A companhia e a presteza dos irmãos delatores, que tornaram mais suave a chegada de Maluf ao xilindró, só duraram dois dias. Em 22 de dezembro, o deputado foi transferido para o Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, no bloco 5 – a zona de elite destinada a 60 presos vulneráveis, como políticos, empresários e criminosos sexuais, apelidada de “camarote” pelos agentes penitenciários. Na Papuda, apesar de ter sido bem recebido pelo empresário Luiz Estevão, o rei do camarote, Maluf não conseguiu esconder o desânimo. Alocado na ala B, o outrora altivo e falante político, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, se converteu num sujeito taciturno na prisão. Estabeleceu uma boa relação com Estevão, outro preso por corrupção, mas chora com frequência, principalmente quando fala sobre a família, e se queixa das condições da prisão. Ainda não se acostumou a comer a xepa – uma quentinha com arroz, feijão e um pedaço de carne. Maluf reclama muito da comida, que considera sem graça. Já perdeu ao menos oito quilos.
Enquanto tenta se acostumar à penúria da cadeia, Maluf deposita suas esperanças na atuação dos advogados que tentam tirá-lo de lá. Uma das frentes de ataque era um pedido de prisão domiciliar feito ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, responsável pela execução da pena. Mas o pedido foi negado na quinta, dia 22. A outra, no Supremo Tribunal Federal, tenta anular totalmente a prisão. Isso porque a defesa considera que o relator do caso no Supremo, ministro Edson Fachin, não esperou que se esgotassem todos os recursos possíveis contra a condenação. Na sentença que determinou a prisão imediata de Maluf, Fachin argumenta que os recursos apresentados seriam “meramente protelatórios”, ou seja, visariam somente adiar o início do cumprimento da pena. Fachin ainda determinou que Maluf pagasse uma multa de R$ 1,3 milhão. Maluf foi condenado por desviar dinheiro da obra da Avenida Água Espraiada, hoje chamada de Avenida Jornalista Roberto Marinho, na década de 1990, quando ele era prefeito de São Paulo.
A defesa do deputado, feita pelo escritório Leite, Tosto e Barros Advogados em parceria com a equipe do famoso criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, entrou com um habeas corpus no Supremo, cujo relator é o ministro Dias Toffoli. “Qual o risco que um cidadão de mais de 80 (oitenta) anos, acometido de graves problemas de saúde, com uma condenação apenas na vida, por delito sem violência, de fato ocorrido há quase 20 anos atrás (sic), pode representar à sociedade? Indiscutível que o paciente já não conta mais com as condições físicas e emocionais para enfrentar as mazelas do sistema prisional comum, sendo necessário um tratamento especial para garantir o princípio da dignidade humana e as prerrogativas do Estatuto do Idoso. Os prejuízos que virão a ser causados serão inegavelmente irreversíveis, considerando a idade e fragilidade do requerente”, argumentou a defesa no habeas corpus,assinado por Kakay e pelo criminalista Marcelo Turbay. Toffoli pediu informações ao ministro Fachin sobre o decreto de prisão. Não há prazo para sua decisão.
Paulo Maluf tem câncer de próstata. Está cego do olho direito. Tem hérnia de disco. Sua cela foi adaptada a suas condições. O banheiro teve barras de proteção instaladas, para que o deputado possa se apoiar nelas, e a entrada foi alargada e teve um degrau suprimido, para evitar quedas. O parlamentar ocupa a primeira cama de um treliche – a escada serve para impedir que ele role e caia durante o sono. O detento Maluf é um dos poucos que, em vez de calçar sandálias, usa tênis antiderrapante.
Toda semana Maluf recebe atendimento médico e injeções de analgésico na região dos quadris para atenuar as dores. Usa fraldas geriátricas e às vezes solicita uma cadeira de rodas. O deputado é auxiliado pelos companheiros de cárcere o tempo todo. Um detento médico foi escalado para lhe servir de cuidador. Outros se revezam para lavar suas roupas, atividade que ele não consegue executar por conta das dores nas costas. Doutor Paulo retribui com uma caixinha aos colegas e, quando o dinheiro acaba, pede um trocado emprestado a Luiz Estevão para comprar um lanche na cantina do bloco 5 – geralmente uma pizza brotinho, consumida pelos detentos mais abastados.
O deputado é visitado apenas por um assessor, o historicamente fiel Jesse Ribeiro, pois não permitiu que a família fosse até o presídio vê-lo. Maluf não quer que sua mulher, dona Sylvia, de 81 anos, seja submetida à revista íntima, que consiste em tirar a roupa e ser examinada por uma agente penitenciária. Ainda que o agente não toque na visitante, o procedimento é considerado humilhante por Maluf.
Na quinta-feira, 22, Maluf estava ansioso pela visita de seus advogados. Perto das 18h, o advogado Kakay deu a má notícia. A terceira turma criminal do tribunal entendeu que a Papuda oferece condições de dar tratamento de saúde ao deputado e negou o pedido da defesa. “Pra ir falar comigo, ele é acompanhado de um médico, porque não consegue andar sozinho. Maluf está um pouco se definhando, cada vez mais fragilizado, muito magro”, diz Kakay, um dos fundadores do Instituto de Garantias Penais, criado por advogados criminalistas que defendem, entre outros, o ex-deputado Eduardo Cunha, para “estarmos juntos nesta nossa luta pelas garantias constitucionais neste momento tão punitivo”.
Na mesma noite, Kakay distribui uma nota a todos os seus contatos no WhatsApp. O tom é de indignação pelo fato de doutor Paulo estar preso “por um crime que teria cometido há 18 anos”. Maluf, diz o defensor, não foi processado no mensalão ou na Lava Jato. Manter um idoso com doenças gravíssimas preso “é uma desumanidade”, segue Kakay. “(Maluf) está pagando esta prisão pelo imaginário popular de uma imagem criada há 20 anos atrás (sic), quando tinha 66 anos”, diz a nota. Cabe grifar que tanto o tal “imaginário popular”, que associa Maluf à corrupção e à malversação de dinheiro público, quanto a solidão na cadeia são, afinal, obras de Maluf.