(Foto: Larry Busacca/Getty Images)

(Foto: Larry Busacca/Getty Images)

A onda protecionista nos Estados Unidos de Donald Trump; a volta da xenofobia na Europa do Brexit; a lenta e dramática derrocada do governo autocrático de Nicolás Maduro na Venezuela. Os países, assim como as pessoas, adquirem maus hábitos, que acabam por influenciar profundamente a forma como vivemos e fazemos negócios. Exemplos, no mundo, há aos montes. No Brasil das delações premiadas, principalmente. O caminho que leva a mudanças, no entanto, é claro, ainda que lento e difícil. É o que diz o jornalista e escritor americano Charles Duhigg, vencedor de um Prêmio Pulitzer, uma espécie de Nobel do jornalismo, e estudioso do comportamento humano. “Uma coisa que sabemos sobre os hábitos é que há normalmente um punhado de líderes que começam a mudança. E então a mudança se retroalimenta pela pressão dos pares”, ele afirma.

Duhigg é autor de um best-seller, O Poder do Hábito (Objetiva). O livro permaneceu mais de 60 semanas na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times e vendeu, só no Brasil, mais de 300 mil exemplares. Nele, Duhigg procura explicar cientificamente o porquê de nossas atitudes, por que fazemos o que fazemos ao longo da vida, das coisas importantes às mais prosaicas. Por que, por exemplo, vamos todas as tardes comer biscoitos na cafeteria da esquina (no caso dele, por necessidade de socialização). Ou por que sociedades têm tanta dificuldade de abandonar práticas nocivas arraigadas (no nosso caso, impossível não lembrar de Brasília).

Para o escritor, apesar de todos os problemas, o Brasil é um país “fascinante”. “Muitas das coisas com as quais o Brasil vem lutando há anos estão sendo enfrentadas por outros países. A polarização política e a discussão de fronteiras fechadas versus fronteiras abertas, por exemplo”, disse em entrevista exclusiva à NEGÓCIOS. “O Brasil está tocando uma série de experimentos que podem servir de lição para o mundo.”

Na entrevista que segue, Duhigg fala sobre as origens dos maus hábitos sociais e explica que nada pode ser mudado sem que se dê às pessoas o poder de controlar suas próprias vidas.

“Quando um país adquire vícios, a culpa não é só dos governos. Há também as instituições sociais, como a Igreja, os partidos…”

Época Negócios: Em que medida o ambiente limita a capacidade de mudarmos nossos hábitos?
Charles Duhigg: 
O ambiente definitivamente importa. Mas não é tudo. É possível mudar muita coisa. O que você precisa é de pessoas que acreditem que as mudanças são possíveis. E precisa dar a elas as ferramentas. Educar as pessoas sobre como usá-las, sobre o que sabemos em ciências, seja em psicologia, comportamento econômico, tecnologia de computadores, processos de produção fabril. É preciso dar poder às pessoas, para que elas possam ser maiores que o ambiente em que estão inseridas. Pense no Brasil e nos Estados Unidos. O Brasil tem uma economia pesadamente regulada. Mas os Estados Unidos também. Ainda assim, temos áreas como o Vale do Silício. Antes da revolução dos computadores você já tinha um monte de gente esperta por lá. Mas elas não tinham as ferramentas certas para construir companhias que hoje estão entre as maiores do mundo. Então, não é a regulação que impede a inovação e as mudanças. A questão é: você está oferecendo as ferramentas adequadas e educando as pessoas para usá-las? Hoje, nos Estados Unidos, há uma ênfase imensa não apenas no ensino do uso de computadores, mas também de programação, por exemplo.

Negócios: O Brasil tem grandes carências na área educacional. Ensinar as crianças a mudar seus hábitos pode dar a elas uma perspectiva melhor?
Duhigg:
 A pobreza gera frustração e impotência. Particularmente para crianças de baixa renda, em desvantagem socioeconômica, uma das coisas mais efetivas que se podem fazer é dar a elas um senso de controle sobre as próprias vidas. Elas veem a situação dos pais e sentem que não podem controlar as coisas. Sentem que eles são pobres e que, em função disso, elas também vão ser. É a armadilha do “ciclo da pobreza”. As pesquisas dizem que uma das melhores formas de ajudar as crianças a quebrar esse ciclo é ensiná-las a acreditar que podem mudar. Sua mãe ficou grávida quando tinha 16 anos. E a mãe dela também. Mas você acredita que pode esperar mais, por isso terá mais tempo para ir à escola e conseguir um emprego melhor. Quando ensinamos as pessoas como seus próprios hábitos funcionam, as ajudamos a sentir que estão no controle. Quando as pessoas se sentem no controle, geralmente são capazes de tomar decisões melhores.

Negócios: Países também adquirem maus hábitos?
Duhigg:
 Com certeza. Mas quando olhamos para um país, não devemos prestar atenção apenas nos governos. Precisamos olhar também para as instituições sociais, como a Igreja, os partidos políticos, os líderes. Elas também estão cheias de vícios. Que tipos de hábitos elas demonstram? Como ajudam as pessoas a mudar?

Negócios: E como é possível mudar os maus hábitos de um país?
Duhigg:
 Hábitos sociais mudam. Lentamente, é verdade. E é difícil. Mas mudam. O racismo é um exemplo. Há 80 anos, nos Estados Unidos, costumávamos ter banheiros separados para americanos brancos e negros. Hoje há muito menos racismo desse tipo. O hábito social mudou. E mudou porque havia pessoas dispostas a dizer que deveria mudar. Uma coisa que sabemos sobre hábitos sociais é que há normalmente um punhado de líderes que começam a mudança. E então a mudança se retroalimenta pela pressão dos pares. Alguém diz algo racista e um amigo reage: “Você não pode dizer isso. É algo que não se deve dizer. Deixe-me explicar por quê”. É assim que os hábitos mudam nas sociedades: com as pessoas dizendo “estes são os valores em que acredito, pelos quais eu vivo”. Esses valores se espalham e se tornam hábitos.

Negócios: Pode dar um exemplo?
Duhigg:
 A religião é um exemplo. Um dos papéis que a religião e a Igreja têm é o de policiar hábitos. Historicamente, a Igreja diz que você só deve ter relações sexuais no casamento. Então, ela vai policiar o que acha que deveria ser um hábito. Se você olhar para o judaísmo, há as regras kosher, que são hábitos alimentares. Há ainda os hábitos morais. Eu ajudo os outros? A religião começa com um conjunto de mandamentos que se tornam hábitos também por meio da pressão dos pares. Talvez você concorde com eles, talvez você discorde, talvez ache que são bons, talvez ache que são ruins. Mas eles são muito efetivos.

“Todo hábito é composto de três partes: gatilho, rotina e recompensa. Não é tão simples, mas podemos desarmar essa sequência para mudar”

Negócios: E nos negócios, qual o caminho?
Duhigg:
 São basicamente três etapas. A primeira é encontrar líderes que vão demonstrar os bons hábitos. Mas não só com palavras. É preciso que ajam. O líder tem de mostrar que está comprometido com o novo hábito. Em segundo lugar, você precisa recompensar. Se quiser que os funcionários sejam mais honestos com os números da empresa, por exemplo. Para que não contem a você só o que você quer ouvir. Até quando alguém lhe der uma má notícia, é preciso recompensá-lo. É preciso recompensar as pessoas por fazerem o que é difícil. E a recompensa por essa transparência precisa ser óbvia e grande. A terceira coisa é celebrar as pequenas vitórias. Existe uma “ciência das pequenas vitórias”. As grandes conquistas são precedidas por conquistas menores, que recebem uma celebração desproporcional. Se meu objetivo é dobrar o lucro, todos os dias, quando ganharmos um novo dólar, temos de celebrar e recompensar isso. Temos de criar a história na cabeça das pessoas. Elas estão fazendo pequenos progressos incrementais, pequenas mudanças. Então, a grande mudança passa a parecer muito possível, pois vimos evidências de que podem acontecer.

Negócios: Você escreveu um livro sobre o poder do hábito e outro sobre como se tornar mais produtivo (Mais Rápido e Melhor, Objetiva). De que forma os livros te ajudaram a mudar seus hábitos?
Duhigg: 
Hábitos são escolhas que fazemos sem pensar, quase inconscientemente. Produtividade é sobre fazer escolhas melhores. É sobre pensar mais intensamente sobre suas prioridades, seus objetivos, como você se foca. São lados diferentes de uma mesma moeda. Escrever A Força do Hábito me ensinou como pensar sobre os padrões em minha vida, os hábitos que eu gostaria de mudar e como mudá-los. Passei a ter uma caixa de ferramentas que me ajudou a me exercitar mais, comer menos biscoitos e ser um pai melhor. Em síntese, me ajudou a pegar esses de 40% a 45% do meu dia que são regidos por hábitos e a ter controle sobre eles. Com Mais Rápido e Melhor, aprendi a construir os hábitos certos para que eu possa me focar no que interessa, em vez de simplesmente estar ocupado. No que eu estou trabalhando? Como eu treino meu foco? Como eu penso mais profundamente sobre as escolhas que faço?

Negócios: É sobre como estabelecer prioridades.
Duhigg: 
Sim, muito disso é sobre prioridades. E muito é sobre técnicas. Como eu escrevo uma lista de “coisas para fazer” da forma correta, que me ajude a lembrar quais são as minhas prioridades. Como eu ensino a mim mesmo a construir modelos mentais? Ou como visualizar meu dia de uma forma que ajude a me focar? Como eu aprendo a unir meus times e criar inovação da mesma forma que a Disney criou inovação quando estava produzindo Frozen. Mudou muito a forma como faço as coisas.

Negócios: Embora saibamos mais sobre como mudar nossos hábitos, ainda é muito difícil mudar de fato. Por quê?
Duhigg: 
Os hábitos são mais complicados do que as pessoas acham que são. Pensamos em hábitos como uma coisa só, como um comportamento. Mas hoje sabemos que não são. Todo hábito tem três partes. Há uma deixa, que é o gatilho para um comportamento automático. Há uma rotina, que é o comportamento em si. E há uma recompensa. Quando você fuma, ou quando assiste à TV em vez de ir se exercitar, por exemplo. Vamos quebrar isso em partes. Qual é a deixa? Qual a rotina? Qual é a recompensa? Por que você está fazendo isso? Alguém que fuma, por exemplo, pode ter como recompensa uma pausa no trabalho. Uma vez identificada a deixa, a rotina e a recompensa, a segunda coisa a fazer é experimentar, tentar fazer a coisa de forma um pouco diferente. Em vez de fumar, o sujeito pode tentar dar uma volta ao redor do parque. Só que isso talvez não funcione. Então, ele pode tentar fazer uma pausa para bater papo com os amigos. E pode acontecer de não funcionar também, porque os amigos estão fumando e ele vai querer um cigarro. É preciso estar disposto a experimentar até encontrar um novo hábito para substituir o antigo.