O salto alto é encarado como sinônimo de elegância na moda, mas seu uso prolongado além de causar dores nos pés, pode afetar a saúde de diferentes maneiras, e algumas mulheres querem deixar de usá-lo com frequência por causa disso.

O tempo em casa por causa da pandemia também mudou padrões de vestimenta e deixa a pergunta de como será ter que voltar a se equilibrar todos os dias no salto.

Recentemente, uma companhia aérea da Ucrânia chamou atenção ao mudar o uniforme das comissárias de bordo e trocar os saltos altos por tênis. As funcionárias se queixavam de ficar horas em pé sobre saltos altos e questionavam como o uso do calçado desconfortável poderia ser útil em um acidente aéreo.

A mudança ocorreu no mesmo país onde um desfile militar de mulheres usando saltos altos foi chamado de “humilhação” e dividiu opiniões.

Em 2019, a atriz e escritora japonesa Yumi Ishikawa pressionou empresas japonesas a desobrigarem as funcionárias a usarem sapatos de salto.

A pressão deu origem ao movimento #KuToo, um trocadilho com “kutsu” (sapatos) e “kutsuu” (dor) em japonês, cujo impacto fez o então primeiro-ministro japonês Shinzo Abe se pronunciar a respeito na época.

Abe disse na ocasião que as mulheres não deveriam ser obrigadas a sofrer para cumprir regras de vestuário, que ele mesmo chamou de “impraticáveis”. No ano passado, a Japan Airlines liberou o uso de salto para suas comissárias.

Mas esta queixa não é recente. Quem não se lembra das atrizes Julia Roberts, Kristen Stewart e Sasha Lane retirando seus calçados no tapete vermelho de Cannes, ainda em 2016, em protesto à obrigação do uso de salto alto entre as mulheres nas premiações?

Lesões nos pés, pernas e coluna

Além de dores, bolhas e calos no fim do dia, o uso recorrente de sapatos de salto alto pode causar também deformações nos pés, nos joelhos e na coluna, além de dores lombares, artrose nos dedos dos pés e na coluna e o encurtamento de músculos e tendões.

“As lesões mais comuns pelo uso frequente de sapatos de salto alto são pinçamentos articulares na coluna, alterações anatômicas nos pés como joanete, encurtamento do tendão de Aquiles, neuroma de Morton, e alteração da biomecânica da coluna, além do aumento da lordose lombar”, afirma o ortopedista Luciano Miller, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Deformações nos dedos dos pés, mais especificamente o joanete e o neuroma de Morton, podem ocorrer pelo uso de sapatos apertados e podem até comprometer a estrutura óssea dos pés.

O joanete, cujo nome científico é hálux valgo, é um inchaço ósseo formado na articulação na base do dedão do pé. À medida que o joanete cresce, empurra o dedo para dentro, e assim pressiona os demais, tornando-os tortos.

Já o neuroma é a compressão dos tecidos que cobrem os nervos dos dedos dos pés, pressionados pelo uso de sapatos apertados e pelo peso do corpo.

A inflamação causa uma sensação de dor aguda e dormência nos dedos ou na planta dos pés, que deve ser tratada com corticoides e, em alguns casos, pode exigir cirurgia, explica o ortopedista Isnar Moreira de Castro, chefe do grupo de cirurgia de pé e tornozelo do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into).

“Andar muito de salto além de poder causar joanete e neuromas pode, às vezes, levar à fratura do osso por estresse mecânico, de tanto peso sobre os ossos que não estão totalmente apoiados, eles racham”, afirma.

Segundo o ortpopedista do Einstein, os principais vilões são os sapatos de bico e saltos finos, que podem causar dor no antepé (ponta do pé) e encurtamento da panturrilha, entre outros problemas.

“O uso prolongado do salto alto acaba encurtando a musculatura posterior da panturrilha, sentido quando se anda de sapato plano e se tem uma sensação de repuxamento. Isso pode sobrecarregar as articulações da coluna e causar dor lombar”, afirma Miller.

Por que a coluna é afetada?

Claro que o corpo humano conseguiu se adaptar ao uso de saltos altos. Mas ainda é fato que seu uso muda a forma de nos movimentarmos e, com isso, o corpo se adapta pagando um preço.

Em outras palavras, para nos mantermos de pé, apoiamos os pés no chão e usamos as curvaturas da coluna (lordose e cifose) para manutenção do equilíbrio corporal.

Quando ficamos de pé usando saltos altos, a dinâmica muda. Precisamos jogar o corpo para frente para manter o equilíbrio e, para compensar este movimento, jogamos a coluna para trás, aumentando a curvatura lombar.

“Quando se empurra a coluna para trás, você aperta as articulações da coluna, aumentando a tensão muscular que, consequentemente traz dores nas costas e na lombar”, explica o ortopedista do Einstein.

E quando andamos muito tempo de salto, a descompensação chega aos joelhos e pés.

“Quando caminhamos sem salto, o peso do corpo é distribuído durante a marcha. Com sapatos de salto, protejamos o peso para a parte da frente do pé, sobrecarregando a parte interior do pé, aumentando sua largura.

E, quando você aumenta a largura do pé, consequentemente os dedos ficam espremidos, aumentando a chance de causar os neuromas e as outras lesões citadas”, afirma Castro.

Como prevenir as lesões?

Para prevenir as lesões na coluna e nos pés não é necessário abandonar por completo o uso de sapatos de salto, mas saber usá-los de maneira que evite tais problemas é essencial.

A primeira dica é alternar em dias diferentes o uso de salto com sapatos mais baixos ou mesmo sem salto, mas com solado macio, sugere Miller.

“Usar um sapato com bom amortecimento, principalmente para quem fica muito tempo em pé é uma dica. Isso porque usar sapatos muito duros vai causar mais dor e sobrecarga. O ideal para quem fica muito tempo em pé é usar um calçado de solado mais macio, como um tênis ou um sapatênis”.

Segundo o ortopedista do Into, o ideal é optar por sapatos mais largos e acolchoados para evitar as lesões, sobretudo  para quem já tem joanete.

“Salto alto é bonito, mas é pouco saudável. Usar uma plataforma anterior grossa e macia, que possa colocar um acolchoamento, que minimize a sobrecarga na frente é o ideal. Em sapatos muito duros, palmilhas de silicone na frente pode deixar o solado mais macio”.

Outro ponto importante para quem não quer abrir mão dos saltos altos é fortalecer a musculatura corporal para aguentar as descompensações causadas pelo uso deste tipo de calçado.

“Para evitar estas dores, é fundamental fazer uma atividade física que contemple o fortalecimento muscular e o alongamento das pernas e da região do core [bacia, pélvis e abdome]”.

Ele dá como exemplo atividades como pilates, exercício funcional, natação, hidroginástica, ou qualquer outra atividade física que ative estas regiões.

Os alongamentos da panturrilha devem ser feitos, preferencialmente, após o uso do calçado. Mas também podem ser feitos ao longo do dia.

“Outra medida importante é massagear os pés sempre que possível”, diz Miller.

No entanto, a atividade física tem função preventiva. Quem já desenvolveu alguma lesão ou dor que não passa com o tempo, deve procurar um ortopedista para avaliação.

 

Fonte: CNN