Aos 88 anos, Fernanda Montenegro está de volta ao horário nobre com a mística Mercedes de O Outro Lado do Paraíso. Em uma trama polêmica, Mercedes representa o misticismo mesmo para quem não acredita em nada. É uma mulher simples, descompromissada, sem qualquer sofisticação ideológica. “É a fé do povão”, sintetiza.
Na trama, Mercedes é inspirada em Dona Romana, mística de Natividade, Tocantins. Ela acredita que seu santuário será a salvação do mundo. Seu quintal possui 5 mil metros quadrados e parece um labirinto repleto de estátuas e construções em pedra e arame com detalhes de vidro que, de acordo com Mãe Romana, vai salvar o planeta da destruição completa por um asteroide que, segundo a profecia, vai se chocar com a terra e reequilibrar seu eixo de rotação. Ela se dedica a obra há 27 anos.
Diversidade
“Eu acho que o público sempre aceita o jovem gay. Mas duas senhorinhas lésbicas, de oitenta e tantos anos, e ainda trocando um ligeiro beijo na boca… Isso foi um escândalo maluco, inexplicável, assustador. A gente pensa que o mundo caminha, mas não. Há preconceito para não mostrar isso na idade mais velha. Pensam: ‘Vamos deixar na mocidade. Até os 40 anos é suportável. Depois disso, pelo amor de Deus. Não me faça esse desaforo'”, opina.
Fernanda diz que comemorou a aceitação do transexual Ivana/Ivan (Carol Duarte) em A Força do Querer e espera muito que as novelas continuem nessa toada. Para a atriz, as proibições nas artes, sejam elas quais forem, são atos reacionários. “O careta tem todo direito de ser careta, mas o fato de querer extinguir o contrário é amedrontador”, diz. Mesmo assim, Fernanda tem boas expectativas em relação a O Outro Lado do Paraíso. Segundo a atriz, são cerca de 60 atores fora a figuração, todos empenhados em levar o melhor para quem está em casa. “Não é uma brincadeira, uma festinha de amigos, entende?”, pondera.
“Estamos numa posição homérica, somos centenas de pessoas entre autores e técnicos. Sabemos que esse é um tributo a uma plateia que vem nos acompanhando. Não vamos brincar”, declara.
Fernanda até brinca que a personagem já está do “Outro Lado”, mas fica aqui na Terra para fazer o bem porque acredita que essa é sua missão. “A personagem é muito à frente de seu tempo porque ela é muito antiga no seu sentimento. Quando eu digo antigo, não é velho. É antigo. São sentimentos primitivos puros. Espero dar conta.”
Essa é a segunda vez que faz uma personagem mística na TV. A primeira foi a líder espiritual Vó Manuela, da minissérie Riacho Doce (1990).
Toda natural
A veterana conta que demorou um pouco para se acostumar com seu “novo” visual: cabelos brancos. Mas está confortável. Ela se diverte com perguntas sobre vaidade. Diz que não se priva de comer nada, apesar de não comer mais como antigamente. Magra por genética, ela fala até que agora está gorda, costumava pesar dez quilos a menos. Passa um creminho aqui, outro ali, mas nunca fez plásticas. A atriz acha que as cirurgias estéticas não são boas para os atores.
“Quanto mais se opera, mais se fica deslocado do seu tempo. E aí não tem papel. Não se é mais jovem por motivos óbvios, não se está na meia-idade, mas tirou todas as possíveis rugas e papos. Por isso, nem é possível encenar a velhice. O cara não vai para lugar nenhum. Fica indefinido”, observa.
Veterana, ela diz que é viciada em trabalho, e se aposentar está fora de cogitação.