Reportagem Gazeta do Cerrado
Entrevistas: Lucas Eurilio

O mundo todo acompanha as vozes e gritos contra o racismo neste momento. Manifestantes voltaram às ruas nas principais cidades dos Estados Unidos neste domingo (31), em mais um dia de protestos contra o racismo após a morte do ex-segurança George Floyd. Após uma noite de confrontos, alguns dos centros urbanos norte-americanos decretaram ou prolongaram toque de recolher.
Ao menos cinco pessoas morreram desde o início dos protestos, na semana passada, segundo o jornal “The New York Times”. Outras centenas de pessoas foram detidas nas várias cidades onde houve protestos.

A onda de protestos antirracismo se espalhou pelo mundo — foram registrados atos na Europa, no Canadá e, inclusive, no Brasil. No Rio de Janeiro, manifestantes organizaram a passeata “Vidas Negras Importam” em frente à sede do governo. Houve tumulto.

Nas redes sociais, celebridades também se manifestaram contra o racismo: famosos como Beyoncé, Oprah Winfrey, Rihanna, Taylor Swift e Lady Gaga pediam justiça pela morte de George Floyd.

Repercussão no Tocantins

A Gazeta do Cerrado ouviu vários ativistas e profissionais de várias áreas que atuam contra o racismo no Tocantins.

Na área do Jornalismo, Maju Cotrim, ativista da área há 15 anos analisou que o momento de tensão abre os olhos para uma prática cotidiana também no Brasil.

Jornalista Maju Cotrim

Infelizmente os negros ainda estão na base da mortalidade por violência como mostram os dados. Ficar em silencio é a pior postura neste momento. Cabe também ao estado brasileiro e instituições repensarem e pararem de fingir que vidas negras não tem sido exterminadas”, afirmou.

O advogado e membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB Tocantins, Cristian Ribas Analisou: “O assassinato de George Floyd é a face mais perversa do racismo institucional, que também pode ser visto na falta de um sistema de saúde, nos despejados por falta de auxílio para garantir os aluguéis, no desemprego e no encarceramento sistêmico de negros. Uma parte importante da população negro nos EUA acredita que não ter mais nada a perder porque suas vidas serão tragadas pela miséria, pelo racismo da polícia ou pela própria Covid 19. Todo o caos visto nos EUA, se da por que esse indignação não pode mais ser suporta e estourou gerando uma reação em cadeia”, disse.

Advogado e membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB Tocantins, Cristian Ribas

Cristian afirma ainda que o número de assassinatos contra jovens tem crescido exponencialmente no Tocantins, sobretudo durante essa pandemia. “assim como observamos um fenômeno de interiorização, do que a ONU denomina como execuções extrajudiciais”, disse.

A professora da UFT, Solange Nascimento afirmou que movimentos como o Partido dos Panteras Negras ajudaram a fortalecer a resistência dos afro-estadunidenses.

Professora da UFT, Solange Nascimento

Quando a gente pensa na América, não só nos EUA, mas na América como um todo, nós temos desde o período do início do processo de escravização dos povos negros, uma série de movimento de insurgência, de evoluções e de resistência ao processo de escravização e desumanização da população negra. Quando nós falamos nos EUA em específico, os EUA teve uma resistência muito mais marcante, digamos assim, ao Apartheid racial em função dos direitos dos movimentos civis da organização do Partido dos Panteras Negras e de uma política, que era uma política segregacionista e que de certa forma fortaleceu a resistência dos afro-estadunidense“.

Solange disse ainda que “nos EUA existe uma organização civil da população negra no sentido de garantir os direitos civis, direitos políticos e representações sociais políticas e espaço de representação que nós no Brasil ainda estamos engatinhando nesse sentido. Quando na década de 30 os EUA já tinha uma representação e uma porcentagem maiores de negros em diferentes espaços sociais, nós engatinhamos ainda inclusive com exemplo da Lei de Cotas que só passa a vigorar no Brasil em 2012, cotas raciais, sociais e também econômicas para as universidades públicas, que mostra um espaço de tempo bastante significativo de exclusão do direito da população negra à moradia, direito a uma educação de qualidade, direito a empregabilidade e ainda direito à vida“.

A professora disse ainda que os casos de feminicídios no TO caiu, mas em contrapartida, as vítimas de feminicídio no Estado são 70% negras.

Se nós formos pensar no Estado do Tocantins, nós temos um Estado em que 71% da população é negra, mas em contrapartida a gente precisa pensar – onde estão nos negros no Estado do Tocantins? – Em que locais de representatividade estão esses negros e essas negras. É uma população majoritariamente negra, nós temos mais de 45 comunidades quilombolas reconhecidas no Estado,mas infelizmente, essa população não tem espaço de representatividade. É um espaço extremamente violento contra a população negra. É um Estado (Tocantins) que reproduz um processo de exclusão histórico do país e nesse contexto, as mulheres negras,são àquelas que são mais vitimizadas. A gente pode ver por exemplo, o Mapa da Violência do Brasil de 2016 e que mostra que o Estado do Tocantins enquanto o feminicídio das mulheres negras caiu 9%, ele aumentou 70% tendo como vítimas as mulheres negras. Então isso nos dá um panorama e um termômetro de como estamos no sentido de garantia aos direitos efeitos da população negra“, disse à Gazeta.

Solange explicou ainda que ” Quando a gente pensa em Brasil, a gente precisa entender que nós vivemos ainda hoje um Apartheid racial. É muito comum as pessoas remeterem aos Estados Unidos quando se fala em segregação racial na América Latina, mas isso não é uma especificidade dos EUA. E o Brasil é um dos países mais racistas do mundo, basta ver o enorme abismo social que nós temos ainda hoje entre brancos e negros e um dos mecanismos utilizados contra a população negra no Brasil foi a política de branqueamento, que foi uma política de Estado que foi tendo como princípio o extermínio da população negra no país, trazia para cá, como trabalhadores, depois do processo de industrialização, imigrantes europeus e japoneses, para substituir a mão de obra negra. Ou seja, o negro ele foi renegado ao completo anonimato e o desamparo total do Estado e a política de branqueamento que se colocou no país, naquele período contribuiu e ainda contribui muito para o enfraquecimento para o nosso debate sobre os direitos da população negra“.

Por fim a professora disse ainda que as pessoas acreditam no mito da igualdade racial.

As pessoas acreditam muito ainda no mito da igualdade racial, a ideia de que somos todos iguais, de que não há distinção no Brasil que acaba muitas vezes sabotando a própria resistência contra o racismo. Quando dizemos que todos são iguais, a gente acaba negando toda a truculência policial, toda a dificuldade de emprego, a gente acaba negando o genocídio negro e acada desqualificando uma luta de séculos no Brasil, contra as estruturas racistas que nós vivemos até hoje.

Para o sociólogo e coordenador do MNU no Tocantins, Stanio Vieira: “A recente situação de conflito racial nos Estados Unidos e a reação em massa da comunidade negra e com apoio de pessoas sensíveis a um mundo melhor é resultado, sobretudo da histórica exclusão social baseada em uma sociedade de reproduções capitalistas que é vedada a possibilidade de desfrutar de bens e oportunidades, o que faz com que tenham condições de vida adversas, ou seja, algumas importam mais que outras. Esse contexto de exclusão sócio racial é geral. No Brasil temos o caso do adolescente João Vitor, 14 anos de idade, que foi morto por policiais militares do Estado do Rio de Janeiro de forma vil”, disse.

Sociólogo e coordenador do MNU no Tocantins, Stanio Vieira

Ele avaliou ainda: “No Tocantins, embora a maioria da população seja negra a invisibilidade social é marcante, em razão sobretudo do racismo velado e pusilânime”, disse.

Morte de George Floyd

George Floyd morreu no dia 25 de maio, depois de ser asfixiado por 8 minutos e 46 segundos pelo policial branco Derek Chauvin em Minneapolis, no estado de Minnesota. Na sexta-feira (29), Chauvin foi detido e acusado de homicídio. Documentos obtidos pela rede americana CNN mostram que a fiança do policial foi estabelecida em US$ 500 mil (cerca de R$ 2,7 milhões).

Segundo a acusação contra Chauvin, ele manteve seu joelho sobre o pescoço de Floyd durante os 8 minutos e 46 segundos, sendo que nos últimos 2 minutos e 53 segundos o homem, negro, já estava inconsciente. A autópsia informou, entretanto, que não houve “nenhum achado físico que apoie o diagnóstico de asfixia traumática ou estrangulamento”.
No entanto, o efeito conjunto de George Floyd ter sido asfixiado mais suas condições de saúde pré-existentes e a possibilidade de haver substâncias intoxicantes em seu corpo “provavelmente contribuíram para sua morte”, de acordo com a acusação.

 

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