“Eu estava estudando sobre a cristalização de polímeros e tive que deixar um material na estufa do laboratório. Aí eu comecei a conversar com meus colegas e, quando me dei conta, vi que estufa estava pegando fogo”. Esse acidente que Myllena da Silva, de 19 anos, descreveu durante a Intel ISEF 2018 – a maior feira de ciências do mundo – aconteceu em um dos laboratórios de química do Instituto Federal do Ceará, mas seus desdobramentos poderão ajudar a combater a poluição no mundo inteiro.
Será possível evitar que navios petroleiros contaminem o mar com resquícios de óleo que ficam em seu lastro
Com o trabalho que Myllena desenvolveu a partir do que descobriu com esse acidente, será possível evitar que navios petroleiros contaminem o mar com resquícios de óleo que ficam em seu lastro. E com a ajuda de uma bactéria, a estudante também consegue criar um ciclo fechado para reciclagem de isopor, transformando o produto em sua própria matéria prima depois de alguns passos.
Mas vamos começar pelo início. Ao fazer um exercício prático com polímeros, Myllena acabou criando “cristais de isopor”. “Eu levei o material em chamas rapidamente para a pia e, quando joguei água, eu causei um choque térmico, e isso gerou uma superfície lisa no recipiente do material, que eu agora chamo de cristal liso”, contou a estudante. Por tocar fogo na estufa do laboratório, Myllena ficou proibida de usar as instalações por 30 dias. “Nesse intervalo, eu fiquei aprendendo mais sobre os polímeros e alguns problemas relacionados a eles”, disse.
Quando voltou, ela percebeu que esses cristais lisos repeliam líquidos e imaginou que poderia usar esse elemento para evitar o vazamento de óleo em navios petroleiros. Segundo os testes dela, o material realmente funciona para este fim.
Com um outro procedimento, Myllena também conseguiu transformar isopor em um material cristalino, mas dessa vez poroso. Colocando nisso uma bactéria conhecida por degradar isopor e plásticos, ela percebeu que o processo de decomposição bacteriano se dava muito mais rápido a partir dos cristais. Naturalmente, essas criaturas levariam mais de 150 anos para devorar o isopor tradicional, mas para comer os cristais porosos, elas levaram apenas sete meses.
Por curiosidade, eu fui verificar o que as bactérias excretavam, e descobri que era o óleo de etileno, que é a matéria prima do isopor. Então eu descobri um ciclo fechado
O mais curioso de tudo isso foi a análise do subproduto gerado pela degradação dos cristais pelas bactérias, a excreção delas após comerem o isopor cristalizado. “Por curiosidade, eu fui verificar o que as bactérias excretavam, e descobri que era o óleo de etileno, que é a matéria prima do isopor. Então eu descobri um ciclo fechado”, explicou a jovem.
Esse ciclo fechado acontece basicamente pelo fato de ela utilizar o produto industrializado, o isopor, para produzir a sua própria matéria prima após alguns processamentos. Em outras palavras, é possível recolher isopor descartado incorretamente no meio ambiente, ou mesmo fazer uma coleta seletiva do material nas cidades, e reciclá-lo em sua totalidade.
Myllena da Silva apresentou seu trabalho na Intel ISEF 2018, que aconteceu em Pittsburgh, EUA, na última semana. Por conta disso, ela levou dois prêmios especiais na feira, tendo sido convidada a estudar em duas universidades norte-americanas (Universidade do Arizona e Universidade Estadual do Arizona) diferentes com bolsas integrais.
“É algo inacreditável. Uma semana atrás, eu estava dizendo que não sabia falar inglês e que eu talvez não conseguisse apresentar meu trabalho nessa língua. Agora subir ao palco da maior feira de ciências do mundo e ser premiada com duas bolsas de estudo de universidades diferentes é algo inacreditável”, disse Myllena após a premiação da ISEF 2018.
Maracujá para a indústria têxtil
Outra estudante brasileira que mostrou um trabalho focado no combate à poluição durante a Intel ISEF 2018 foi Juliana Estradioto. Ela tem 17 anos e cursa o ensino médio no Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Diferente de Myllena, contudo, Juliana resolveu processar resíduos agroindustriais produzidos em sua cidade, Osório-RS. Estamos falando de palha e arroz, semente e casca de maracujá, além de outros.
Com a semente de maracujá em especial, Juliana conseguiu resultados impressionantes. Ela utilizou uma espécie de farinha feita com isso para neutralizar resíduos tóxicos produzidos pela indústria têxtil. Juliana chama esses resíduos de “efluente”, a água que sai da linha de produção de tecido misturada com tintura usada para dar cor às nossas roupas.
Quando descartado diretamente em rios sem tratamento, esse efluente pode contaminar a água e impedir que ela seja naturalmente oxigenada. Com isso, nenhum animal ou planta aquática pode sobreviver. Existe uma forma de tratar esse efluente para se obter água “limpa” novamente, mas o procedimento á caro.
É aí que entra a semente de maracujá. Com um “biossorvente” produzido a partir desse material orgânico, Juliana conseguiu absorver 97% da coloração/tintura do efluente, transformando o material em água praticamente limpa, que poderia ser utilizada novamente na indústria. Só com a produção de maracujá da região onde a estudante mora, seria possível tratar 50 bilhões de litros de efluente. Além disso, esse processo seria 39% mais barato que o tratamento convencional.
Para mim, a parte mais importante do meu projeto é poder usar os resíduos agroindustriais da minha cidade para fazer o tratamento do efluente que é gerado no meu estado
“Para mim, a parte mais importante do meu projeto é poder usar os resíduos agroindustriais da minha cidade para fazer o tratamento do efluente que é gerado no meu estado”, contou Juliana ao TecMundo. “O que mais me deixa feliz é poder contribuir para solucionar esses problemas ambientais”.
Mas, infelizmente, a motivação de Juliana em buscar uma solução para o efluente têxtil tem origem em uma tragédia. Em 2006, centenas de toneladas de peixes apareceram mortos da noite para o dia no Rio dos Sinos, no RS. Posteriormente, as autoridades determinaram que a causa foi o descarte de esgoto doméstico e, principalmente, de efluente têxtil no rio. Na época, o Rio dos Sinos fornecia água potável para mais de 1 milhão de pessoas. Para a estudante, esse é um dos problemas que a “Fast Fashion” pode trazer para o meio ambiente.
Por sua pesquisa, Juliana Estradioto também foi premiada na ISEF 2018 com uma bolsa integral da Universidade do Arizona, nos EUA.
Por Leonardo Müller, do TecMundo