Texto: Nielcem Fernandes

Edição: Jornalista Brener Nunes

(Foto: Nielcem Fernandes)

(Foto: Nielcem Fernandes)

No aniversário de 29 anos do Tocantins, o Portal Gazeta do Cerrado ouviu o ex-governador a respeito das dificuldades encontradas durante o caminho da emancipação, sonhos e perspectivas futuras. O principal personagem quando se trata da história do Tocantins é natural do Ceará. José Wilson Siqueira Campos nasceu na cidade do Crato (CE) no dia 1 de agosto de 1928. Hoje aos 89 anos fala com propriedade sobre os pontos cruciais da criação do Estado.

Iniciamos a entrevista perguntando ao ex-governador qual é o seu sentimento ao comparar o Estado de hoje com os primeiros dias de implantação do Tocantins.

Siqueira Campos: Primeiramente quero cumprimentar os leitores deste ainda jovem, mas conceituado portal de notícias, que muito vem contribuindo para manter os tocantinenses bem informados.

A criação deste portal é reflexo do desenvolvimento do Tocantins. E meu sentimento é sim de satisfação. Fizemos tudo? Ainda não. Mas se olharmos para o que ficou para trás, temos a certeza de que valeu a pena.

Aqui não tínhamos hospitais, universidades, rodovias asfaltadas, nossas cidades não tinham energia elétrica e nem água tratada e esgoto. Tudo isso só foi feito depois da criação do Tocantins. Melhoramos nossos índices de desenvolvimento, (IDH, IDEB) e todos os demais índices. O Estado se tornou exportador de energia, de grãos, de carne e hoje podemos dizer até de mão de obra qualificada.

Quantos tocantinenses temos em postos importantes seja na política, na cultura, no esporte? O sentimento é de que valeu a pena sonhar e lutar.

Gazeta do Cerrado: Como a criação do Estado foi pensada pelo senhor? a partir de quando decidiu lutar pela emancipação? Como foi definido o nome do novo membro da federação?

Siqueira: A criação do Tocantins foi uma luta que começou com o ouvidor Teotônio Segurado, que hoje é justamente homenageado em nossa Capital em sua mais bela avenida. Essa luta foi encampada por muitos outros nortistas que também sonhavam com a divisão de Goiás. Quando me mudei para Colinas e montei uma empresa madeireira, passei a me destacar como um empreendedor.

E isso causava certo incomodo naqueles velhos coronéis que dominavam a região. Tanto que uma vez fizeram uma denúncia falsa contra mim e o Exército veio e me prendeu. Mas em alguns dias a minha inocência foi provada e fui libertado. Preciso destacar que o Exército sempre me tratou com respeito e fiz até amizades no período que fiquei lá preso. A partir daí eu percebi que precisava entrar na política. Pois o nosso povo que carecia de tudo, precisava também de uma voz que a representasse.

Fui candidato a vereador em Colinas, fui eleito, e em seguida disputei a eleição para deputado federal. Foram cinco mandatos lutando pela criação do Tocantins, quase 20 anos. Mas não somente pela divisão territorial, mas também pela estruturação desta parte do Brasil. Tanto que sempre defendi a implantação de Universidades, da Belém-Brasília, da Ferrovia Norte-Sul, da Usina do Funil (que hoje é a Usina de Lajeado).

Todos esses projetos estão contidos na minha história política na Câmara dos Deputados. Mas sem dúvida o projeto que me dá mais orgulho foi a Emenda Constitucional que criou o Estado do Tocantins. Pois a partir dali, começamos a realizar um sonho de mais de 200 anos, que era de libertar o povo do norte e fazer deste pedaço de chão, um lugar próspero e com justiça social.

O nome do Estado é em homenagem ao Rio Tocantins que tem uma importância sem igual para o Estado. O Rio Tocantins sediou a navegação quando aqui não existiam rodovias e nem era servido por avião. É com ele que se produz energia elétrica para o Brasil, é das suas águas que saem a produção de frutas e hortaliças que abastecem a Capital e o Estado. A água é hoje o bem mais precioso e será ainda mais no futuro. E nós temos aqui ao lado uma riqueza sem igual, o Rio Tocantins.

Gazeta: Quais foram os seus principais aliados políticos para a independência do Tocantins? Quais as principais dificuldades encontradas na época?

Siqueira: Olha, tivemos muitos aliados como tivemos também pessoas que eram contra a criação do Tocantins. O próprio ex-presidente Sarney chegou a vetar um projeto nosso que foi aprovado e quando chegou ele vetou porque foi pressionado pelos líderes de Goiás que não queriam a divisão. E ele também não acreditava que, sem dinheiro, nós conseguiríamos fazer o que fizemos no Tocantins.

Não vou conseguir citar todos que ajudaram. Mas quero deixar todos representados no nome de um só homem, Ulysses Guimarães. Esse homem me ajudou demais a aprovar esse projeto. Ele era o presidente da Constituinte, um líder nato, um conciliador. E olha, talvez sem ele nós não teríamos o Tocantins. Tive também a felicidade de ser presidente nacional do PDC.

E isso fez com que eu passasse a integrar o colégio de líderes. Como eu liderava uma bancada importante, eu tinha como sentar à mesa e fazer os acordos que eram do nosso interesse. O meu era só um, criar o Tocantins. E assim foi feito e hoje estamos aqui contando essa história.

Gazeta: Hoje quais são os principais problemas do Estado em sua opinião?

Siqueira: Pra mim o principal problema é a fome. Temos que combater a miséria. Já avançamos muito, em vista do que era não tem comparação. Mas ainda há muito que fazer.

Afinal, mais de 200 anos de abandono não seriam resolvidos em 29 anos. Mas creio que o Estado precisa fazer essa reflexão e discutir um projeto eficiente para erradicar a fome e para remunerar bem os tocantinenses, para que caminhem com liberdade e independência. Um povo que tem bons salários faz o Estado crescer, pois esse povo vai consumir mais e o Governo vai arrecadar mais e tem que reverter esses impostos em investimentos que vão fazer o Estado crescer mais.

Gazeta: O que o senhor como gestor não fez e ainda gostaria de fazer pelo Tocantins?

Siqueira: Creio que fiz muita coisa. Fundei Palmas e mais 42 municípios. Milhares de quilômetros de rodovias tirando nossos municípios do total isolamento. Essa ponte da integração nacional é uma obra de importância inestimável. As usinas, o Prodecer, os projetos de Irrigação, a energia elétrica e a água para os municípios, os hospitais, a Unitins, enfim, acho que fizemos muito. Mas logicamente, ainda há muito que se fazer. Por exemplo, o déficit habitacional é algo que precisa ser combatido pelo Governo.

Outra coisa, o metrô de superfície. Um meio de transporte rápido, sustentável e que não iria afetar a característica de Palmas, principalmente da Teotônio Segurado, sem ter que acabar com as árvores e nem com aquele belíssimo canteiro central. O Estado precisa de projetos estruturantes como a TO-500 ligando o Tocantins ao Mato Grosso.

O Tocantins Precisa da BR-010 para abrirmos nossa passagem ao Piauí. Precisamos da duplicação da Belém-Brasília. Precisamos discutir uma segunda ponte no lago de Palmas. Olha, são muitas coisas que eu gostaria de fazer, se pudesse, até porque o Tocantins vai crescendo e as necessidades do povo vão sendo modificadas e elas precisam ser atendidas pelos governantes.

Gazeta: Vinte e nove anos depois, o Tocantins tem o perfil imaginado pelo senhor quando criado?

Siqueira: Quando implantamos o Estado fizemos um planejamento. Obviamente, de acordo com a ocasião, com a situação política e econômica algumas coisas podem ser modificadas.

Mas o Tocantins hoje é a nova fronteira agrícola do Brasil, grande produtor de grãos e carne. É autossuficiente na produção de energia. Possui várias instituições de ensino para qualificar nosso povo. Possui uma Capital belíssima que é referência para atendimento de saúde, e em breve irá ganhar mais uma faculdade de Medicina, a do ITPAC, e o Hospital do Câncer de Barretos.

Todos esses investimentos só vêm para Palmas e para o Estado porque enxergam oportunidades de sucesso em seus trabalhos.  Vejo que melhoramos muito a nossa realidade, mas consciente de que ainda temos muito a crescer e desenvolver.

Gazeta: Nesta data tão especial, qual a mensagem que o senhor deixa para o povo tocantinense?

Siqueira: Em primeiro lugar quero parabenizar a todos, tanto os que nasceram aqui quanto os que para cá vieram, todos são tocantinenses. Nosso Estado é livre, é prospero, é jovem, é moderno e não admite qualquer forma de exclusão ou preconceito. Nosso Estado precisa é de união. Nosso povo precisa de oportunidades e de bons salários e o Governo precisa ser justo e honrar seu povo.

A mensagem que eu deixo para os irmãos tocantinenses é de que valeu a pena. Valeu a pena os quase 20 anos lutando para criar o Estado. Valeu a pena enfrentar todas as dificuldades na implantação, a poeira, os mosquitos, dormir em locais improvisados, mas para hoje vermos um Estado que tem vocação para ser grande.

Rico em água, em terras, em uma posição geográfica privilegiada, um clima favorável à produção, com chuvas em abundância e de belezas naturais sem igual. Esse é o Tocantins que chama a atenção do Brasil e do mundo. Precisamos cuidar da nossa natureza e usar esse potencial para melhorar a vida da nossa gente, para que além de um Estado rico, termos um povo com bons salários e o conforto que merecem.

(Foto: Nielcem Fernandes)

(Foto: Nielcem Fernandes)

Biografia

Ficou órfão de mãe aos 12 anos, e viajou pelo país por quase 10 anos até chegar à cidade de Colinas, no então Norte de Goiás, atual Colinas do Tocantins, onde se estabeleceu e fundou a Cooperativa Goiana de Agricultores e deflagrou o movimento popular que pedia a criação do Tocantins.

Em Colinas, foi eleito vereador e presidente da câmara entre 1965 e 1967. Na disputa eleitoral de 1970, elegeu-se deputado federal por Goiás na legenda da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do regime militar instalado no país em abril de 1964. Já no seu primeiro mandato como deputado federal, assumiu papel importante na luta separatista do Tocantins devido a sua atuação politica. Foi presidente de inúmeras comissões e suplente de outras tantas. Em 1973, foi diretor do Instituto de Pesquisas e Estudos do Congresso, tendo presidido, no ano seguinte, o Simpósio Nacional da Amazônia, realizado sob o patrocínio da Câmara.

Reeleito em 1974 presidiu a Comissão Especial sobre Redivisão Territorial e Política Demográfica. Siqueira Campos sempre foi considerado um politico conservador por defender o regime militarista abertamente. Siqueira, ainda seria reeleito para mais três mandatos, em 1978, 1982 e 1986. Em 25 de abril de 1984, votou contra a emenda Dante de Oliveira, apresentada na Câmara dos Deputados, que propôs o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República em novembro do mesmo ano.

Defensor, desde 1974, da formação do estado de Tocantins, 7 de Junho de 1978 apresenta à câmara dos deputados o projeto de Lei nº 187, de 1978, que cria o Estado do Tocantins. Projeto este feito ao lado do deputado estadual RAIMUNDO MARINHO, em 1985, reapresentou o projeto para a criação do estado de Tocantins, mas ele foi novamente vetado pelo presidente José Sarney sob a alegação de que o estado seria economicamente frágil.

Em 1988, acabou tendo seu ponto de vista aceito pela Constituição de 1988, que autorizou a criação do novo estado, através do desmembramento do norte do estado de Goiás. Eleito em novembro de 1988 com o primeiro governador do Estado recém-criado, licenciou-se da Câmara para exercer um mandato-tampão à frente do Executivo de Tocantins entre 1989 e 1991. Siqueira Campos ainda foi eleito para o cargo de governador em 1994, 1998 e eleito novamente em 2010.