Fotografia aérea feita em janeiro mostra águas barrentas do Tapajós em contato com o Lago Verde, em Alter do Chão, Santarém, no Pará — Foto: Getty Images via BBC

O Ministério Público Federal (MPF) enviou pedidos de informações a órgãos ambientais na quinta-feira (20) sobre medidas que estão adotando para conter danos ao rio Tapajós, na região oeste do Pará.

A coloração turva do rio em Alter do Chão, conhecido como Caribe Amazônico, em nada lembra o tom azul-esverdeado que encanta moradores e turistas, e ganhou destaque no noticiário nacional devido a preocupação da comunidade local de que o fenômeno seja resultado do avanço da garimpagem na bacia do Tapajós. (veja vídeo abaixo)

Os pedidos foram encaminhadas ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente.

O MPF enviou, ainda, solicitação à Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), para que a universidade informe se há estudos sobre a turbidez das águas e sobre casos de contaminação por mercúrio na população humana e animal da região.

Também foi definido pelo MPF, na quinta, que a instituição vai convidar pesquisadores, órgãos e entidades públicos e a sociedade civil organizada para discutir as medidas de contenção do avanço da poluição no leito do rio Tapajós.

A atuação do MPF relativa a potenciais causas do escurecimento das águas em Alter do Chão inclui, ainda, o ajuizamento de ações contra o desmatamento ilegal e o descumprimento da legislação ambiental e da obrigação da consulta prévia, livre e informada a povos indígenas e comunidades tradicionais em procedimentos de licenciamento ambiental de obras, como terminais portuários e projetos hidrelétricos.

Sentença descumprida

 

O MPF também encaminhou manifestação à Justiça Federal para alertar que o município de Santarém vem descumprindo sentença de 2019 que determinou a realização de exames de balneabilidade periódicos na região das praias do distrito de Alter do Chão.

O órgão pediu à Justiça que o município seja obrigado a apresentar imediatamente os resultados dos exames. Em setembro do ano passado a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) informou ao MPF que os exames seriam realizados naquele mês, mas desde então não apresentou os resultados, mesmo tendo sido cobrada pelo MPF.

Técnicos da Semas coletando amostras de água do rio Tapajós em Alter do Chão — Foto: Reprodução

Técnicos da Semas coletando amostras de água do rio Tapajós em Alter do Chão — Foto: Reprodução

A sentença de 2019 estabelece que, em caso de constatação de condições impróprias, os locais afetados devem ser interditados, as áreas devem ser sinalizadas e a qualidade ambiental das águas deve ser regularizada.

Sobre o escurecimento das águas em Alter do Chão, o MPF tem várias frentes de atuação relativas a potenciais causas do fenômeno apontadas por cientistas ouvidos pela imprensa.

Mineração ilegal

 

Em ação ajuizada em 2019 para pedir à Justiça providências contra a completa precariedade no controle da cadeia econômica do ouro no país, o MPF alertou que só em quantidade de sedimentos lançados nas águas do Tapajós, por exemplo, a mineração ilegal de ouro despeja sete milhões de toneladas por ano, de acordo com laudo elaborado pela Polícia Federal (PF) e pela Ufopa.

A cada 11 anos, a quantidade de sedimentos despejados é equivalente à barragem da Samarco que rompeu em Mariana (MG) em 2015, destruindo a calha do rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo.

Foto mostra área de garimpo ilegal na Amazônia, em Itaituba, no Pará — Foto: Lucas Landau/Reuters

Foto mostra área de garimpo ilegal na Amazônia, em Itaituba, no Pará — Foto: Lucas Landau/Reuters

Na ação, o MPF pediu à Justiça que obrigue a União e a Agência Nacional de Mineração (ANM) a informatizar o sistema de controle da cadeia econômica do ouro no país, a fiscalizar o uso das licenças simplificadas para garimpos, e a definir quem pode ter acesso a essas licenças.

Também foi pedido que o BC apresente à Justiça e execute plano de implantação de medidas administrativas que garantam um maior controle da custódia do ouro adquirido pelas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) e pelos Postos de Compra de Ouro (PCOs).

O MPF pediu, ainda, que a União, a ANM e o BC sejam obrigados a apresentar à Justiça um conjunto de ações de combate à extração e comercialização de ouro ilegal, e relatórios com informações sobre todas as medidas tomadas para combater a comercialização ilegal do minério.

Outras frentes

 

O MPF também tem ajuizado ações e aberto investigações para combater ocupações ilegais de áreas públicas na região de Alter do Chão. Em um dos casos, a Justiça condenou a seis anos e dez meses de prisão, além de multa, um acusado de instalar loteamento urbano privado em gleba federal na região.

Foi recomendado pelo MPF que a prefeitura não expeça licenças para intervenção, construção ou desmate em áreas de preservação permanente fora das exceções expressamente previstas no Código Florestal.

A necessidade do cumprimento de práticas de controle de erosão nas lavouras de grãos também foi citada pelo MPF, em ação que tratou do assoreamento de curso d’água pela monocultura da soja e do milho e pela pecuária na região.

Impacto global

As águas da região conhecida como “Caribe amazônico” não estão translúcidas como de costume, e especialistas temem que efeitos sejam sentidos em uma escala nacional e global.

A explicação é do pesquisador Tommaso Giarrizzo, coordenador do Grupo de Ecologia Aquática da Universidade Federal do Pará (UFPA), que comentou possíveis motivos da alteração das águas de Alter do Chão (PA) à CNN nesta quinta-feira (20).

Segundo Giarrizzo, a água “barrenta” pode ser resultado de “um efeito cumulativo de impactos que estão ocorrendo” – que vão desde a ocorrência de uma estação chuvosa na região até a modificação no uso do solo em toda a Bacia do Tapajós, incluindo o desmatamento, mineração ilegal e agronegócio.

“A preocupação é muito grande estão sendo levantadas varias hipóteses, mas não temos o motivo ou a fonte que esta gerando a alteração da cor da água”, declarou.

“Na bacia do Tapajós, há um conjunto de impactos antrópicos que geram modificação na qualidade da agua, e isso vai ter um efeito cumulativo – especialmente o desmatamento, que ocorre nas cabeceiras do rio Tapajós, o agronegócio, a construção de barragens, portos, os processos de queimadas”, explicou.

O pesquisador explicou que o conjunto das atividades acaba por gerar erosão no solo da região, e que esse processo acarreta na acumulação de sedimentos – uma explicação possível para a água escura em Alter.

Para Tommaso Giarrizzo, o problema torna-se não apenas local, mas global, quando se considera o potencial tóxico do solo arrastado pelas chuvas até Alter do Chão e, posteriormente, às águas do mar.

Com isso, toxinas presentes nos processos citados, incluindo o mercúrio da mineração ilegal, podem chegar até os animais do rio e à população.

“Não adianta se preocupar em garantir qualidade ambiental em Santarém se os municípios e estados que drenam o rio não têm uma gestão ambiental. Essa água chega também no oceano. Os efeitos vão sendo diluídos e dispersos em uma escala geográfica que não é nem nacional, é realmente global”, disse.

Fonte- G1 Santarém e Região e CNN