O Brasil voltou a integrar a lista de países que possuem má distribuição alimentar no chamado ‘mapa da fome’, é o que aponta a pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Os dados mostram que cerca de 19 milhões de brasileiros passaram fome até o fim de 2020. E 116 milhões de pessoas enfrentaram insegurança alimentar e não tiveram acesso a quantidade adequada de alimentos para sobrevivência.
E a pesquisa intitulada “IV Relatório Luz da Sociedade Civil da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável Brasil”, apresenta um cenário de alerta da ONU (Organização das Nações Unidas), sobre a volta do país para o mapa da fome.
A fome no Brasil é destaque tanto pela imprensa brasileira e até mesmo estrangeira, sendo tema de reportagem do The New York Times “Ravaged by Covid, Brazil Faces a Hunger Epidemic”, (Tradução literal: Devastado pela Covid, Brasil enfrenta uma epidemia de fome).
O texto do conceituado jornal americano retrata o cenário crítico dos brasileiros que perderam emprego durante o isolamento social e as políticas públicas do governo que ocasionaram o alto índice de fome e cita a pesquisa da Rede Penssan como dado indicativo dos números. A conjuntura em volta da fome envolve diversos fatores que poderiam ser solucionados a fim de erradicar o problema. Especialistas que estudam agroecologia defendem uma reforma do sistema convencional que é voltado ao agronegócio. Como é o caso do agroecólogo Tiago Lagassi.
Lagassi explica que essa problemática possui várias vertentes e que vai muito além dos governos atuais e anteriores, mesmo nos períodos de estabilidade nutricional na mesa do brasileiro.
“Até quando tínhamos governos de esquerda, o agronegócio sempre foi muito valorizado e continuou em expansão, por mais que a agroecologia também ganhou mais força e mais visão nessa época, tivemos alguns equívocos em pensar “a fome”. Desde antes do governo anterior ao pensar em produzir mais, que era a maneira que acabaria com a fome e nunca trabalhar corretamente a distribuição”, exemplifica.
Segundo ele, a fome no Brasil se dá principalmente pela má distribuição do alimento, o investimento não direcionado para quem produz de forma diversificada, policultivos e que não seja baseada apenas na monocultura, ou seja, as pessoas que só plantam soja para alimentação animal e essa mesma soja vai pra exportação e alimentar animais em outros países.
Neste modo o agronegócio brasileiro é posto como um causador predominante e até mesmo como empecilho em se investir no que ele defende: agricultura familiar.
“Quanto a investimentos na agricultura familiar é de suma importância para combater a fome e garantir segurança alimentar e nutricional dos brasileiros, uma vez que é responsável por 70% dos alimentos consumidos no país” explica.
O Brasil já esteve em um período de estabilidade alimentar entre 2004 e 2013, resultantes do programa Fome Zero, do governo federal, que visava o combate à pobreza e à miséria. Mas, com a pandemia, o desemprego, alta inflação que assola o país, tudo se agravou e fez com que muitos brasileiros voltassem a pobreza e por consequência não ter um prato com nutrientes essenciais como antes.
Um dos maiores riscos à saúde é a desnutrição causada pela fome. A mestre em nutrição Adriana Stavro, aponta que a não alimentação afeta todos os sistemas do corpo e resulta em maior vulnerabilidade a doenças, aumento de complicações e, em casos muito extremos, até a morte.
E a profissional da área alimentar também defende o benefício da agricultura familiar como possível solução do quebra-cabeça.
“Quanto a investimentos na agricultura familiar é de suma importância para combater a fome e garantir segurança alimentar e nutricional dos brasileiros, uma vez que é responsável por 70% dos alimentos consumidos no país,” discorre.
A nutricionista enfatiza a importância de se ter um plano alimentar que envolva verduras, legumes e frutas para manter um corpo saudável. Mas, que há outro elemento contestável presente nesses alimentos que é os chamado ‘agrotóxicos’ que falaremos logo mais a seguir.
“A nutrição é um dos principais determinantes do envelhecimento bem-sucedido, definida como a capacidade de manter três elementos-chave: baixo risco de doenças, alta função física e mental e envolvimento ativo com a vida,” diz a especialista em nutrição clínica, Adriana Stavro.
E os agrotóxicos?
Outro fator que Lagassi pontua em relação ao alto investimento do agronegócio, é a quantidade exacerbada do uso de venenos químicos nas plantações. Segundo dados do Ibama de 2017, a agricultura brasileira usou 539,9 mil toneladas de pesticidas. Configurando o país que mais o consome em número absoluto, mas que ao diferenciar outras variáveis como tamanho territorial fica atrás no ranking para países como Japão e Estados Unidos da América.
O especialista comenta a situação complexa do Brasil com a elevada quantidade do uso de agrotóxicos.
“O problema hoje em dia do grande uso de agrotóxicos é a falta de informação e tem a ver com o modelo tecnológico, tudo é planejado para se usar com o veneno, ou seja, o recém graduado em agronomia já é treinado para conhecer todos os tipos de veneno. O sujeito que leva a tecnologia até o agricultor está altamente treinado para conhecer o pacote tecnológico. E eles querem resultado, e vão usar o veneno até terem o tal resultado,” elucida.
Já bastasse as pessoas não terem o que comer com a desnutrição, ainda correm o risco de contrair doenças irreversíveis aqueles que podem comer, visto que, o que consumimos nos supermercados provém do sistema agropecuário.
“O principal ponto que os agrotóxicos nos afetam é o sistema nervoso e a nossa flora intestinal, microrganismo que temos no intestino e que precisam deles para digerir os alimentos e absorver os nutrientes. Estamos ingerindo agrotóxico que nos está matando indiretamente,” descreve.
Desta forma a partir dos apontamentos dos especialistas, é evidenciado os benefícios que o investimento em agricultura familiar potencializaria para resolver o problema da fome no país que produz toneladas de alimentos como o Brasil. Já que, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos no mundo. Estados Unidos da América e China são os outros dois.
“Na agricultura familiar é mais fácil fazer essa transição para se livrar dos adubos químicos, dos agrotóxicos e também ter essa produção diversificada. A agricultura familiar potencializa regionalmente essa produção e atende os mercados locais,” justifica.