Em algum momento, todo mundo passa por uma situação estressante ou uma crise pessoal que dificulta a concentração no trabalho. Talvez seja um familiar doente que precisa de cuidados, enfrentar você mesmo uma doença, ou lidar com um divórcio. Essas são situações incrivelmente difíceis de superar no âmbito pessoal – quanto mais no profissional. Você deve comunicar o que está acontecendo a seus gestores e colegas? Como pedir o que você precisa, como horas flexíveis ou uma carga de trabalho reduzida? E como saber se você deve tirar uma licença?

O que dizem os especialistas
“A vida é assim, e essas coisas acontecem com todo mundo”, diz Anne Kreamer, autora de It’s Always Personal (É sempre pessoal, em tradução livre). Mas saber que você está em boa companhia não é necessariamente um conforto, especialmente se você está penando para cumprir suas responsabilidades em casa e no trabalho. Se você chegou ao ponto em que você diz a si mesmo: “Não consigo fazer meu trabalho”, pode ser hora de pedir ajuda, diz Jane Dutton, professora da Ross School of Business da Michigan University e coautora de Awakening Compassion at Work (Despertando a compaixão no trabalho, em tradução livre). Seguem alguns conselhos sobre como lidar com o trabalho em meio a uma crise pessoal.

Decida o que você precisa
Primeiro, faça um balanço dos recursos que você tem à mão “tanto dentro como fora da organização” para ajudá-lo a enfrentar a crise, diz Dutton. Você tem amigos ou familiares que possam ajudar? Você pode contar com membros da equipe para cobrir algumas de suas responsabilidades no curto prazo? Talvez aquilo que você precisa não seja complicado. “Pode ser tão simples como deixar o trabalho no início das sextas-feiras por um mês”, diz Dutton. O segredo é descobrir o que pode ajudar a aliviar a pressão.

Considere a importância da privacidade para você
Antes de pedir ajuda, considere o quanto você está disposto a compartilhar. “Essa é uma escolha individual”, diz Kreamer. “Há muitas razões diferentes pelas quais as pessoas preferem preservar sua privacidade”, especialmente quando se trata de doenças que carregam um estigma. Dúvidas sobre sua posição na empresa é outro motivo para ter medo, ela acrescenta. Dutton concorda, observando que, em alguns casos, “pode ser perigoso revelar sua situação”. Ela sugere avaliar os riscos com perguntas como: em que tipo de cultura eu estou? Há procedimentos formais para lidar com isso? Preciso ir para o RH? Ou há pessoas na minha unidade que podem ser úteis? Eles me tratarão como um ser humano ou apenas um número? Ou preciso pensar sobre como me proteger?

É melhor compartilhar se você se sentir bem fazendo isso
Se você se sente seguro compartilhando, geralmente é melhor fazê-lo. “Somos incentivados a respeitar os limites entre o privado e o profissional, mas isso nem sempre é útil”, diz Kreamer. De fato, a pesquisa de Ashley Hardin, professora da Olin Business School da de Washington University, mostra que quando você permite que os colegas de trabalho descubram mais sobre sua vida pessoal, eles ficam mais motivados a te ajudar. “Se a situação está interferindo na sua capacidade de finalizar seu trabalho, é provável que seus colegas de trabalho já tenham percebido que algo está errado e, nesse caso, é melhor deixá-los a par do que está acontecendo”, explica Hardin. Você também pode permitir que seus colegas próximos contem sobre sua situação a outros colegas de trabalho, se for muito difícil para você dizer diretamente a eles. “Esse tipo de comunicação indireta pode abrir um espaço para que seus companheiros de equipe façam um brainstorm para ajudá-lo”, acrescenta Hardin.

Defina limites
Isso não significa que você precisa se sentar com cada um e explicar sua situação em detalhes agonizantes. Defina limites para você e para os outros. Você pode se aproximar de colegas para conversas mais pessoais, mas tenha em mente que “a maioria das pessoas não quer saber todos os detalhes da quimioterapia de seus pais. Elas querem saber as informações pertinentes e como isso vai afetá-las”, diz Kreamer. Além disso, pode ser difícil responder a muitas perguntas e reviver os detalhes de uma situação triste, por isso não tenha medo de redirecionar a conversa de volta ao trabalho se um colega insistir em lhe perguntar sobre os detalhes. Você pode dizer: “Neste momento, seria bom para a minha sanidade manter o foco no trabalho. Tudo bem se nós voltarmos a falar sobre o projeto?”

Peça ajuda específica
“Idealmente, quando você conta o que está acontecendo, seus colegas dirão: “Eu posso ajudar de tal e tal maneira. Fica bom para você?”, Diz Kreamer. Mas, se seus colegas de trabalho não tomam a iniciativa de oferecer ajuda, faça-o explicitamente. E seja cuidadoso sobre a forma como você faz o pedido. Pesquisa de Wayne Baker, professora da Ross School of Business, mostra que a forma como um pedido é feito influencia fortemente se ele vai ser atendido. Ele recomenda que o pedido seja específico e descreva por que a ajuda é importante para você: nós “muitas vezes assumimos que a importância de um pedido é óbvia, mas raramente é assim”. E, como com qualquer pedido que você faz no trabalho, dê um prazo. Você pode dizer: “Seria muito bom se você pudesse me ajudar nas próximas duas semanas, enquanto estou cuidando de minha mãe. Você poderia terminar o relatório que estamos fazendo? Isso liberaria minha mente para me concentrar no que preciso fazer em casa”.

Aproxime-se do seu chefe
Também é uma boa ideia manter seu chefe informado do que está acontecendo, desde que você se sinta confortável fazendo isso. Se vocês têm um relacionamento muito próximo, diga a ele primeiro e faça um brainstorming de ideias para reduzir ou cobrir sua carga de trabalho. Mas, na maioria dos casos, Kreamer diz, é melhor conversar com seu gestor quando você já “tem alguma noção de como pretende lidar com o problema”. Leve o esboço de um plano ao seu gestor, descrevendo o período em que você deve estar ausente ou trabalhar menos, os colegas que podem cobrir seu trabalho e se você já discutiu essa possibilidade com eles. Em seguida, peça ao seu chefe que comente o plano.

Faça o que é certo para você
Não há resposta correta ao lidar com uma situação de crise. Para algumas pessoas, pode ser reconfortante ir ao trabalho todos os dias. Kreamer fez isso quando, dentro de um período de seis meses, lidou com três mortes de parentes – seus pais e uma avó. “Fiquei sobrecarregado com o tsunami da morte, e o trabalho foi um grande consolo para mim”, diz ela. “O trabalho é muitas vezes um antídoto, um espaço onde você pode esquecer os problemas e operar como um adulto funcional, em vez de se sentir desamparado diante da vida”. Para outros, talvez seja melhor tirar uma licença”. Quando você acredita que não poderá funcionar com a potência que seu trabalho exige de você, pode ser melhor retirar-se da situação por um tempo para recarregar as baterias”, diz Kreamer. “Quando você mantém o ritmo, mas não se permite sentir o sofrimento, você não se recupera tão rápido”. A Facebook está dando o exemplo ao oferecer, de forma pioneira, uma generosa licença de falecimento, implementada depois que a COO Sheryl Sandberg perdeu o marido. Mas nem todas as empresas oferecem férias remuneradas, por isso há implicações financeiras e de carreira a serem consideradas. Ainda assim, mesmo uma licença curta – apenas algumas semanas – pode ser o suficiente.

Princípios a serem lembrados
O que fazer:
• Determinar o tipo de apoio que você precisa – em casa e no trabalho.
• Contar aos seus colegas o que está acontecendo para que eles se compadeçam de sua situação.
• Fazer pedidos claros e específicos a seus colegas de trabalho e ao seu chefe para que eles saibam como ajudá-lo.

O que não fazer:
• Sentir-se na obrigação de contar a todos diretamente – você pode pedir aos colegas próximos que expliquem aos demais o que está acontecendo.
• Compartilhar todos os detalhes de sua situação – diga aos colegas de trabalho apenas os detalhes que lhes são pertinentes.
• Supor que será doloroso continuar trabalhando durante esse período – às vezes o escritório pode ser reconfortante.

Estudo de caso n. ° 1: Tranquilizando os colegas de trabalho e respeitando os limites
Quando Keisha Blair, cofundadora da plataforma de recursos de carreira Aspire-Canada, tinha 31 anos, seu marido faleceu repentinamente de uma doença rara – oito semanas depois que ela deu à luz a seu segundo filho.

Na época, ela geria uma equipe de seis analistas de políticas públicas no governo canadense. A reação imediata de seu chefe e colegas de trabalho foi afetuosa. “Eles foram muito solidários durante o meu tempo de luto”, lembra. Embora todos esperavam que ela voltasse só depois da licença-maternidade, asseguraram-lhe que poderia ficar mais tempo fora se precisasse, e ela aceitou a oferta, afastando-se por 10 meses.

Mas a situação ainda era desafiadora quando voltou. “Pude ver que minha história realmente afetou meus colegas”, ela explica. No primeiro dia da volta, “houve um derramamento de emoções. Alguns choraram abertamente no escritório”, lembra. E “muitos queriam saber como as crianças estavam lidando com a situação, como era meu sistema de apoio em casa e como eu estava fazendo depois de uma morte tão repentina e inesperada”.

Sua resposta foi intencionalmente mesurada. “Eu não queria evitar totalmente a conversa, mas para limitar conversas desnecessárias e manter minha compostura como líder, disse aos colegas que, se quisessem conversar, poderíamos fazê-lo em particular. Dessa forma, poderia avaliar o quanto um determinado funcionário foi afetado e também gerir minha resposta”, diz ela.

Ela também deixou claro que não falaria sobre algumas coisas. Esses limites ajudaram a garantir que essas conversas não intensificassem seu sofrimento. Se o funcionário precisasse de ajuda adicional, ela o encaminharia para o Programa de Assistência ao Empregado.

Relembrando a situação, Keisha se orgulha da forma como se portou durante este tempo: “Me tornei conhecida como uma líder forte e resiliente”.

Estudo de caso nº 2: Pedindo o que você precisa
No dia em que Jisella Dolan recebeu uma proposta de trabalho da Home Instead, uma empresa de home care para idosos, ela recebeu a notícia de que seu pai tinha de seis a 18 meses de vida. De início, ela achou que não daria certo, levando em conta as políticas de férias da empresa e o número de vezes que precisaria viajar para a cidade de seus pais, a oito horas de distância.

Como ela não conhecia muito bem seu futuro chefe, Jisella hesitou em compartilhar a situação com ele. “Ele era basicamente um estranho. Não tinha a menor ideia de como responderia à minha história”, explica ela.

Ela achava que o Home Instead não teria flexibilidade de tempo e “não queria pedir favores, especialmente sendo uma funcionária nova”. Mas, era seu “trabalho dos sonhos”, então decidiu explicar a situação. “Precisava ser honesta sobre como isso poderia afetar minha habilidade” de realizar o trabalho, diz ela. Ela deixou claro que precisaria deixar o trabalho no início das sextas-feiras para viajar e visitar seus pais e, provavelmente, receber as ligações de sua mãe durante o dia de trabalho.

O futuro chefe de Jisella a surpreendeu. “Eles reconheceram e respeitaram a situação na qual me encontrava e disseram que trabalhariam comigo” para chegar a uma solução. Ainda assim, esperavam que ela trabalhasse duro. Mas, mesmo quando uma emergência com seu pai a forçou a deixar uma reunião importante, ninguém a questionou.

A experiência “criou fidelidade instantânea à organização”, acrescenta. “A disposição de acomodar minhas necessidades me tornou mais determinada a fazer um bom trabalho para eles.”

Seis meses depois de aceitar o emprego, o pai de Jisella faleceu. Dez anos depois, ela ainda está na Home Instead e agora atua como diretora jurídica.

Estudo de caso nº 3: torne seus planos claros
Há vários anos, quando Jacqueline Ardrey trabalhava como executiva sênior de merchandising e cadeia de suprimentos para a Harry & David, ela passou por uma série de tragédias. Em primeiro lugar, as cunhadas de sua filha morreram em um acidente. Depois, sua mãe morreu repentinamente, deixando seu pai doente sozinho.

Seu chefe, seus colegas e sua equipe não poderiam ter sido mais solidários. Até o CEO da Harry & David, depois de saber sobre o que aconteceu, chamou-a e perguntou do que precisava. Ela perguntou se poderia, temporariamente, tirar folga nas sextas ou nas segundas-feiras, e ele concordou sem questionar.

Mas ela se certificou de manter contato constante com sua equipe, pessoalmente, quando estava no escritório, e por e-mail quando ela não estava. “Eu os deixava informados sobre o que estava acontecendo, quais eram meus planos e o que podiam ou não podiam esperar de mim durante minha ausência. Era um momento crítico para os negócios, então disse-lhes que precisava cuidar de meus filhos e que não poderia estar “presente” todo o tempo, fisicamente ou nas reuniões, e pedi sua compreensão. “Quando ela não se sentia confortável para conversar com alguém diretamente, escrevia um e-mail.

Jacqueline nunca esquecerá o apoio que recebeu quando trabalhava na Harry & David.

Ela é agora a presidente da Cold Brew Kitchen, um fornecedor de produtos de café. “Ofereço a minha equipe horários incrivelmente flexíveis para que possam conciliar o trabalho com suas vidas e objetivos. Definitivamente, esse evento teve um impacto nessa decisão”, diz ela.

Fonte: Harvard Business Review Brasil