Para a idealizadora, mais do que uma oportunidade de apresentar o capim-dourado para o mundo, este evento trouxe representatividade para o estado. A tradicional colheita evidencia a coletividade do quilombo Mumbuca, que por meio da festividade, celebra a existência do capim-dourado e a força do povo que com ele, conseguiu fazer belas peças e mostrar toda a resistência dos jalapoeiros.
EXPOSIÇÕES CULTURAIS
A abertura do evento, no dia 13, contou com a exposição “Escola no Quilombo”, cujo intuito foi apresentar objetos de capim-dourado, tapiti, buriti confeccionados por estudantes, professores e mestres da Escola Estadual Silvério Ribeiro de Matos, no Memorial Casa da Cultura. O espaço contava com quadros temáticos que contavam a trajetória dos mestres locais, como a Doutora, Tia Martina, Valdir, Armonzinho, Pastor Toxa, Tia Santinha e outros. O projeto é uma iniciativa da escola, que por meio das aulas do componente Cultura Quilombola, em interface com outras disciplinas do currículo, valoriza e assegura os saberes e arranjos ancestrais do Povoado Mumbuca.
Sirlene Matos, orientadora educacional do projeto, explicou a história da formação da comunidade originária dos primeiros negros que chegaram no século XVIII, na região do Jalapão. Hoje, já sétima geração de um povo que deixou história, o saber ancestral fortalece a cultura mumbucana. O tapete, a esteira, o balaio, carrinhos de buriti foram brinquedos da época, e a escola por entender que é essencial ter essa continuidade, abraça o legado cultural, que como enfatiza Sirlene, não deve ser motivo de envergonhamento para a geração atual.
“Cheguei a dormir na esteira, a brincar com a boneca de buriti, porque eu não tinha naquela época. É linda e feita artesanalmente, da matéria-prima que a natureza oferece. É muito gratificante poder compartilhar um pouco de nós, somos um povo banto e livre. Um povo que não aceitou a condição de ser escravizados, pessoas que construíram sua forma de viver, de sobreviver na dificuldade e lidar com a terra”, pontuou.
APOIO AOS ARTESÃOS LOCAIS
Com o propósito de valorizar as iniciativas culturais da comunidade, incentivar a manutenção das práticas culturais, como o artesanato, música, dança, foi realizada a mesa dourada. A cultura movimenta a economia da Comunidade Mumbuca, mas a festa da colheita traz a mensagem de como o artesanato pode se desdobrar para além de um chapéu, tiara, colar, vaso e outros artigos de decoração. A atividade foi dividida em três tempos e trouxe instituições importantes para a difusão da cultura do povoado, como a Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais (Sepot), Secretaria de Estado da Cultura (Secult), Energisa, Naturatins, Central do Cerrado, WWF, entre outros.
A temática central levantada durante as discussões foi a respeito do apoio para incluir a comunidade nos projetos culturais, auxiliando no acesso, agilização para reunir a documentação e acompanhamento em cada processo dos editais de fomento.
Nesta edição, também foi anunciada uma ação da “PNAB Busca Ativa”, do Governo Federal, que visa rastrear projetos elegíveis em comunidades originárias do Tocantins, para a inscrição no edital Culturas Quilombolas. Durante a festa, a equipe do projeto esteve presente no Povoado para apoiar o cadastro de pessoas nos editais da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB).
A mesa ainda contou com a participação do titular da Defensoria Pública de Formoso do Araguaia, defensor Paulo Américo, que destacou em sua fala a relevância da festividade para a memória e luta dos quilombolas. “Esse evento reflete muito da luta, força e resiliência dos povos tradicionais para manterem sua cultura. É ótimo prestigiar esse momento e ouvir pessoas e autoridades envolvidas no resguardo dessa tradição e na proteção dos direitos do Povoado Mumbuca”, enfatizou.
RECONHECIMENTO DA VIOLA DE BURITI
O amor pela música também faz parte da identidade e memória do povo Mumbuca. Como bem expressa o artista da viola do buriti, Artur Tavares. “A viola de buriti é muito mais que um instrumento para nós, da comunidade. A viola faz parte da nossa família”, afirmou. O corpo e o braço do instrumento são feitos com os talos (pecíolos) das folhas, um símbolo musical da cultura quilombola.
Desde o ano de 2018, a comunidade Mumbuca luta pelo reconhecimento da viola do buriti, como Patrimônio Imaterial. O antropólogo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Alessandro Lopes, pontuou o processo e as exigências para o reconhecimento do instrumento com parte da cultura jalapoeira. “É uma atividade muito criteriosa, cheia de detalhes. Entendemos que a viola de buriti para esse povo representa uma forma de ver, compreender e viver o mundo. O processo de reconhecimento tem muitas especificidades, pois estuda a extensão, a ocorrência, os detentores do bem cultural e os riscos ligados a não-preservação desse saber”, disse.
TEATRO E DESFILE
A abertura das apresentações culturais da segunda noite do evento contou peças teatrais que enfatizavam o saber tradicional e ancestral da Comunidade Mumbuca. Figuras emblemáticas, como a Dona Laurentina e a sua atuação como parteira foi encenada; Dona Miúda na lida para ensinar o trançado do capim-dourado com a seda do buriti para as filhas e recitação de poemas.
Já o desfile, contou com crianças e mulheres da comunidade, que desfilaram com peças como colares, cintos, braceletes, bolsas, tiaras e outros artigos de decoração. A segunda parte foi abrilhantada pela coleção “Ouro do Cerrado”, que é composta por cinco vestidos de 27 metros de crepe prada dourado, confeccionados pelo estilista guaraiense Luiz Fernando Carvalho. As modelos da comunidade vestiam as peças produzidas com um toque especial de bordados, com cerca de 980 peças desenvolvidas a partir de 17 quilos de capim-dourado. Os vestidos fazem parte do acervo da Secult.
Ester Michele Tavares, moradora que participou do desfile pela segunda vez, expressou sua alegria. “Esse vestido para mim é um sonho, pois essas peças foi a gente quem fez. Aqui, estamos representando a nossa comunidade. O capim-dourado é o Jalapão e participar desse momento é muito gratificante”, declarou.
A COLHEITA
O capim-nativo não é semeado, é colhido apenas uma vez ao ano, do mês de setembro a novembro. Esse é o período mais esperado pelo povo de Mumbuca e todos os anos, a colheita do capim-dourado começa com uma festa que anuncia a fase de amadurecimento da haste. “Não existe capim-dourado sem Mumbuca, e não existe Mumbuca sem capim-dourado. O capim-dourado de Mumbuca vem com uma história, vem da luta do povo, que busca sempre priorizar a resistência e a existência nesse território, de forma simples e espontânea”, finalizou Núbia Matos.