As marcas sob o chapéu da Meta — Foto: Lionel Bonaventure/AFP

As marcas sob o chapéu da Meta — Foto: Lionel Bonaventure/AFP

Em mais uma sinalização de redução de transparência em grandes plataformas digitais, a Meta — dona do Facebook, Instagram e WhatsApp — decidiu desativar o CrowdTangle, ferramenta gratuita para monitoramento de redes sociais comprada pela empresa em 2016. O anúncio gerou críticas e preocupação entre pesquisadores, que veem na medida uma restrição no acesso a dados às vésperas de processos eleitorais.

O CrowdTangle ficará indisponível a partir de agosto, dois dias antes do início do período oficial das campanhas eleitorais no pleito municipal do Brasil e em um ano com recorde de eleições pelo mundo. A ferramenta é usada por jornalistas, pesquisadores e checadores de fatos e fornece dados que, entre outras finalidades, auxiliam na localização e rastreamento de publicações com desinformação e discurso de ódio. A mudança afetará análises sobre conteúdos que circulam nas redes da Meta.

Ao anunciar a desativação do CrowdTangle, a empresa informou que novas ferramentas de pesquisa estarão disponíveis junto ao Consórcio Interuniversitário para Pesquisa Política e Social (ICPSR) da Universidade de Michigan. Segundo a Meta, essas novas ferramentas poderão ser solicitadas por “pessoas de instituições acadêmicas qualificadas ou sem fins lucrativos que realizem pesquisas científicas ou de interesse público”. Não há informações sobre o acesso pela imprensa.

Apagão de dados

 

Diretor do Instituto Democracia em Xeque e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), João Guilherme Bastos dos Santos diz que a mudança impacta análises que seguem os termos de uso das plataformas e não lançam mão de outros métodos de coleta, como a raspagem de dados. O CrowdTangle funcionava como intermediário ao permitir acessar e organizar dados.

— Há um cenário em que as plataformas investem cada vez mais em banir envolvidos em raspagens, que vão contra termos de uso, mas não são ilegais — diz Santos. — Quase todas as pesquisas que conferem continuamente discurso de ódio e desinformação no Instagram e Facebook em escala dependem do CrowdTangle.

Para o pesquisador, a medida pode levar a um “apagão” durante o período mais próximo à votação. A decisão da Meta acompanha tendência observada em outras big techs, que vêm dificultando o acesso a dados. As limitações acontecem em muitos casos pelo fim da gratuidade de APIs (sigla, em inglês, para interface para programação de aplicações) e a prática de preços “proibitivos”. Foi o caso do X (antigo Twitter), que passou a cobrar pelo acesso.

Diretor da Bites, empresa de análise de dados, André Eler diz que o movimento da Meta preocupa.

— As empresas estão cobrando pelo acesso aos dados, o que faz com que menos gente consiga fazer o papel de fiscalizar as redes, as atividades de perfis e identificar comportamento potencialmente criminoso ou abusivo. Vira uma caixa preta em alguns casos — diz Eler, que utiliza outras ferramentas para coleta de dados.

No caso do Brasil, há expectativa pela disponibilização de dados sobre impulsionamento de conteúdo digital nas campanhas eleitorais, conforme regulação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Apenas a Meta e o Google contam hoje com plataformas de transparência de anúncios. Na avaliação de Eler, porém, a medida não deve ser suficiente.

— Com o CrowdTangle, era possível identificar quando outros perfis ou outras páginas públicas faziam propaganda de algum candidato, inclusive propaganda negativa, desinformação. Ele permite identificar o primeiro post da desinformação e rastrear o caminho.

Procurada para comentar a mudança, a Meta enfatizou a substituição por novas ferramentas: “Continuaremos coletando o feedback de pesquisadores e adicionando novos recursos e bases de dados ao longo do tempo”.

Dificuldades de transparência

 

  • YouTube: A plataforma encerrou em 2023 o acesso à parte da consulta de sua API que permitia mapear quais são os conteúdos relacionados a um determinado vídeo. A medida dificulta pesquisas sobre como funciona seu sistema de recomendação e possível relação da plataforma com a radicalização.
  • X (antigo Twitter): Sob gestão de Elon Musk, a rede social passou a cobrar pelo acesso à API, interface que permite a extração e análise de dados. A medida dificulta pesquisas acadêmicas focadas, entre outros temas, em analisar fake news e discurso de ódio.
  • TikTok: No mês passado, a União Europeia (UE) abriu um procedimento contra a rede social por possível violação das normas de transparência e proteção a menores. Como o Kwai, a plataforma tem menor nível de transparência que outras redes e não oferece, por exemplo, acesso a APIs para fins de pesquisa.
Fonte – Agência O Globo