Dois dias de homenagem celebram o Cosme e Damião: esse domingo, 26, e segunda-feira, 27. Considerados pela igreja católica e religiões de matriz africana como santos protetores das crianças, a tradição da data destinada aos irmãos gêmeos continua viva no Distrito Federal, apesar de ter perdido fôlego com o passar dos anos.

Há 34 anos, Júlio César da Silva faz a alegria da molecada no Cruzeiro Velho. E tudo começou por um motivo especial. Era setembro de 1987 quando ele se deparou com a saúde do filho recém-nascido debilitada. “Ele vivia doentinho, com a saúde fragilizada e não sarava”, lembra. Preocupado, Júlio fez uma promessa: a de distribuir doces, por sete anos, para que o filho fosse curado. Resultado: Júlio nunca mais parou.

Júlio Cesar e o filho Renato compraram doces para distribuir no Dia de Cosme e Damião, no DF — Foto: Arquivo pessoal

Júlio Cesar e o filho Renato compraram doces para distribuir no Dia de Cosme e Damião, no DF — Foto: Arquivo pessoal

“Fui pegando gosto e continuei”, conta, entre risos. O policial militar aposentado diz que quando ele era criança, o Dia de Cosme e Damião era uma farra, com crianças na rua o dia inteiro.

“Passei minha vida todinha correndo atrás de doce. Alguns vizinhos também jogavam moedas. Saía cedo de casa e não tinha hora de almoço, nem hora para voltar. Ia para casa com doce para o mês inteiro. Os que eu mais gosto até hoje são o pé-de-moleque e o doce de abóbora”, destaca Júlio.

 

O filho já cresceu e mantém a tradição. O autônomo Renato Freire da Silva, de 34 anos, também vai distribuir doces na segunda-feira (27) em agradecimento. Pai de duas crianças, uma de 2 e outra de 4 anos, ele acha importante continuar a prática.

“Vou colocar as crianças pra acordar cedo, botar mochila nas costas e ir pra rua para ver se tem doce”, garante Renato.

 

A quantidade, porém, é menor que anos anteriores. “Vou dar uns 50 saquinhos, por causa da pandemia. Mas também diminuiu a quantidade de crianças que pegam doces porque muitos pais proíbem também”, analisa Júlio.

Movimento no comércio

 

Loja do Núcleo Bandeirante tem prateleiras com doces para Dia de Cosme e Damião — Foto: Doce Festas / Reprodução

Loja do Núcleo Bandeirante tem prateleiras com doces para Dia de Cosme e Damião — Foto: Doce Festas / Reprodução

Adriano Feitosa trabalha é uma loja de doces, no Núcleo Bandeirante. Ele conta que, em 2020, a venda de doces caiu por causa das restrições decorrentes da pandemia. Este ano, porém, houve mais saída.

“Ano passado, por conta das restrições mais severas não tivemos tanto movimento. Mas as famílias tradicionais continuam distribuindo doces em Dia de Cosme e Damião. Não é com a mesma intensidade de antigamente, mas ainda tem”, garante Adriano.

 

A expectativa para este domingo é ainda melhor. E tem de tudo: pipoca, maria mole, suspiro, paçoca, doce de leite, pirulito, balinhas. “Toda hora aparece alguém procurando”, conta.

Doces para Dia de Cosme e Damião - DF — Foto: Doce Festas / Reprodução

Doces para Dia de Cosme e Damião – DF — Foto: Doce Festas / Reprodução

Aruc mantém tradição por 6 décadas

 

Simone Oliveira, representante do Grupo Harmonia, da Aruc, faz questão de manter a tradição no DF — Foto: Arquivo pessoal

Simone Oliveira, representante do Grupo Harmonia, da Aruc, faz questão de manter a tradição no DF — Foto: Arquivo pessoal

Simone Oliveira, representante do Grupo Harmonia, da Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc), faz questão de manter a tradição, seguida pela escola de samba há seis décadas. Nesta segunda-feira, às 17h, haverá distribuição de bolo, refrigerante e 1,5 mil saquinhos.

“Depois do carnaval, é o segundo evento que a Aruc mais interage com a comunidade. Antigamente tinha muito mais criança, mas por questões religiosas o número vem caindo”, percebe Simone.

 

Pandemia

 

Por causa da pandemia de Covid-19, o corte do bolo será reduzido. Para evitar aglomeração, a distribuição das guloseiras será feita dentro da Aruc. “A criança entra por uma porta e sai por outra”, explica.

Simone encabeça a entrega dos doces como pagamento de promessa após complicações na gravidez. “Engravidei com mais de 40 anos e vinha de tratamento de câncer. A gente sempre fica receosa por causa dos remédios, dos quimioterápicos que são fortes. Pedia para proteção para São Cosme e Damião para meu filho vir saudável”.

E lá se vão sete anos de promessa cumprida. “A promessa termina esse ano, mas vou continuar. A gente gosta muito de ir pra rua pegar doce e fazer bagunça com as crianças”, diz.

Cosme e Damião na Umbanda e Candomblé

 

Distribuição de doces em dia de Cosme e Damião nas religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé, no DF — Foto: Arquivo pessoal

Distribuição de doces em dia de Cosme e Damião nas religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé, no DF — Foto: Arquivo pessoal

A tradição de distribuir doces tem origem nas religiões de matriz africana, como um agrado para os gêmeos orixás Ibejis, filhos gêmeos de Iansã e Xangô.

“Essas duas entidades que se amaram no passado, pediram uma criança e vieram duas. Então é sinal de alegria, pura alegria. O significado é compartilhar a alegria de ter parido filhos gêmeos. Como que comemora alegria? – Com doce, festa, com sorrisos”, explica a líder religiosa Adna Santos, também conhecida como Mãe Baiana.

A comemoração em alguns terreiros foi adiantada. No sábado (25), a homenagem a Cosme e Damião foi no terreiro do Vô Congo, da lalorixá Zenith de Oxum. E com direito a mesa com balões, com bolo e muitas guloseimas para 400 crianças.

“Mãe de crianças que nascem doentes fazem promessas para Cosme e Damião por causa de problemas de saúde. Toda comunidade afrobrasileira e ameríndios comemoram o Dia de Cosme e Damião”, diz Adna.

Intolerância religiosa

 

Dia de Cosme e Damião é celebrado nas religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé — Foto: Arquivo pessoal

Dia de Cosme e Damião é celebrado nas religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé — Foto: Arquivo pessoal

A tradição perdeu fôlego com o passar dos anos, segundo Adna. Ela aponta a intolerância religiosa como um dos fatores que contribuíram para isso.

“Algumas pessoas começam a dizer que o saquinho de doce é oferecido ao diabo, que é rezado. Não tem nada disso. A gente vai ao mercado, coloca no saquinho e entrega para as crianças para ver a alegria delas”, destaca.

 

Ela diz ainda que “não se vê mais crianças pegando doces na rua porque os pais proíbem. É muito triste isso, mas existe. E as ruas agora ficam vazias, infelizmente”.

Igreja Católica

 

São Cosme e Damião — Foto: Divulgação

São Cosme e Damião — Foto: Divulgação

Na igreja católica, o Dia de Cosme e Damião é celebrado neste domingo (26). Para os católicos, os irmãos gêmeos eram médicos que viveram na Ásia Menor, há dois mil anos. Segundo a história, eles curavam as pessoas, principalmente crianças, e não cobravam.

Em agradecimento, Cosme e Damião recebiam brinquedos e doces. Segundo a história, os gêmeos teriam sido perseguidos e mortos pelo imperador romano Deocleciano, no dia 27 de setembro. O ano em que isso ocorreu é incerto. Dia 27, para igreja católica, é dia de São Vicente de Paula, que fez obras de caridade oriundas na França.

“Os católicos começaram a agradecer a Cosme e Damião pela intercessão deles na cura das doenças, principalmente das crianças, essa devoção oriunda da matriz africana. E também acabam distribuindo esses doces, buscando pedir a intercessão de são Cosme e Damião por todas as crianças”, explica o padre João Firmino, da Arquidiocese de Brasília.

 

Em Brasília há capelas destinadas a Cosme e Damião, como a Paróquia Divino Espírito Santo, no Guará II, onde, no sábado (25) pela manhã, já foi celebrada uma missa seguida de distribuição de doces para crianças.

Fonte: G1