Relatório da Agência de Meio Ambiente das Nações Unidas registrou os maiores rompimentos de barragens ocorridos desde 1985. Só nos últimos 5 anos, ocorreram oito grandes acidentes pelo mundo.

O Brasil, lamentavelmente, tem destaque nessa lista por ser o país com o maior número. Foram três acidentes com perda humana ou grave dano ambiental de 2014 para cá: rompimento de uma barragem da Herculano Mineração, em Itabirito (MG), em 2014, com três mortes; o vazamento na barragem do Fundão, em Mariana (MG), em 2015, com 19 mortes; e, agora, a tragédia com grande perda de vidas, em Brumadinho.

Segundo o relatório da ONU, publicado no ano passado, o evento mais trágico envolvendo barragens de minério nos últimos 34 anos foi em 1985, no norte da Itália. Na hora do almoço, 180 mil metros cúbicos de lama da barragem administrada pela Prealpi Mineraria varreram as cidades de Stava e Tesero, matando 267 pessoas, entre as quais famílias inteiras.

Em Stava, um memorial com uma estátua de bronze foi erguido em homenagem às vítimas. A escultura retrata a cena dramática vista pelas equipes de resgates: dezenas de homens, mulheres e crianças foram encontrados mortos, envoltos em lama, com as mãos erguidas na frente do rosto, numa última tentativa de se proteger.

“Eles não tiveram chance de escapar quando o tsunami de lama desceu o vale, na hora do almoço, num dia ensolarado de julho”, descreve o relatório das Nações Unidas.

Agora, o rompimento da barragem em Brumadinho caminha para superar a tragédia da Itália em perdas humanas. Foram encontrados, até o momento, 65 corpos e pelo menos 279 pessoas continuam desaparecidas.

“A tragédia em Brumadinho estará, certamente, no topo dos maiores desastres com rompimento de barragem de minério do mundo. Infelizmente, é possível que ultrapasse Stava, que foi a maior tragédia do tipo nos últimos 34 anos”, afirmou à BBC News Brasil o geólogo Alex Cardoso Bastos, um dos autores do relatório da ONU sobre barragem de minério.

‘Top 1 e 2’ do mundo em desastre

Se o rompimento em Brumadinho pode se tornar o pior das últimas décadas em número de mortos, o da barragem da Samarco – uma joint-venture entre a Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton – na região de Mariana (MG), em 2015, é o mais grave desastre ambiental da história provocado por vazamento de minério.

O mar de lama causou destruição à vida marinha no Rio Doce, afetando drasticamente a vida da população local.

“O aniquilamento dos ecossistemas de água potável, vida marinha e mata ciliar eliminou recursos naturais insubstituíveis para a vida ribeirinha, para pesca, a agricultura e o turismo”, diz trecho do relatório da ONU, intitulado Mine Tailing Storage: Safety is no Accident.

Segundo Alex Bastos, que também é professor de Geologia da Universidade Federal do Espírito Santo, as Nações Unidas utilizam um sistema de classificação de gravidade de desastres que leva em conta volume de rejeitos espalhados, tamanho da área afetada e número de mortos.

É considerado um “desastre de alta gravidade” um rompimento de barragem que provoque vazamento de mais de 1 milhão de metros cúbicos, afetando uma área de pelo menos 20 km, e causando cerca de 20 mortes.

A barragem de Fundão, em Mariana, gerou um vazamento de mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que percorreram mais de 600 km. E 19 pessoas morreram.

Já o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, espalhou 12 milhões de metros cúbicos por mais de 46 km. O número confirmado de mortos já chega a 65 e o de desaparecidos, a 279.

“O de Mariana não é o pior em termos de fatalidade, mas em volume e distância percorrida, é o maior desastre ambiental por rompimento de barragem. E o de Brumadinho deve ser o maior desastre em termos de tragédia humana das últimas décadas”, afirma Alex Bastos, que integra o comitê da ONU sobre barragens de minério.

“Ou seja, esses dois casos estão no top 1 e 2 do mundo em termos de gravidade. Infelizmente, os dois maiores rompimentos de barragem do mundo serão no Brasil. Aliás, no Estado de Minas Gerais, a menos de 150 km um do outro”, lamenta.

O barato que sai caro

Atualmente, o Brasil tem 430 barragens de minério, segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA). Tanto a barragem de Brumadinho quanto a de Mariana são to tipo “à montante”, feitas com os próprios rejeitos.

Neste caso, os detritos minerais, rochas e terras escavadas durante a mineração – e descartados por não terem valor comercial – são depositados em camadas num vale, formando a barragem.

Esse tipo de “lixão de minério” é mais barato para as empresas. Mas é, também, o que oferece mais riscos.

barragem de brumadinho

“Quando a gente imagina uma barragem, tende a pensar num muro de concreto. Mas essas não são feitas com concreto, são feitas com a compactação do próprio rejeito. Isso faz com que a manutenção e monitoramento sejam muito mais importantes, porque essas barragens podem sofrer erosão por fora”, diz Alex Bastos.

“Os rejeitos precisam ficar secos e consolidados, por isso é importante haver um sistema eficiente de drenagem. Em Mariana, a base da barragem começou a solapar, perder estabilidade, e rompeu.”

Uma alternativa mais segura a esse tipo de barragem é a armazenagem a seco de rejeitos minerais. Mas a técnica é mais custosa.

“O benefício é que os rejeitos não ficam confinados em barragens que podem romper. Mas o custo para secar os rejeitos e armazená-los em silos é muito mais alto”, diz Bastos.

Os erros mais comuns

O relatório das Nações Unidas elenca as principais causas de rompimentos de barragens. O documento afirma que chuvas fortes e prolongadas, furacões e abalos sísmicos podem provocar rupturas ou transbordamentos.

Mas, mesmo nesses casos, a ONU considera que houve erro humano, já que o planejamento de risco para manutenção e construção da barragem deve levar em conta as condições climáticas do local.

No caso da barragem de Mariana, as investigações concluíram que houve falhas na construção da barragem, na manutenção e no monitoramento.

“A conclusão do estudo é que existem dois motivos causadores de rompimentos: erro na análise de risco e negligência na manutenção da barragem”, resume Alex Bastos.

resgate de corpo

 

“Ou seja, se teve uma chuva torrencial que causou transbordamento da barragem, houve aí um erro na análise de risco. Se a região está sujeita a uma chuva assim, a estrutura da barragem deveria ser outra. A análise de risco tem que ser precisa”, afirma.

Um problema recorrente mencionado no relatório da ONU é o fato de barragens originalmente construídas para armazenar determinado volume serem modificadas ao longo do tempo para guardar quantidades adicionais de rejeitos.

Nesses casos, nem sempre é feita uma reestruturação adequada para garantir que a estrutura seja capaz de suportar o material descartado das minas.

“Muitas dessas barragens foram crescendo, aumentando de tamanho, e isso não seguiu o planejamento inicial da barragem. É como se você fosse fazendo puxadinhos em vez de consertar e refazer o projeto”, critica Bastos.

A barragem que rompeu em Brumadinho foi construída em 1976 e tinha volume de 12 milhões de metros cúbicos. Ela estava desativada desde 2015, ou seja, não recebia rejeitos desde então.

Em 2018, a Vale recebeu licenciamento para reutilizar parte do rejeito e depois ser “descomissionada”- passar por uma extensa obra para deixar de ser barragem, se tornando, por exemplo, um morro.

Por que Brasil é campeão em acidentes graves

O Brasil é o país que teve, nos últimos dez anos, o maior número de casos graves de rompimento de barragens de mineração, conforme o relatório da ONU. Outras nações que também tiveram casos recentes de vazamento de minério são China, Estados Unidos, Israel, Canadá e México.

Por um lado, é importante considerar que o Brasil é o segundo maior exportador de minério, atrás apenas da Austrália. Tem mais minas, portanto, estatisticamente a possibilidade de acidentes é maior.

Por outro lado, segundo a ONU, muitos desses acidentes poderiam ser evitados se as empresas investissem em sistemas mais seguros de armazenamento de rejeitos ou em manutenção eficaz.

O relatório das Nações Unidas aponta que já existem protocolos de segurança e tecnologias alternativas suficientes para evitar acidentes com rejeitos minerais.

Resgate em Brumadinho

O problema, ressalta a ONU, é que as empresas, ao investirem em barragens “à montante”, avaliam segurança em conjunto com custo. E, não raro, optam por procedimentos mais baratos, porém menos seguros.

“É preciso que as empresas coloquem segurança em primeiro lugar, priorizando a proteção ambiental e humana. As agências reguladoras, as indústrias e as comunidades devem adotar um objetivo de falha-zero no armazenamento de rejeitos”, diz o relatório das Nações Unidas.

Para isso, a recomendação é que “questões de segurança sejam avaliadas separadamente de considerações econômicas”. “Custo não pode ser um fator determinante.”

Na noite de sábado, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, disse que o governo pretende realizar vistorias em todas as barragens do país que “ofereçam maior risco”.

“É importante e urgente que aquelas barragens, no Brasil inteiro, que ofereçam maior risco sejam submetidas a uma nova vistoria, para que nós possamos nos antecipar, na medida do possível, a novos desastres”, declarou.

Segundo Relatório de Segurança da Agência Nacional de Águas, 45 barragens apresentam alto risco atualmente no país. A barragem da Vale em Brumadinho era classificada como de “baixo risco” e “alto potencial de danos”.

Só a segunda avaliação se confirmou.

Outros casos graves pelo mundo

O relatório das Nações Unidas afirma que, nas últimas três décadas, o número de falhas em barragens diminuiu, mas os casos de rompimento foram mais graves.

Entre os piores desastres ambientais, depois de Mariana, está o rompimento da barragem da mina de ouro Mount Polly, em British Columbia, no Canadá, em 2014.

A barragem se rompeu liberando 25 milhões de metros cúbicos de rejeitos. O acidente ocorreu numa área pouco populosa, portanto, não houve mortes. Mas a destruição da fauna e flora locais foi grave.

Indígenas

O acidente no Canadá pode ser considerado um caso típico da prática do “puxadinho” mencionado por Alex Bastos. Segundo o relatório das Nações Unidas, a barragem aumentou nove andares de tamanho após entrar em operação, alcançando 40 metros de altura, além do que previa o projeto original. Pouco antes de romper, a mina ainda tentava conseguir aprovação para aumentar mais um andar.

O mar de lama invadiu uma área de preservação ambiental e o lago Quesnel, um dos mais profundos lagos glaciais do mundo, e importante fonte de subsistência para a população indígena da região, que costumava pescar lá.

O lago possuía uma grande quantidade de salmões, trutas e outras espécies de peixe. As investigações revelaram falhas no projeto da barragem, que não levou em consideração características geológicas da região.

Também foram encontrados erros nas avaliações de risco e nos relatórios de inspeção, que não levaram em conta as possibilidades de erosão e transbordamento. O Ministério de Minas e Energia também foi responsabilizado por falhar na fiscalização.

Filipinas

Outro desastre ambiental com consequências sérias para a população ribeirinha foi o colapso de uma barragem da Marcopper Mining Corporation, no Monte Tapian, nas Filipinas.

Rejeitos da mina de ouro foram acumulados num poço de concreto. Após quatro anos da prática, em 1996, um dos túneis do poço cedeu, liberando até 4 milhões de toneladas de metal no rio Boac e matando o seu ecossistema.

“Esse foi um dos mais catastróficos desastres com mina da história”, diz o relatório da ONU. Mais uma vez erros no manuseio da barragem, na manutenção e no projeto de avaliação de risco foram citados como causa do desastre.

‘Pior desastre ambiental na Europa desde Chernobyl’

Na Europa, o pior desastre causado por rompimento de mina foi na Romênia, no ano 2000. Metais pesados da mina de ouro Baia Mare, no condado de Maramures, invadiram o rio Tisza, um dos maiores afluentes do rio Danúbio.

“De 50 a 100 toneladas de cianeto e cobre foram liberados, fazendo desse acidente o pior desastre ambiental desde Chernobyl”, diz o relatório das Nações Unidas, em referência ao acidente nuclear ocorrido em 1986, na Ucrânia.

De acordo com a ONU, os rejeitos passaram da Romênia para Hungria, Sérvia e Bulgária até chegar ao Mar Negro, matando mais de 1.240 toneladas de peixes.

“A falha foi causada por uma combinação de erros no projeto de construção, falhas na avaliação das condições de operação e fortes chuvas e nevascas que resultaram no transbordamento”, diz o documento das Nações Unidas.