Depois de amargar três meses com bandeira vermelha na conta de luz e custo extra de 3,50 reais a cada 100 quilowatts-hora (kWh), o brasileiro respirou aliviado com a tarifa verde no início do ano, decretada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A tranquilidade vai durar até o próximo período de estiagem, quando, com a redução das chuvas e, consequentemente, do volume de água nas hidrelétricas, o governo acionará as termelétricas para gerar eletricidade. Como essa operação recorre a combustíveis mais caros, como petróleo e carvão, o custo aumenta e pesa no bolso do consumidor.
Seria diferente se o Brasil tivesse um programa robusto de estímulo à geração de energia solar — aproveitando sua condição natural de país tropical e ensolarado. “Estamos uns 15 anos atrasados em relação a China, Japão e Alemanha — atualmente, os países que mais investem nesse tipo de energia renovável, mesmo sem a exposição solar que temos por aqui”, afirma Rodrigo Lopes Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Segundo o especialista, essa é a forma de produção de energia que mais cresce no mundo. Tanto que, nos Estados Unidos, a modalidade já cria mais empregos do que a indústria de óleo e gás. Naquele país, um de cada 50 novos postos de trabalho é no segmento de energia solar. No Brasil, o setor também vive um momento de expansão. “No ano passado, o número de instalações de sistemas fotovoltaicos cresceu mais de 100%”, diz Rodrigo. “Apesar disso, estamos abaixo do potencial energético que podemos produzir.”
Por aqui, os avanços são resultado tanto da inauguração de grandes usinas fotovoltaicas quanto da adesão de consumidores individuais ao novo sistema. As usinas, que formam a chamada geração centralizada, foram contratadas pelo governo federal em leilões de energia elétrica realizados em 2014 e 2015 e estão localizadas, em grande parte, no Nordeste. A geração distribuída, por sua vez, é a que engloba os consumidores individuais, empresas, comércio e indústrias. Atualmente, há 20 000 sistemas fotovoltaicos em operação no país.
Um deles está instalado na casa do engenheiro Frederico Papa, de 37 anos, morador de Curitiba. “Sempre me preocupei com a questão ambiental e, antes de aderir à energia solar fotovoltaica, pesquisei bastante”, afirma. Ele acompanhou os preços durante três anos e esperou o valor baixar para garantir um retorno mais rápido do investimento. Em maio do ano passado, pagou à vista 9 000 reais por quatro painéis com capacidade total de 1,25 kW — o suficiente para gerar energia na casa onde mora com a mulher.
Tão logo instalou o sistema, o engenheiro viu sua conta de energia de 190 reais cair pela metade. “Com o novo valor, praticamente estou dentro da tarifa mínima de minha cidade”, diz. Frederico considera, no futuro, quando a tecnologia for aprimorada e o Paraná tiver aderido à isenção de ICMS, ampliar seu sistema — principalmente depois da chegada de Otto, seu primeiro filho, cujo nascimento está previsto para abril. “Esse imposto encarece a energia. Eu gero, devolvo o excedente para a companhia e, quando vou usar, preciso pagar ICMS. Não é uma conta justa”, afirma.
Mesmo assim, ele se considera um entusiasta do sistema e o divulga para parentes e amigos. “Digo que é melhor postergar a troca do carro ou da TV e instalar os painéis, que vão durar 25 anos.”
De fato, a tendência é que cada vez mais gente siga os passos de Frederico. A estimativa da Absolar, feita com base numa projeção da Empresa de Pesquisa de Energia (EPE), ligada ao governo federal, é que o país terá em 2024 mais de 1 milhão de sistemas fotovoltaicos em funcionamento. Em 2030, o objetivo é alcançar 25 GW de capacidade instalada por meio de investimentos de mais de 125 bilhões de reais. “O Brasil conta com 81 milhões de potenciais clientes”, afirma o presidente da Absolar.
Ele cita a pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência no ano passado mostrando que 89% dos brasileiros desejam gerar energia renovável em casa. Mas, para isso, o setor precisa vencer uma série de obstáculos, como a falta de uma política industrial eficiente para estimular a fabricação dos componentes fotovoltaicos no país, a escassez de linhas de crédito para aumentar a adesão do consumidor e a elevada carga de impostos.
Eficiente e correta
Apesar de serem uma fonte de energia menos poluente que as termelétricas, as hidrelétricas têm enorme impacto social e ambiental. O principal deles é a inundação de grandes áreas para sua instalação, com prejuízo para a fauna e a flora, e a consequente remoção das populações ribeirinhas. Quanto mais distantes dos centros abastecidos pela eletricidade gerada, maior o gasto com linhas de transmissão. “Imagine o custo de transportar a energia de Belo Monte, no Pará, para outros lugares do Brasil. É um meio caro e pouco eficiente”, afirma Rodrigo Sauaia, da Absolar.
Portanto, a chance de produzir sua eletricidade localmente e de reduzir o valor da conta é um argumento que atrai os consumidores tanto pela responsabilidade ambiental quanto pela economia. Além disso, desde abril de 2012, todo cliente cadastrado
no Ministério da Fazenda com um CPF ou um CNPJ pode ter um sistema de energia elétrica próprio de fontes renováveis. Essa possibilidade foi regulamentada pela Resolução Normativa no 482, da Aneel.
O principal entrave continua sendo o preço da instalação, de 12 000 reais, em média, para uma casa com quatro pessoas. O chamado payback (prazo para retorno do investimento) costuma ser de até oito anos. “Esse tempo varia de acordo com a região — se ela é mais ou menos nublada, o que interfere na produção de eletricidade — e conforme o preço da tarifa cobrada pela distribuidora de cada estado”, afirma Cezar Luiz França Pires, mestre em engenharia civil com ênfase em meio ambiente e professor na Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro.
Para Cezar, o sistema solar fotovoltaico, além de eficiente e ecologicamente correto, valoriza o imóvel. “Na Califórnia, as residências com painéis custam, em média, 10% mais.” Isso porque, uma vez instalado, o modelo permite diminuir em até 90% o gasto mensal com eletricidade. Tendo em vista que o equipamento dura 25 anos e a manutenção é fácil e barata (basta limpar os painéis a cada três anos), o retorno pode vir em menos tempo — dependendo do custo da tarifa local e dos impostos cobrados.
Mas é preciso alertar que a conta de eletricidade nunca será zerada, por mais energia solar que sua casa produza. “É que as distribuidoras cobram um valor mínimo pelo serviço prestado e o consumidor fica à mercê delas”, afirma a arquiteta Isabella De Loys, que instalou os painéis em sua casa em 2014. Ela aconselha avaliar muito bem o local onde os painéis serão colocados. “Como o sistema funciona com a incidência de luz solar direta, um único ponto de sombra pode afetar a capacidade de geração de energia de todo o sistema.”
Por Katia Cardoso, do Exame