Maria da Paz Araujo de Oliveira, de Jardim do Seridó (RN), tem três filhos e não teve o direito de fazer uma laqueadura – esterilização voluntária para mulheres – após o terceiro parto. É que, à época, apesar de ela ter cumprido todos os critérios eletivos para o procedimento, seu parceiro não quis assinar autorização para a cirurgia. A lei que definia as regras do jogo sobre planejamento familiar no Brasil, de 1996, previa esse detalhe: tanto para laqueadura, quanto para a vasectomia, “a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges”, caso o casamento tenha sido feito no papel.
Apesar de o texto recair sobre os dois gêneros, a história de Maria da Paz denuncia os contrastes entre os direitos da mulher e do homem de decidir sobre suas vidas — e passam desde a escolha de métodos contraceptivos até a forma com que os filhos serão criados. Maria da Paz contou para a Universa que é ela quem cuida, sozinha, dos filhos — Laura, 5, Lucas, 11 e Luiz, 14. Para isso, também tem três profissões: corretora de imóveis, correspondente bancária e costureira.
Leia a seguir a história de Maria da Paz e qual é o cenário atual sobre a realização de laqueaduras no Brasil.
Mulher tenta laqueadura e não consegue
“Eu tive dois filhos e, na terceira gravidez, eu e meu ex-companheiro decidimos que o parto seria particular para que eu conseguisse ter a laqueadura — achávamos que era mais complicado pelo SUS. Uma semana antes, meu ex começou a dar indícios de que não queria que eu fizesse o procedimento; isso porque significaria ele ter só uma filha, já que os outros dois filhos são do meu primeiro casamento. Fui para o parto achando que seria feita a laqueadura. Mas ele não assinou a autorização na secretaria da maternidade e eu só descobri quando eu tinha saído da anestesia e a obstetra foi me visitar. Então, comecei a tentar pelo SUS, mas a maternidade da minha cidade e os enfermeiros dos postos de saúde diziam que ‘não estava dando’ esse tipo de cirurgia. E eu não tinha mais condições de pagar um particular que era, na época, uns R$ 2.500. Me separei do pai de Laura quando ela ia fazer 2 anos’’.
Sem laqueadura, o risco da pílula anticoncepcional “Nunca fiz a laqueadura e tenho dificuldades com outros métodos contraceptivos: tenho alergia ao látex da camisinha, não posso usar DIU porque sou portadora de HPV [não há proibição expressa pela comunidade médica, mas é preciso tratar a infecção] e, com a pílula, sinto náusea, enxaqueca…Mas acabo usando ela mesmo, porque não tenho condições físicas, psicológicas e financeiras de ter outro filho”.
“A mãe é quem tem que decidir”
“Para mim, a princípio, é um absurdo ter essa autorização do parceiro. A não ser quando o casal planeja junto; mas, no meu caso, eu já tinha três filhos e, se meu ex só teria um, comigo, o problema era dele. Digo isso porque geralmente quem fica com a guarda dos filhos é a mãe. E eu me vejo hoje cuidando dos três, sem ter tido o direito de escolher. É prático para o pai dizer que não autoriza, sendo que ele só pega a criança de 15 em 15 dias. Hoje, digo para as pessoas que tudo que não preciso é de um quarto filho e um terceiro pai na minha vida”.
Como funciona no Brasil?
É de 1996 a lei federal que estabelece políticas de planejamento familiar no Brasil e dá as regras do jogo para quem quer fazer laqueadura (ligadura das trompas) ou vasectomia: entre alguns critérios para as cirurgias da chamada esterilização voluntária, é preciso o “consentimento expresso do cônjuge”, caso seja um casamento reconhecido por lei.
As duas cirurgias são oferecidas pelo SUS. Mas, no caso das mulheres, não faltam obstáculos para que ela seja feita — desde opiniões médicas sobre o possível arrependimento da paciente até a negativa expressa dos profissionais de saúde (nestes casos, vale dizer, a mulher pode procurar a Justiça). No caso de Maria, o que emperrou o processo foi a falta de assinatura do ex-parceiro. Critérios para fazer e dados De acordo com o Ministério da Saúde, em 2019, foram feitas 80.654 laqueaduras e 58.772 vasectomias em 2019. Nos homens, a maior parte está na faixa entre 35 e 39 anos; já entre as mulheres, o número é maior entre as de 30 a 34 anos.
A cirurgia de ligadura das trompas nas mulheres pode ser realizada tanto em parto cesáreo — 39.885 casos — quanto de maneira independente — 40.769 casos. A pasta aponta que são dados preliminares. Tanto para homens quanto para mulheres, é necessário ter mais de 25 anos ou, pelo menos, ter dois filhos vivos, “desde que o segundo filho não seja aquele que está para nascer, o que impede que a laqueadura seja feita na hora do parto. Ela pode ser feita no terceiro parto, mas não no segundo”, explicou a ginecologista e obstetra e Coordenadora de Ginecologia do ProSex (Projeto Sexualidade), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, Flávia Fairbanks, em entrevista para Universa.
Caso o pedido seja feito pelo SUS, é indicado que a mulher procure a Assistência Social na Unidade Básica de Saúde mais próxima para receber orientações sobre a escolha. O processo do início do acompanhamento da paciente até a realização da cirurgia pode durar 60 dias. A lei explica que esse período serve para aconselhamento por equipe multidisciplinar, “visando desencorajar a esterilização precoce”.
Projetos querem mudar realidade.
Um projeto de lei encaminhado ao Senado prevê que as mulheres possam fazer laqueadura sem autorização do marido. A legislação aprovada na Câmara de Deputados retira a exigência antes imposta às mulheres casadas para a esterilização voluntária.
Desse modo, a medida também retira o consentimento expresso das esposas, no caso de vasectomias. Além disso, o texto também apresenta a possibilidade de que a cirurgia de laqueadura seja feita durante o período do parto.
No entanto, a mulher deve fazer o pedido com pelo menos seis meses de antecedência em relação ao parto e devem ser observadas as “devidas condições médicas”. Assim, a legislação traz uma mudança diante da determinação que vigora, proibindo o “procedimento durante os períodos de parto ou aborto. “Exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas.
Outra mudança é que o PL diminui de 25 para 21 anos, a idade mínima para a esterilização voluntária. Dessa maneira, isso vale tanto para homens quanto para mulheres. “Até agora, a legislação só permitia o procedimento para os maiores de 25 anos, ou pelo menos, com dois filhos vivos. Entretanto, o novo PL afirma que há, frequentemente, “dificuldades de pessoas maiores de 21 anos que já têm três filhos”.
Fonte: Uol