Aprovada em sessão tensa no Senado na semana passada, a Taxa de Longo Prazo (TLP), que começa a ser implementada em 2018, marca o início de um novo ciclo no banco, em que ele passa a receber cada vez menos subsídios da União, e é o ponto culminante de uma discussão que dura mais de dez anos sobre o papel do BNDES e o uso de subsídios para financiar investimentos.
O tema é polêmico – a TLP não é consenso nem entre o corpo técnico do banco – e seu escopo vai muito além das empresas que tomam empréstimos do BNDES.
Os especialistas que avaliam como positiva a mudança afirmam que a redução dos subsídios – apelidados de forma pejorativa de “bolsa empresário” -, além de liberar espaço no orçamento público, promoveria o uso mais eficiente dos recursos disponíveis na economia, o que favoreceria o aumento da produtividade e o crescimento.
Aqueles que são contrários à substituição da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela TLP argumentam que as taxas reais de juros no país seguem proibitivamente altas e que, sem incentivos, as empresas dificilmente tirarão projetos da gaveta. Isso dificultaria, por sua vez, a recuperação da taxa de investimentos, do emprego e, em última instância, da economia.
R$ 240 bilhões
A TJLP foi criada em 1994 com o objetivo de fomentar os investimentos do setor privado. É uma taxa de empréstimo mais barata do que aquelas praticadas pelos demais bancos, financiada principalmente com recursos do Tesouro Nacional e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
O FAT repassa pelo menos 40% de sua receita primária para o banco. Quando lhe faltam recursos para cumprir suas obrigações, como pagamento de seguro-desemprego e abono salarial, o Tesouro cobre a diferença – situação que se repete todos os anos desde 1994.
Já o Tesouro capta recursos a preço de mercado – pagando, por exemplo, a taxa Selic, que na semana passada foi reduzida de 9,25% para 8,25% ao ano – e repassa para o BNDES para que ele empreste, em geral, à TJLP, hoje em 7% ao ano.
A diferença entre essas duas taxas é o subsídio, coberto com o aumento da dívida pública. Hoje em 1,25 ponto percentual, essa distância chegou a 6,25 pontos em 2016, quando a taxa básica bateu 14,25% e a TJLP, 7,5%.
A conta de subsídios do BNDES vem ganhando atenção nos últimos dez anos, período em que o banco passou a emprestar significativamente mais. O volume de desembolsos, que era de R$ 7,1 bilhões em 1995, passou a R$ 51,3 bilhões em 2006 e atingiu R$ 190 bilhões em 2013.
Entre 2007 e 2016, os chamados subsídios implícitos da TJLP somaram R$ 240 bilhões, conforme nota técnica divulgada no fim de julho pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.
Eles são chamados de implícitos porque não passam pelo Orçamento que é aprovado pelo Congresso – não são pagos com recursos arrecadados com impostos, por exemplo, mas com emissão de títulos da dívida pública.
“Todo mundo paga essa conta”, diz Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Instituto Ibmec (Cemec).
Na medida em que a dívida aumenta, cresce a economia que o governo precisa fazer para pagar juros – uma conta coberta pelo chamado superavit primário, que é o saldo entre o que o governo recolhe e o que gasta com o funcionamento da máquina pública e com investimentos.
Para fazer superavits maiores, ou o governo aumenta a carga tributária ou corta despesas, dois movimentos que afetam a economia como um todo. Em 2015, destaca Rocca, o passivo do BNDES com o Tesouro representava 15% da dívida pública, R$ 524 bilhões.
Juros mais altos ou mais baixos?
A transição entre TJLP e TLP será gradual, feita em um prazo de cinco anos. No fim desse período, as taxas de juros do BNDES passarão a ser referenciadas na NTN-B, um título do Tesouro Direto. Elas ainda estarão entre as mais baixas do mercado, já que os juros dos títulos públicos são inferiores aos cobrados pela rede bancária, mas vão passar a flutuar conforme as variações da economia.
Já há um processo de convergência em curso entre as taxas do BNDES e os juros de mercado, lembra Alexandre Albuquerque, analista da agência de risco Moody’s, decorrente do ciclo de corte da Selic que o Banco Central iniciou em outubro do ano passado, independente da TLP.
A taxa caiu de 14,25% para 8,25% e, até o fim do ano, segundo as estimativas colhidas pelo próprio BC no boletim Focus, ela deve chegar a 7%, nível atual da TJLP.
Como, ao contrário da TJLP, que é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a taxa não é definida de forma discricionária, o custo dos empréstimos do BNDES aumentaria sempre que as taxas de juros de mercado subissem. “É um risco permanente”, diz Rocca, do Cemec.
Apesar da avaliação, o economista é favorável à mudança. “A experiência dos últimos anos não parece ter sido positiva”, diz. A oferta de crédito muito barato, ele exemplifica, atraiu grandes empresas que teriam condições de se financiar no mercado privado, sem consumir recursos públicos.
Em 2013, por exemplo, quando os desembolsos atingiram o recorde de R$ 190 bilhões, 66,6% dos empréstimos foram direcionados a empresas de grande porte, categoria que inclui companhias como Ambev, Vale do Rio Doce e Votorantim.
A concessão generosa de subsídios também criou um excedente de oferta e de capacidade produtiva em diversos setores, acrescenta Rocca, alguns deles pouco competitivos, como o naval. “Foi tentar resolver uma distorção (os juros estruturalmente altos do Brasil) criando outra.”
O economista aposentado do BNDES e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) André Nassif concorda que política levou a uma alocação ineficiente de recursos públicos. “Isso tem a ver com a farra de subsídios relacionados ao PSI”, afirma, fazendo referência ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI), uma linha com juros ainda menores do que a TJLP que vigorou de 2009 a 2015.
Ele é contrário, entretanto, ao fim da TJLP em um momento como o atual, de recessão, em que as empresas passam ainda por dificuldades. “A preocupação deveria ser baixar estruturalmente as taxas de juros”, afirma.
Mesmo a Selic cada vez mais baixa, ressalta o economista, as taxas de juros reais, que descontam a inflação, estão hoje mais altas do que há um ano, em torno de 7%. “Nós precisamos de subsídio até que se resolva essa questão dos juros anomalamente altos”, completa.
Nassif acrescenta que o crédito subsidiado permeia uma série de instituições públicas, como os fundos constitucionais dos Estados, que ficaram fora da discussão da TLP. “Fica parecendo que a mudança é premida pelo mercado financeiro, que não está só baseada em argumentos técnicos.”
Investimentos
“Essa é uma crítica legítima à proposta: por que não acabar com os demais subsídios creditícios?”, diz Claudio Frischtak, consultor do Banco Mundial e presidente da Inter.B Consultoria.
Para ele, esse é um instrumento de incentivo que deve ser usado de forma “parcimoniosa”, em áreas com potencial para trazer retornos positivos para a sociedade, como a de saneamento.
Qualquer política pública deveria estar sujeita ao “teste do custo benefício”, para avaliar se os retornos compensam os recursos aplicados. Além disso, deveriam ser explícitos, discutidos dentro do Orçamento.
Frischtak é um dos autores do estudo “Para entender os efeitos da reforma da TLP sobre o mercado de crédito do Brasil”, publicado pelo Banco Mundial em agosto. O documento destaca o que avalia como impactos positivos da nova taxa sobre o desempenho econômico do Brasil e observa que, mesmo com os desembolsos recordes do BNDES nos últimos anos, a taxa de investimentos no país, em vez de crescer, recuou.
“O impacto (da TLP sobre os investimentos) seria marginal”, ele avalia. Isso porque o custo de crédito, diz o economista, é apenas um dos aspectos levados em conta nas decisões de investimento. Também é importante, por exemplo, o nível de demanda – uma das causas apontadas para a queda expressiva dos empréstimos do BNDES em 2015 e 2016, quando chegaram a R$ 88,3 bilhões.
O vice-presidente da Fiesp, José Ricardo Roriz, concorda – ele atribui ao câmbio apreciado a queda das taxas de investimento nos anos pré-crise -, mas avalia que o fim da TJLP vai ter impacto negativo relevante sobre a economia.
“É natural que exista uma preocupação com o fiscal, mas o governo está muito focado nessa área. Falta estratégia para retomar o crescimento, o emprego, os investimentos.”
Discussão antiga
A TLP começou a ser desenhada em maio do ano passado, pouco depois que a economista Maria Silvia Bastos Marques assumiu a presidência do BNDES. Apesar de encontrar resistência de parte dos economistas do banco, o projeto contou com apoio do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e das equipes dos ministérios do Planejamento e da Fazenda.
O debate sobre a mudança na política de juros do banco é mais antiga, data pelo menos de 2005, quando o economista Pérsio Arida, ex-presidente do BNDES e um dos formuladores do Plano Real, publicou um texto em que propunha diminuir a concessão de subsídios do banco.
Paulo Rabello de Castro, que assumiu o BNDES em junho, quando Marques pediu demissão, chegou a fazer críticas à TLP e afirmou em entrevistas que ela poderia prejudicar as empresas por reduzir a previsibilidade das condições de financiamento. Mas o ex-presidente do IBGE recuou – e passou a defender a adoção da nova taxa.
Fonte: BBC