Pessoas expostas ao estresse crônico costumam apresentar níveis sanguíneos elevados do hormônio cortisol, cujo papel é preparar o corpo para lidar com situações desafiadoras – aumentando a frequência cardíaca e os níveis de açúcar no sangue, por exemplo. Esse estado de alerta constante pode contribuir, ao longo do tempo, para o desenvolvimento de doenças metabólicas e psiquiátricas.
Entender a participação do cortisol e de um de seus principais metabólitos – o 11-DHC – no desenvolvimento de depressão é o objetivo de uma linha de pesquisa coordenada pela professora Lúcia Helena Faccioli, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP).
Para isso, o grupo desenvolveu um novo método baseado em espectrometria de massas para dosar com precisão no plasma sanguíneo de animais e de humanos o nível de seis diferentes hormônios esteroides: cortisol, cortisona, corticosterona, progesterona, aldosterona e 11-DHC.
“Todas essas substâncias são mediadores lipídicos envolvidos em diversas patologias, entre elas a depressão. Mas para entender como isso tudo é regulado precisávamos de uma metodologia mais simples e precisa para medir os níveis desses hormônios tanto no sangue como nos tecidos afetados”, disse Faccioli à Agência FAPESP.
Segundo a pesquisadora, atualmente, a forma mais comum de dosar os hormônios esteroides no plasma sanguíneo são os kits com reagentes capazes de reconhecer a substância de interesse. No entanto, para cada um dos hormônios é necessário um kit diferente, com o reagente específico.
“Não são raros os casos de reação cruzada com esse tipo de teste. Além disso, para o metabólito 11-DHC, que é um dos focos da nossa pesquisa, não havia nenhum método disponível para fazer a medição”, disse Faccioli.
Durante o pós-doutorado de Ana Paula Ferranti Peti, o grupo da USP desenvolveu, com apoio da FAPESP, uma técnica de monitoramento de reações múltiplas em alta resolução (MRM, na sigla em inglês) usando o espectrômetro de massas – equipamento capaz de separar e identificar substâncias com base no peso molecular.
“Nesta técnica, avaliamos como os compostos se comportam quimicamente e criamos uma forma de detecção na qual eles são reconhecidos pela sua massa e pela massa de uma porção da sua molécula [característica para cada um deles] após sofrer um processo de fragmentação. Assim, quando o equipamento reconhece a molécula íntegra e o seu fragmento, um sinal é registrado”, disse Peti.
Os resultados da pesquisa foram publicados no Journal of Mass Spectrometry, com destaque na capa da revista.
Marcador de estresse
Para validar a nova metodologia, o grupo realizou experimentos com uma linhagem de camundongos altamente suscetível ao estresse. Os animais foram submetidos a um protocolo muito usado em laboratório para criar uma condição de estresse crônico.
“A cada dia, ao longo de duas semanas, os roedores eram submetidos a uma situação adversa que variava, de forma imprevisível. Um dia ficavam sem comida, no outro ficavam sem água. Depois o ciclo de claro e escuro era invertido e, no dia seguinte, eram forçados a nadar durante alguns minutos”, disse Faccioli.
Como esperado, o teste de MRM revelou que o nível de corticosterona no plasma dos roedores submetidos ao protocolo estava 4,5 vezes maior que o do grupo controle, que não foi estressado, após 14 dias. Como explicou Faccioli, a corticosterona para os camundongos equivale ao cortisol para os humanos, ou seja, é um marcador de estresse.
Os níveis de 11-DHC, por outro lado, não foram alterados em resposta às situações adversas imprevisíveis.
“A vantagem do novo método é que além dos mediadores lipídicos de interesse para nossa pesquisa ele também quantifica outros hormônios esteroides presentes na mesma mostra. Essa ferramenta poderá ser usada por outros grupos interessados em estudar a influência desses mediadores em diversos tipos de doença e processos infecciosos”, disse Faccioli.
Por Karina Toledo | Agência FAPESP