As chuvas de março em Brasília, que sedia o 8º Fórum Mundial da Água, mascaram um problema que afeta a cidade há um ano, o racionamento de água. A capital do país passa pela mais grave crise hídrica de sua história e este não é um problema localizado. Outras 250 cidades brasileiras enfrentam racionamento ou estão com o sistema em colapso, ou seja, quando os reservatórios não têm mais nada de água.
Estimativa do Conselho Mundial da Água aponta que no Brasil seria necessário investir R$ 300 bilhões até 2033 para solucionar o problema, ou R$ 20 bilhões ao ano pelos próximos 15 anos para obras de saneamento e de segurança hídrica.
O Brasil é dono de 12% da disponibilidade de água doce do planeta. A falta de planejamento e de investimentos, a má gestão da água, o crescimento populacional, além das mudanças climáticas, têm feito com que os brasileiros sofram mais, a cada ano, com a falta d’água. Em 2017, 1.276 dos 5.570 municípios, 23% do total do país, pediram socorro ao governo federal ao decretarem problemas com a seca ou estiagem, segundo cálculo da Bloomberg com base em dados do Ministério da Integração Nacional. Nos primeiros 75 dias de 2018, 180 municípios já solicitaram ajuda ao Ministério, responsável por obras emergenciais em casos de seca e estiagem.
“A única forma de resolver este problema definitivamente é convencer a classe política da importância de colocar recursos no setor para fazer obras de infraestrutura e conter o avanço das secas mais prolongadas”, disse à Bloomberg o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga.
Para o ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, a difícil situação hídrica do país é resultado das mudanças climáticas dos últimos anos, mas também da falta de planejamento e utilização indevida dos recursos por parte dos estados, municípios e da população. “Não se pode dar ao governo federal a responsabilidade por cuidar de todos esses recursos. É preciso planejamento”, disse ele em entrevista.
Durante o Fórum Mundial da Água, que ocorre entre os dias 17 e 23, governos e organizações não governamentais debaterão as vulnerabilidades climáticas e uma melhor gestão da água em todo o planeta.
Um exemplo emblemático da carência de infraestrutura aliada ao clima são os recorrentes racionamentos em cidades do Pará, estado localizado às margens do Amazonas, maior rio do mundo. A população local convive com racionamentos ora por conta da estiagem, ora por panes no sistema de abastecimento.
Segundo Samuel Barrêto, especialista em recursos hídricos da The Nature Conservancy, a falta d’água é um problema mundial, que só será solucionado com conscientização e investimento. Ele observa que não é só a seca a vilã dessa história, mas as cheias, que têm levado vários países a sofrer com o excesso ou falta d’água. Barrêto observa que as secas afetam outros países e grandes cidades, citando Austrália, China, Califórnia e Cidade do Cabo como exemplos mais recentes.
“Há mau uso da água para todos os lados e é possível melhorar sem grandes dificuldades. Isso passa por uma reengenharia de processos que vai desde a construção das casas ao reuso pela indústria, como investir em dessalinização. Por exemplo, investir um dólar em saneamento significa economizar de 4 a 5 dólares em saúde”, comparou Barrêto.
Segundo ele, uma outra agenda na luta contra a crise hídrica deveria ganhar ênfase, que é a restauração florestal como forma de melhorar a saúde do meio ambiente.
Há 11 anos em construção pelo governo federal, o projeto de Integração do Rio São Francisco tem como objetivo ajudar 12 milhões de pessoas de 390 municípios, além de 294 comunidades rurais, segundo dados do Ministério da Integração. A obra, que sofreu atrasos e suspeitas de corrupção, deverá enfim ser totalmente concluída no segundo semestre deste ano. O desafio, agora, é garantir vazão da água por décadas. Isso porque, quando as obras se encaminhavam para o final, o governo verificou um sério problema nas nascentes do rio. “O São Francisco não foi cuidado, não se preparou adequadamente o rio”, disse Barbalho.
Como solução, o governo busca, já para os próximos meses, estudos para viabilizar a transposição do Rio Tocantins, a fim de melhorar a capacidade pluviométrica do São Francisco.
O Brasil convive com a seca há séculos pelas condições climáticas e hídricas do Nordeste. Nos últimos anos, no entanto, brasileiros das regiões Centro-Oeste e Sudeste passaram a conviver com este problema. Em São Paulo, cidade mais populosa do país, o sistema de abastecimento de água entrou em colapso entre 2014 e 2015.
Segundo relatório de conjuntura dos recursos hídricos da Agência Nacional de Águas, 48 milhões de brasileiros (de uma população de 207,7 milhões) foram afetados por secas duradouras ou estiagens passageiras entre 2013 e 2016. Neste período, foram registrados 4.824 eventos de seca com danos à população. O relatório é produzido a cada quatro anos, por isso os dados compreendem o período de 2013 a 2016.
Dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na última sexta-feira mostram que de 2013 para 2015 houve redução dos recursos hídricos renováveis no país. Esse total era de 7,4 trilhões de metros cúbicos em 2013, subiu para de 7,6 trilhões de metros cúbicos em 2014 e recuou para 6,2 trilhões em 2015.
Por Simone Iglesias e Rachel Gamarski, da Bloomberg