e valorizando os diversos grupos formadores dessa nação em todos os aspectos de manifestação de suas culturas, como lugares sagrados, para os povos indígenas; dança, música e alimentos que são parte de rituais sagrados para os descendentes dos povos africanos; festas tradicionais do catolicismo popular. Saberes e fazeres que dão identidade às diversas comunidades. Cabe, portanto, ao Estado “com a colaboração da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, tombamentos e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” (art. 216, § 1º C.F. 1988).

Por Eliane Castro de Souza

Msc. Em Gestão de Patrimônio Cultural