Após o isolamento do grafeno, em 2004, iniciou-se uma corrida para se conseguir sintetizar novos materiais bidimensionais – como são chamados materiais com espessura de um átomo até alguns poucos nanômetros (da bilionésima parte do metro). Tais materiais possuem propriedades únicas ligadas à sua dimensionalidade e podem ser protagonistas do desenvolvimento da nanotecnologia e da nanoengenharia.
Um grupo internacional, com a participação de pesquisadores vinculados à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conseguiu dar origem a um novo material com essas características.
Os cientistas conseguiram extrair de um minério de ferro comum, como os explorados por muitas mineradoras no Brasil, um material chamado hemateno, que tem três átomos de espessura e propriedades fotocatalíticas incomuns.
O novo material foi descrito em um artigo publicado na revista Nature Nanotechnology. A pesquisa foi feita no Centro de Engenharia e Ciências Computacionais (CECC) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP – e em um estágio de pesquisa no exterior, realizado também com Bolsa da FAPESP.
“O material que sintetizamos pode atuar como fotocatalisador – para dividir a água em hidrogênio e oxigênio – e permitir a geração de energia elétrica a partir de hidrogênio, por exemplo, além de ter diversas outras aplicações”, disse Douglas Soares Galvão, pesquisador do CECC e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.
O novo material foi extraído da hematita – mineral que é a principal fonte de ferro e o mais comum, barato e importante dos metais, usado em vários produtos, principalmente ao ser transformado em aço.
Ao contrário do carbono e de sua forma bidimensional (grafeno), a hematita é um material não van der Waals, como se chamam aqueles mantidos unidos por redes de ligações tridimensionais, em vez de interações atômicas não covalentes – em que não há compartilhamento de um ou mais pares de elétrons entre os átomos participantes na ligação – e, comparativamente, mais fracas do que as dos materiais van der Waals.
Por ser um mineral que ocorre naturalmente, ser um material não van der Waals e ter cristais grandes e altamente orientados, os pesquisadores levantaram a hipótese de que a hematita poderia atuar como um excelente precursor para obtenção de um novo material bidimensional não van der Waals.
“A maioria dos materiais bidimensionais sintetizados até hoje foi derivada de amostras de sólidos de van der Waals. Materiais bidimensionais não van der Waals, com camadas atômicas altamente ordenadas e grãos grandes, ainda são raros”, disse Galvão.
A fim de obter a partir da hematita um material com tais características – o hemateno –, os pesquisadores utilizaram a técnica de esfoliação líquida em um solvente orgânico, a N-dimetilformamida (DMF). Por meio de microscopia eletrônica de transmissão, eles conseguiram confirmar a esfoliação e a formação do hemateno em folhas soltas de três átomos de ferro e de oxigênio (monocamada) e em folhas soltas empilhadas aleatoriamente (bicamada).
Com ensaios e cálculos matemáticos foram estudadas as propriedades magnéticas do hemateno. Por meio desses cálculos e testes, os pesquisadores descobriram que as propriedades magnéticas do hemateno diferem daquelas da hematita.
Enquanto a hematita é tipicamente antiferromagnética – seus dipolos magnéticos estão dispostos antiparalelamente –, os testes mostraram que o hemateno é ferromagnético, como um ímã comum.
“Nos ferromagnetos, os momentos magnéticos dos átomos apontam na mesma direção. Nos antiferromagnetos, os momentos nos átomos adjacentes se alternam”, explicou Galvão.
Fotocatalisador eficiente
Os pesquisadores também avaliaram as propriedades fotocatalíticas – de aumentar a velocidade de uma fotorreação pela ação de um catalisador – do hemateno. Os resultados das análises também demonstraram que a fotocatálise do hemateno é mais eficiente do que a da hematita, que já era conhecida por ter propriedades fotocatalíticas, mas não suficientemente boas para serem úteis.
Para um material ser um eficiente fotocatalisador, ele deve absorver a parte visível da luz solar, por exemplo, gerar cargas elétricas e transportá-las à superfície do material de modo a realizar a reação desejada.
A hematita, por exemplo, absorve a luz do sol da região ultravioleta à amarelo-alaranjada, mas as cargas produzidas são de vida muito curta. Como resultado, elas se extinguem antes de chegar à superfície.
Já a fotocatálise do hemateno é mais eficiente, uma vez que os fótons geram cargas negativas e positivas dentro de poucos átomos da superfície, compararam os pesquisadores. E, ao emparelhar o novo material com matrizes de nanotubos de dióxido de titânio – que fornecem um caminho fácil para os elétrons deixarem o hemateno –, eles descobriram que poderiam permitir que mais luz visível fosse absorvida.
“O hemateno pode ser um eficiente fotocatalisador, especialmente para dividir a água em hidrogênio e oxigênio, mas também pode servir como um material magnético ultrafino para dispositivos baseados em spintrônica [ou magnetoeletrônica]”, disse Galvão.
O grupo tem investigado outros materiais não van der Waals por seu potencial para dar origem a outros materiais bidimensionais com propriedades exóticas. “Há uma série de outros óxidos de ferro e seus derivados que são candidatos a dar origem a novos materiais bidimensionais”, disse Galvão.
O artigo Exfoliation of a non-van der Waals material from iron ore hematite (doi: 10.1038/s41565-018-0134-y), de Pulickel M. Ajayan e outros, pode ser lido na revista Nature Nanotechnology em www.nature.com/articles/s41565-018-0134-y.
Por Elton Alisson, da Agência Fapesp