Em 18 de janeiro deste ano o sargento do Exército Renato Borges Maciel, de 40 anos, dirigia seu carro, um Logan branco, pela Via Dutra. Na altura de Itatiaia, Rio de Janeiro, ele foi parado em uma blitz durante operação conjunta da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Civil. Vestido com sua farda verde-oliva, o militar tentou impedir, sem sucesso, que o veículo fosse revistado. No porta-malas foi encontrada uma carga pouco comum: 17 fuzis de assalto modelo AR-15, dois AK-47, mais de 40 pistolas de calibres variados, 82 carregadores para pistola, 39 para rifles e 50 tabletes de pasta base de cocaína. O arsenal, avaliado em mais de 3 milhões de reais, bastaria para armar um pequeno exército. E de fato iria. Mas não para as forças armadas regulares: a suspeita das autoridades é que Maciel, lotado em Foz do Iguaçu, no Paraná, vendia armas para facções criminosas fluminenses.
Com o anúncio da intervenção federal no Rio de Janeiropelo presidente Michel Temer, o Exército passou a ser visto como uma espécie de “solução” para a crise de segurança pública fluminense – que já dura décadas. Mas, como o caso do sargento Maciel mostra, algumas vezes os militares são parte do problema. Infelizmente ele não foi o único integrante da caserna a formar aliança com o crime organizado. No dia 20 de outubro de 2017 outro sargento, Carlos Alberto de Almeida, 46, conhecido como Soldado, foi preso na Favela da Coréia, em Senador Camará, zona oeste do Rio. Ele foi acusado de ser “o maior armeiro do tráfico” no Estado. Com o militar foram apreendidos sete fuzis, seis pistolas e munição. Almeida foi preso junto com outros três homens no momento em que preparavam os fuzis que seriam entregues para integrantes da facção Terceiro Comando Puro (TCP).
Segundo investigações preliminares, o sargento trabalhava há pelo menos dez anos como armeiro do TCP em várias outras comunidades, como Dendê, Vila Aliança e Parada de Lucas. Lotado na Escola de Sargentos de Logística do Exército, ele possuía uma oficina com maquinário considerado de ponta, que permitia que ele fabricasse peças de armas e munições. Pouco antes de ser preso Almeida teria sido contratado por Rogério Avelino da Silva, vulgo Rogério 157, para fornecer armas para a facção Amigos dos Amigos (ADA) na Rocinha. Ele teria, inclusive, montado uma oficina na comunidade às vésperas do conflito entre o grupo de Rogério e de traficantes rivais.
A reportagem não conseguiu localizar os advogados dos sargentos Maciel e Almeida. Com relação ao primeiro, o Exército afirmou que abriu processo administrativo para apurar a conduta do militar preso, e disse “coloca-se à disposição para apoiar as investigações na busca do rigoroso esclarecimento das circunstâncias que envolveram a ocorrência policial”. A instituição não se pronunciou sobre o caso de Almeida.
Por vezes as armas repassadas aos traficantes não vem de fora do país, como ocorreu com os fuzis e pistolas apreendidas no carro do sargento Maciel, todos contrabandeados do leste europeu via Paraguai. No ano de 2007 ao menos 9.000 munições foram roubadas por dois soldados do Depósito Central de Munição em Paracambi, Rio de Janeiro – o maior paiol da América Latina. O material, de calibre 7.62 compatível com armas de assalto, foi vendido ao Comando Vermelho por 150.000 reais.
Com o anúncio da intervenção militar no Rio a questão da segurança dos arsenais do Exército vem à tona: o Estado lidera o ranking de roubos e desvios de armas das forças armadas, de acordo com levantamento da TV Globo. Apenas em 2017 foram furtadas dez armas oficiais, sete do Exército e três da Marinha.
A relação entre as facções criminosas e o Exército foi destacada pelo ex-secretário nacional de Justiça Pedro Abramovay: “No mundo inteiro a intervenção das Forças Armadas na segurança gera organizações criminosas mais violentas e militares mais corruptos. Experiências no Brasil mostram o mesmo. Por que acreditar que agora vai ser diferente?”, questionou.
Coronel e traficante
O conluio com traficantes não é exclusividade de militares das patentes mais baixas do Exército. Em dezembro de 2015, o coronel reformado Ricardo Couto Luiz, de 57 anos, foi condenado pela Justiça do Rio a dez anos de prisão por tráfico interestadual de drogas. De acordo com as investigações, os 351 quilos de maconha encontrados no carro do militar em Duque de Caxias seriam distribuídos em diversas favelas do Rio de Janeiro. Ele integrava uma quadrilha que trazia drogas do Mato Grosso do Sul para a capital fluminense. A defesa de Luiz afirmou que irá recorrer da sentença – ele já teve pedido de habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas o fornecimento de armamentos não é a única maneira pela qual militares corruptos conseguem ajudar o crime organizado. Em 21 de agosto de 2017 um soldado de 19 anos do grupo de Artilharia e Campanha do Exército foi preso por suspeita de vazar para traficantes informações sobre operações das forças federais no Rio. Na mesma ação foram presos outras 17 pessoas, entre policiais militares e soldados.
Ex-militares também acabam se envolvendo com o tráfico e com as milícias. Levantamento do Ministério Público Militar apontou que de 1997 a 2007, apenas na Brigada Paraquedista do Rio, de 200 desertores da unidade, ao menos sete se envolveram com o tráfico. O relatório da CPI das Milícias, de 2009, apontou que um ex-paraquedista seria responsável por controlar os grupos paramilitares nas comunidades do Saçu e do 18, na zona norte do Rio.
Por Gil Alesi, do El País