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Aliança profana entre políticos e pseudo-religiosos

Foto – Divulgação

Por Valdo Rosário Sousa

Durante a Idade Média, Renascença e Moderna, as grandes discussões em torno da fé e razão acontecia através da teologia e filosofia. O conceito de razão segundo Chauí (2016), origina-se de duas palavras latinas: ratio que é latina, e a palavra grega é lógos; elas são substantivos derivados de dois verbos muito parecido. Lógos vem do verbo grego legein: que quer dizer, juntar, calcular, reunir e contar. Já ratio vem do verbo latino reor, quer dizer medir, juntar, reunir, contar, separar e calcular. Assim, desde a origem da filosofia, o conceito de razão tornou-se oposta a quatro outras atitudes mentais, que são: conhecimento ilusório, ao êxtase místico, às emoções, à crença religiosa. “À crença religiosa, para qual a verdade nos é dada pela fé numa revelação divina, não dependendo do trabalho de conhecimento realizado pelo nosso intelecto. A razão é oposta à revelação, por isso os filósofos cristãos distinguem a luz natural – a razão; e a luz sobrenatural – a revelação”.

O pensamento é inerente a todos nós em qualquer espaço e tempo, todavia, para termos a capacidade de separação entre, o falso e verdadeiro, certo e errado, verdade e mentira e de interpretação lógica da realidade, só é possível a partir do conhecimento de como a razão funciona, por meio dos quatros sentidos: certeza, lucidez, motivos e causas; dos quatros princípios racionais: identidade, não contradição, terceiro excluído e razão suficiente; também pela razão discursiva: intuição sensível ou empírica, psicológica, intelectual; dedução, indução e abdução.

A relação entre religião e ciência sempre foi conflituosa, entretanto, não conseguem se separarem, por alguns motivos: a imanência que é realidade física, precisa do seu contraditório como fundamento de sua existência, que é a transcendência; essa pode ser entendida como conhecimento metafísico ou religioso. Na Idade Média, a discussão em torno de fé e razão estava no seio da igreja, com o entendimento de que a fé é superior a razão, segundo o teólogo e filósofo João Escoto (810- 877): “Nenhuma autoridade deve te afastar das coisas que são ensinadas pela reta razão. A verdadeira autoridade, com efeito, não se opõe à reta razão, nem esta à verdadeira autoridade, porque ambas derivam de uma única fonte, isto é, da sabedoria divina”.  A razão para a igreja é um instrumento da fé. Para muitos filósofos da Idade Média, Renascença, modernos, iluministas e contemporâneos, não concordavam com essa justificativa cristã, por vários motivos, dentre eles: fé e razão são conhecimentos inconciliáveis devido um tratar da transcendência e outro da imanência; são conhecimentos diferentes, assim não tem um inferior e outro superior; a fé necessita da razão para justificar sua essência.

Voltando ao título do artigo: Qual é a relação entre religião e política partidária? Se existe, são conciliáveis ou inconciliáveis? O conceito de política tem quatro definições diferentes, que são: “1ª a doutrina do direito e da moral; 2ª a teoria do Estado; 3ª a arte ou a ciência do governo; 4ª o conteúdo dos comportamentos intersubjetivos”[1]. Portanto, qualquer ato que envolva inter-relações coletivas, é política, a religião não está fora disso.  Nessa circunstância, não tem nenhum desvio de caráter ético e teológico, um religioso leigo ou consagrado, participar da política partidária, como eleitor e candidato, desde que compreenda que uma vez eleito, tanto para o legislativo e executivo, não pode fazer de seus mandatos, extensões de nenhuma igreja. O Estado brasileiro não é teocrático e sim laico – é uma democracia representativa.

A preocupação dessa simbiose da religião com a política partidária é que, infelizmente, uma grande parte tanto de leigos e dos consagrados (pastores, padres e outros), praticam uma desvirtuação tanto do cristianismo e da política; sabemos que muitos religiosos são éticos, tanto na política como na religião. Todavia, muitos usam da boa fé de pessoas humildes para ludibriar com um discurso “piedoso cristão”, porém, são lobos na pele de cordeiros. Até porque qualquer cristão que procurar acumular riquezas, destruir a Natureza pela ganância de obter lucros, for preconceituoso, falso moralista, racista, homofóbico, a favor de tortura, disseminador de mentiras e difamações, é bom ler as seguintes passagens bíblicas do Novo Testamento: Mt. 6, 24; Tg. 2, 1-4; Jo. 8, 4-8; Mt. 7, 1-5 e 15-20; Mt. 22, 15-22; Mt, 23, 13-32 e 1 Cor. 13, 1-13.

A essência do cristianismo não é o discurso de ódio, e sim do amor Ágape, Philia e Eros.  Uma relação harmoniosa com phýsis (Natureza), Deus não criou o universo para destruirmos, e sim vivermos em harmonia com ele. Ser ambientalista não é só um ato de prevenção, mas também político e cristão. Se nos declaramos cristãos, entretanto, defendemos a destruição da natureza, que é obra de Deus; é uma contradição ambiental, política, ética e moral e cristã. Por tanto, defender o meio ambiente é um ato de fé, não só cristão, mas de qualquer religião, tanto politeísta e monoteísta.

Se Jesus tivesse limitado sua pregação religiosa somente numa fé teórica, desvinculada de uma práxis, ele teria morrido um ancião numa rede. Ele foi perseguido, preso, julgado, condenado e executado por se preocupar com os excluídos que eram perseguidos tanto pelo Estado romano e pelos religiosos da época. Jesus fez uma opção, preferencialmente, pelos pobres e excluídos, não porque ele gosta da pobreza e da exclusão, mas sim, porque ele é amor – até porque quem dissemina preconceito e exclusão – pratica crimes ambientais. Logo achar que miséria, pobreza e outros males, são castigo de Deus, pode ser qualquer coisa, menos cristão.

Atualmente, no Brasil, temos uma aliança entre muitas igrejas e o Estado, no qual, a grande maioria são alianças profanas, de interesse que chegam a trocar verba pública pelo voto do rebanho religioso; muitas vezes com o pretexto de cristianizar o Estado. Sabemos que muitas igrejas e seus fiéis fazem um trabalho social nas comunidades carentes, e não coadunam com esse tipo de aliança. Todavia, muitos religiosos, padres e pastores esquecem que uma das principais funções da igreja, é acolher os pobres, excluídos e marginalizados, como também denunciar: crimes de violência física, psicológica, homofóbico, racismo, intolerância religiosa, político, ambientais dentre outros; jamais fazer complô com o Estado e instituições para acobertar crimes e disseminar ódio, mentira e preconceito como fazem muitos religiosos. Jesus nunca se colocou acima de tudo, e sim no meio de nós. O cristão que defende uma meritocracia numa sociedade de princípios educacionais, raciais, religiosos, culturais e econômicos desiguais, é bom ler com atenção à carta de São Tiago 2, 14-17 (a fé sem obras é morta), e o conceito de justiça segundo o filósofo Aristóteles: “Existem, pois, dois de tipos de justiça na cidade: a distributiva, referente aos bens econômicos partilháveis, e a participativa, referente ao poder político participável. […] A justiça distributiva consiste em dar a cada pessoa o que lhe é devido, dando desigualmente aos desiguais para torná-los iguais”[1].

Infelizmente, temos muitas igrejas que são verdadeiras caça-níqueis, muitos padres e pastores que vivem de extorquirem seus fiéis em nome de Deus, barganhando favores políticos para benefícios próprios, fazendo de tudo para transformar a igreja num prostíbulo eleitoral. Igreja é um local sagrado e não um garimpo para negociar propina a partir de ouro e outros favores. Muitos padres, pastores e fiéis que pregam uma moralidade, na prática, são aquilo que Nietzsche denunciava no século XIX, mau-caráter e falsos moralistas.

Nietzsche no seu livro Genealogia da Moral, na primeira dissertação,  faz uma análise das causas que determinaram o nascimento dos valores morais e a batalha entre a moral dos senhores e dos escravos, e conclui como os fracos dominaram os fortes. A segunda dissertação – a culpa, má consciência e coisas afins – ele descreve sobre a psicologia da moral que tornou os homens fraco e reativo. Ele afirma que a crueldade e o sofrimento fazem parte da essência humana; quando os homens não tinham moralidade,

eles eram felizes; com a criação dos valores morais, os desejos que não se exteriorizaram tornaram-se maus, criando um sentimento de culpa e de má consciência. Na terceira dissertação, O que significam os ideais ascéticos? Que se refere a moral dos sacerdotes; os ideais ascéticos não significam a busca do vazio e do nada, trata a vida para outra vida, ou seja, que os homens renunciem os desejos do corpo, em detrimento de uma felicidade eterna após a morte.

Na primeira dissertação, ele fala sobre “Bom e Mau” e “Bom e Ruim”; a partir da mesma, podemos nos perguntar: os valores morais são naturais, ou foram criados pelos próprios homens? Se são naturais foram criados por Deus, então sempre existiram; se não são inatos, foram criados pelos próprios homens. Nietzsche defende que os valores não são inatos, e sim, criados ao longo da história humana; ele usa os adjetivos “bom e mau”, “bom e ruim” para demonstrar como os conceitos morais surgiram.  Temos que entender que a crítica que Nietzsche faz a metafisica, é no sentindo ontológico e moral, combatendo o pensamento socrático-platônica e o cristianismo; ele diz que é preciso desmitificar a metafisica do pensamento platônico e cristão.

Nietzsche diz que há duas morais – dos senhores e a dos escravos; a moral dos senhores é interna, valoriza a força e só existiu anterior a metafisica platônica e cristã e aos códigos morais. Segundo ele, o homem deve se impor, porque a civilização foi criada pelos homens fracos. Já a moral dos escravos é externa, a justiça para os fracos se volta para dentro, criando a ideia de culpa, tornando o mesmo um coitadinho, crença no plano superior; toda essa moral se fundamentou na religião judaico-cristã, que está fundamentada nas forças reativas.  Então os fracos e ressentidos, como forma de vingança criaram a moral dos escravos: “Enquanto toda moral nobre nasce de um triunfante Sim a si mesma, já de início a moral escrava diz Não a um “fora”. Um “outro”, um “não-eu- e este Não é seu ato criador””

Na moral dos senhores o contrário de bom é ruim; para a moral dos escravos, o contrário de bom é mau. Na moral dos escravos é invertido, o contrário de bom, que passa ser mau; e exercer a vontade de potência dos fortes sobre os fracos passar ser uma maldade. Neste contexto segundo Nietzsche os fracos se rebelaram usando o discurso da igualdade, piedade para combater as forças ativas dos fortes; criando normas morais-religiosas para combater os bons, Nietzsche define o conceito de bom: “…Para mim é claro, antes de tudo, que essa teoria busca estabelece a fonte do conceito “bom” no lugar errado: o juízo “bom” não provém daqueles aos quais se fez o “bem”! Foram os “bons” mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, e vulgar e plebeu”.

Para Nietzsche o conceito de bom significa “nobre”, “aristocrático”, ou seja, o indivíduo torna-se competente naquilo que faz, exercendo a potência das ideias sem estpresas às forças reativas advindas dos conceitos religiosos, morais e de qualquer discurso que defina os homens como iguais. Segundo ele, foram a classe sacerdotal dos judeus e do cristianismo que inverteram a equação dos valores. Este afirma também que os homens nobres e fortes vivem com confiança e franqueza diante dos seus atos. Já os fracos e ressentidos não são ingênuos e muito menos honestos consigo mesmo; por isso o oculto lhe agrada, praticando o que denomina no próprio meio deles, de “falsa moral”. Nietzsche afirma que o homem nobre reclama para si seu inimigo, porque o mesmo não pode ser desprezado, mas, venerá-lo. Já o homem de ressentimento concebe o inimigo como mau, ele próprio de bom. Não podemos confundir a definição de homem forte, poderoso, nobre em Nietzsche, como maneira de domínio do outro usando a força física, política e religiosa, para impor suas próprias ideias, mas o que ele defende  é a valoração do pensamento que não estão presos aos conceitos de igualdade, morais e religiosos.

Muitos religiosos – tantos leigos, padres e pastores – são fracos e ressentidos, não consegue ver felicidade fora de uma submissão religiosa e política e, estranhamente, confunde liberdade de expressão com crime e crime com liberdade de expressão; poder com tirania e ditadura; partilha com extorsão; milagre com espetáculo; igreja com casino. Infelizmente, muitos religiosos adotaram o lema do SEBRAE: “Pequenas empresas e grandes negócios; pequenas igrejas e grandes negócios”. Esse novo tipo de pseudocristãos, negam Jesus para justificar a “fé”; uma esquizofrenia teológica e filosófica. Entretanto, sabemos que muitos religiosos independentes do credo religioso, não se encaixam nessa situação.

Referências Bibliográficas

ABBGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi, 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia, 3ª ed. São Paulo, 2016.

DE JERUSALÉM, Bíblia. 5ª impressão, São Paulo, ed. Paulus, 1996.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da Moral. Trad. de Paulo Cézar de Souza.  São Paulo: Companhia das letras, 2017.

REALE, Giovanni. A história da filosofia: Antiguidade e Idade Média/ Giovanni Reale, Dario Antisere; – São Paulo: Paulus, 1990.

Valdo Rosário Sousa

Técnico em contabilidade pelo Colégio Dom Orione de Tocantinópolis/TO.; licenciado em filosofia pela PUC/GO.; mestre em filosofia pela UFT/TO.; professor de filosofia no Ensino Médio na Escola Estadual de Ensino Médio Profa. Elza Maria C. Dantas de São Domingos do Araguaia/PA., 4ª URE-MARABÁ-SEDUC/PA.

 

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