A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (11) o texto-base do projeto que flexibiliza normas e dispensa uma série de atividades e empreendimentos da obtenção de licenciamento ambiental. Foram 300 votos a favor e 122 contrários.

Para concluir a aprovação do projeto, os parlamentares precisam analisar os destaques, propostas que visam modificar o conteúdo. A previsão é que os destaques sejam votados na sessão desta quinta.

O texto, apresentado em 2004, foi relatado pelo deputado e ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT), um dos integrantes da Frente Parlamentar Agropecuária, conhecida como bancada ruralista.

Segundo o relator, a lei busca reduzir “insegurança jurídica” em relação ao licenciamento. Para ex-ministros do Meio Ambiente, no entanto, a proposta distorce e fragiliza o procedimento, criando uma espécie de “regime de exceção”.

Entre outros pontos, o projeto:

  • dispensa determinadas atividades e empreendimentos da obtenção de licenciamento ambiental;
  • permite a licença ‘autodeclarada’ para empreendimentos de baixo impacto ambiental, que poderá ser obtida sem análise prévia pelo órgão ambiental;
  • concentra o poder decisório sobre o licenciamento ao órgão regulador, retirando o poder de veto das comunidades indígenas;
  • permite a junção de duas licenças em uma só;
  • exclui as terras indígenas não demarcadas e os territórios quilombolas não titulados da análise de impactos.

 

Debate

 

Para Neri Geller, a proposta reduz a “burocracia cega” e permite que órgãos ambientais foquem na análise técnica e na fiscalização.

“Em nosso quadro atual, o gestor não possui um parâmetro seguro para atuar, o empreendedor fica à mercê de uma gritante imprevisibilidade e o meio ambiente não é preservado”, escreveu Geller.

Ex-ministros, contudo, criticaram a urgência na discussão e disseram que o texto prejudica o desenvolvimento sustentável do país.

“Ao contrário do interesse maior do Brasil de promover o desenvolvimento sustentável em convergência com nossas metas de proteção da biodiversidade e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, o projeto em referência praticamente fulmina de morte um dos principais instrumentos que deveria nos guiar para alcançar tais metas”, afirmaram 9 ex-ministros em uma carta aberta divulgada na segunda-feira (10).

Durante a análise do texto, a deputada indígena Joênia Wapichana (Rede-RR) chamou a proposta de “mãe de todas as boiadas” e disse que é uma “estratégia escancarada, via desmonte ambiental, para beneficiar exclusivamente os grandes empreendimentos, agronegócios, hidrelétricas, ferrovias, mineradoras, linhas de transmissão de energia”.

O líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que o texto aprovado na Câmara “jamais foi debatido com a sociedade, com ambientalistas, cientistas e especialistas”.

No entanto, para Kim Kataguiri (DEM-SP), defensor da proposta, o texto traz segurança jurídica “ao unificar 27 mil normas”, entre portarias, decretos e resoluções da União, estados e municípios.

Dispensa de licenciamento

 

O texto dispensa 13 empreendimentos ou atividades do licenciamento ambiental, entre elas obras para distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 quilovolts e sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.

Também não precisarão de licenciamento, caso o texto seja aprovado:

  • atividades de caráter militar previstos no preparo e emprego das Forças Armadas;
  • atividades considerados de porte insignificante pela autoridade licenciadora;
  • atividades que não se incluam nas listas de atividades ou empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental;
  • obras e intervenções emergenciais de resposta a colapso de obras de infraestrutura, acidentes ou desastres;
  • obras e intervenções urgentes que tenham como finalidade prevenir a ocorrência de dano ambiental iminente ou interromper situação que gere risco à vida;
  • serviços e obras direcionados à manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo dragagens de manutenção;
  • pontos de entrega voluntária ou similares abrangidos por sistemas de logística reversa;
  • usinas de triagem de resíduos sólidos, mecanizadas ou não, devendo os resíduos ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada;
  • usinas de reciclagem de resíduos da construção civil, devendo os resíduos ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada;
  • pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos;
  • ecopontos e ecocentros, compreendidos como locais de entrega voluntária de resíduos de origem domiciliar ou equiparados, de forma segregada e ordenada em baias, caçambas e similares, com vistas à reciclagem e outras formas de destinação final ambientalmente adequada.

 

Conforme ex-ministros do Meio Ambiente, as alterações, especialmente as relacionadas às usinas de reciclagem de resíduos da construção civil, têm potencial impacto em regiões urbanas, sobretudo nas periferias, afetando comunidades carentes.

Além disso, o relator dispensou de licenciamento:

  • cultivo de espécies de interesse agrícola;
  • pecuária extensiva e semi-intensiva e intensiva de pequeno porte;
  • pesquisas de natureza agropecuária sem risco biológico.

 

Segundo Geller, o licenciamento neste caso “seria desnecessário e irracional” e indicaria “mero procedimento burocrático sem qualquer benefício ambiental”, uma vez que as atividades já estão sujeitas a normas específicas que regulam a cadeia produtiva.

Licença ‘autodeclarada’

 

O projeto também cria a figura da licença ambiental por adesão e compromisso (LAC), considerada pelos parlamentares uma licença autodeclarada que poderá ser obtida sem fiscalização de órgãos ambientais.

Segundo o texto, essa modalidade poderá ser concedida se a atividade ou empreendimento não for considerado um potencial causador de degradação ao meio ambiente e:

  • sejam previamente conhecidas as características da região de implantação;
  • as condições de instalação e operação da atividade ou empreendimento;
  • os impactos ambientais da tipologia da atividade ou empreendimento;
  • as medidas de controle ambiental necessárias.

 

Conforme o texto, as informações fornecidas pelos solicitantes da licença deverão ser conferidas e analisadas pela autoridade licenciadora “por amostragem”, incluindo a realização de vistorias, estas também “por amostragem”.

Os ex-ministros da área criticam este ponto por acreditarem que essa passará a ser a regra predominante para o licenciamento ambiental, obtida automaticamente e sem controle prévio.

Esta modalidade de licenciamento também poderá ser aplicada a serviços e obras direcionados à ampliação de capacidade e pavimentação em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão.

“Isso abrange empreendimentos cuja implantação historicamente causa mais de 95% do desmatamento na Amazônia, como a pavimentação ou a ampliação de estradas e a ampliação de hidrelétricas, os quais poderão ser realizados sem a adoção de qualquer medida destinada a conter o impacto do desmatamento e da grilagem de terras no bioma”, criticam os ex-ministros em carta.

Durante a votação no plenário, o relator colocou uma trava no texto para que atividades minerárias de grande porte ou de alto risco não possam se beneficiar das alterações do projeto. Com isso, esses empreendimentos vão continuar seguindo as regras do Conselho Nacional do Meio Ambiente. A mudança é vista como uma pequena vitória da bancada ambientalista em plenário, que articulou este acordo.

Outra mudança feita em plenário, a pedido da bancada ambientalista, foi a previsão de que a licença autodeclarada para duplicação de rodovias não pode ser feita quando houver “significativo impacto ambiental”.

Poder de decisão

 

A proposta também concentra o poder decisório sobre o licenciamento ao órgão regulador – o Ibama em nível federal e demais autoridades licenciadoras em nível estadual e municipal -, retirando o poder de veto das comunidades indígenas.

Segundo o relator, todos os atingidos e autoridades envolvidas serão ouvidos, “mas é preciso concentrar o poder decisório nas autoridades licenciadoras, pois são elas que possuem o corpo técnico adequado para a análise e que têm o dever funcional de autorizar ou não o empreendimento”.

Fusão de licenças

 

O projeto permite ainda o licenciamento bifásico de empreendimentos lineares.

Licenciamento bifásico é, na prática, a junção de duas licenças em uma só. Empreendimentos lineares são aqueles projetos de infraestrutura necessários a atividades humanas e que se estendem por grandes áreas, como linhas de transmissão, dutovias, hidrovias, ferrovias, rodovias entre outras.

Atualmente, é exigida uma licença para a instalação das redes e outra para autorizar o início da operação.

Pelo texto, ferrovias, linhas de transmissão de energia, gasodutos e minerodutos poderão adotar o procedimento bifásico de licenciamento. Caso haja condição específica que justifique licenças em fases distintas, as autoridades poderão requerer o licenciamento trifásico.

Outros pontos

 

Saiba outros pontos previstos no projeto:

  • Terras indígenas e quilombolas: o relatório exclui as terras indígenas não demarcadas e os territórios quilombolas não titulados da análise de impactos e da adoção de medidas para prevenir danos ambientais. Segundo os ex-ministros do Meio Ambiente, essas terras não demarcadas e não tituladas representam, respectivamente, 25% e 87% do total.
  • Estados e municípios: O texto também autoriza estados e municípios a dispensarem atividades impactantes de licenciamento ambiental, o que, segundo ex-ministros da área, gera “uma corrida pela flexibilização ambiental entre entes para atrair investimentos sem respeito à legislação”.
  • Condicionantes ambientais: pela proposta, as medidas para compensar impactos ambientais devem ser proporcionais e baseadas em fundamentação técnica que aponte nexo causal com esses impactos para, segundo o relatório, não obrigar uma compensação de danos feitos por terceiros. O texto também dispensa essas medidas em caso de contenção de danos causados por omissões do poder público.
  • Uso do solo: o texto desobriga o empreendedor de obter uma certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, emitida pelos municípios, como condicionante para conseguir o licenciamento ambiental.
  • Crimes ambientais: o relatório altera a Lei de Crimes Ambientais para dobrar a pena de quem realiza obras sem licença ou autorização de órgãos ambientais. Hoje, a pena é de prisão de um a seis meses e multa. A pena também pode ser dobrada se o licenciamento estiver sujeito ao Estudo de Impacto Ambiental.

Fonte: G1