Lucas Eurilio – Gazeta do Cerrado
A prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro está sendo acusada pela Comunidade LGBTQIA+ de ser uma pessoa homofóbica após um áudio sobre frequentadores do Mujica Bar ser vazado na redes sociais.
“E agora eles estão questionando esse fechamento lá do tal do Mujica, é um bar que é só LGBT, mas aqueles guetos dos guetos dos guetos. Não é uma coisa sociável não, é baixo clero mesmo, uma coisa louca”, diz Cinthia em áudio.
Neste sábado, 22, o Coordenador Estadual da Aliança Nacional LGBTI, João Procópio, disse que uma perícia do áudio será solicitada.
“Nós enquanto coletivo, vamos solicitar uma perícia do áudio tanto particular como uma na polícia civil, para saber se foi manipulado”, disse à Gazeta.
A Aliança Nacional LGBTI encaminhou uma nota onde diz que a comunidade vem sendo seguida há muito tempo e chamou a atitude da prefeita de apartheid. (Confira a integra no final da matéria).
“A atitude da suposta mensagem atribuída deixa claro o apartheid promovido em nossa atual sociedade, segregando pessoas simplesmente por exercer seus direitos individuais, expressos na constituição”.
Ainda na noite de sexta-feira, por volta das 23h a Gazeta do Cerrado solicitou um posicionamento oficial da prefeita, e recebeu uma nota por parte da Secretaria de Comunicação (Secom).
Também neste sábado, a nota da prefeita foi atualizada e teve algumas alterações. (Veja a íntegra no final da matéria).
Apesar de Cinthia ter pedido desculpas através de uma nota enviada pela assessoria, alegando que a gravação é uma “montagem” e foi tirada do contexto, vários coletivos não estão nenhum pouco satisfeitos com as falas da gestora.
O assunto chegou a ser o primeiro mais comentando do Twitter no Brasil após a repercussão negativa das falas de Cinthia.
Criminalização da LGBTfobia
O Brasil é um dos países onde há o maior índice de violência e assassinatos de pessoas LGBTQIA+ e o primeiro no ranking mundial em mortes de Travestis e pessoas Transexuais.
De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, o Tocantins, Pernambuco, Rondônia e São Paulo foram o estados que mais apresentaram casos de assassinatos de pessoas T em 2019.
Somente em São Paulo, o aumento foi de 50%, conforme a Antra.
Em 2019 também foi um ano em que a comunidade LGBTQIA+ teve um grande avanço, com a criminalização da homofobia, que foi enquadrado pelo Supremo Tribunal Federal como crime de racismo, em 13 de junho.
Dez dos onze ministros reconheceram ainda, na época da aprovação, que houve demora institucional do Legislativo em tratar do tema. Com a aprovação por 8 votos a favor e 3 contra, o Supremo decidiu pela criminalização.
O julgamento demorou cerca de três meses e chegou a ser suspenso duas vezes.
Com isso, os ministros determinaram que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”.
Nota Aliança Nacional LGBTI
A Aliança Nacional LGBTI, por meio de sua Coordenadoria Tocantinense, em parceria com o Instituto Equidade Tocantins, Associação Anjos de Resgate, Associação de Travestis e Transexuais do Estado do Tocantins, Casa A+, Igreja Episcopal Anglicana, Rede Nacional De Operadores de Segurança Pública LGBTI, Segmento LGBT Socialista do Tocantins e Triângulo Rosa vem a público se manifestar sobre a suposta fala preconceituosa de uma gestora de Palmas.
Por anos nós LGBTI’s fomos perseguidos por nossa forma de amar, diversos governos, de monarquias à ditaduras, tentaram nos reprimir e nos subjugar aos guetos, vielas, em meio ao baixo clero.
No caso da liberação do alvará do estabelecimento comercial Mujica, vemos que ele não seria liberado por questões técnicas ou pela segurança da vida dos foliões que ali vão se divertir. Simplesmente não será liberado porque é um ambiente frequentado por LGBTI’s.
A atitude da suposta mensagem atribuída deixa claro o apartheid promovido em nossa atual sociedade, segregando pessoas simplesmente por exercer seus direitos individuais, expressos na constituição. O Movimento LGBT moderno, desde 1970 têm sido resistência e não será nossa geração que irá se curvar a atos como esse.
Nós, como sociedade civil organizada, repudiamos tal ação que retire os direitos, por qualquer parte das esferas de poder e vamos comunicar aos órgãos competentes de forma oficial, pedindo perícia no áudio em questão, para que seja comprovada sua autenticidade, a fim de que as medidas cabíveis sejam tomadas.
Nós seremos sempre resistência!
Nota ATRATO-TO
A ATRATO (Associação das Travestis e Transexuais do Tocantins) vem por meio desta, declarar veemente desaprovação pelos últimos acontecimentos proferidos sobre as(os) frequentadoras(es) do bar Mujica, na cidade Palmas.
É com desaprovação que nos embasamos sobre o ocorrido, por se tratar de um lugar que acolhe, proporciona diversão e garante uma sociabilidade de quem reside na cidade de Palmas que a existência deste espaço se faz necessária.
A fala em questão é de um áudio supostamente proferido por uma gestora da capital tocantinense sobre o público que frequenta o espaço, nos relegando a “guetos não sociáveis…coisa louca”.
Ações desta magnitude não pode ser aceitável, tendo em vista que a resistência sobre os espaços urbanos e nossos corpos acompanham a formação da sociedade brasileira, advindas de uma colonização estruturada no patriarcado.
Entendemos que ao serem proferidas estas palavras se referindo a população LGBTQIA+ frequentadoras(es) do Mujica, a pessoa em questão desconhece o papel da formação da sociedade brasileira, da mesma forma reproduz um pensamento preconceituoso sobre a constituição de diversidade da população palmense.
É inaceitável que em um momento de coalização do estado brasileiro ao qual estamos passando ações de invisibilidade dos meios de organização para este público existam.
Não se pode negar que a luta por direitos no Brasil é sinal de manifestações que não contam com o aparato do estado, da mesma forma, ao que tange a formação cultural do povo brasileiro sempre esteve em choque com a moral e os bons costumes, princípios amparados em características patriarcal, machista, xenofóbica, racista, classista, burguês e, sobretudo elitista.
Fomos condicionadas (os) ao pensamento meritocrático, branco como sinônimos de organização e valoração para uma vida em comunidade, contudo, pensamentos como a diversidade do povo brasileiro passam despercebidos pelas lideranças dos executivos, dando margem para a reprodução preconceituosa dos organismos sociais, grupos que mantem o processo sociológico de manifestação das diferentes formas de expressão da cultura brasileira.
É com indignação que temos na cidade de Palmas nesse momento a tentativa de silenciar a comunidade LGBTQIA+, principalmente jovens, de manifestar suas descobertas, sua alegria, sua diversidade, sua identidade.
Não podemos e não devemos nos calar frente à tentativa de taxar um espaço como o Mujica com argumentos precarizados sobre como essa parcela social deve se manifestar, isso beira a barbárie acontecida em outros tempos. No processo histórico de formação da cultura brasileira sempre tentaram silenciar a capoeira, o samba, o funk, e, sobretudo a comunidade LGBTQIA+, ações dessa magnitude reforçam a necessidade de continuarmos na luta.
Sobre os ataques proferidos ao Mujica Bar, nos solidarizamos com a casa, nos faremos presentes para a celebração da diversidade da cidade de Palmas no espaço e não nos silenciaremos, pois o povo miscigenado é quem forma e constrói a nossa cidade.
Esse povo que garante as diversas manifestações culturais do Tocantins, essa gente que se apresenta como um público estigmatizado que engrandece as relações interpessoais, esse suposto áudio demonstra sinais de uma colonização precarizada, e torpe, desconsiderando a infinidade de culturas outras que formam a sociedade brasileira.
A comunidade LGBTQIA+ sempre foi taxada a guetos e vielas, em todo o processo social nos invisibilizaram sobre os direitos que nossos corpos podem ter em relação a existir e não seremos silenciadas (os) perante o ocorrido. Existir para nós é uma resistência cotidiana, pois nos foi muito cara a garantia de direitos para não termos que simplesmente ser jogadas(os) a guetos novamente, principalmente as mulheres e homens travestis e transexuais, público alvo de tamanha agressividade nos espaços urbanos do Brasil.
Repudiamos ações que tentem nos invisibilizar, por qualquer parte das esferas de poder. Iremos alinhar nossas pautas com outros movimentos e juntamente com órgãos competentes solicitar a perícia do áudio em questão, na tentativa de comprovar tais condutas de discriminação, para que possamos tomar as devidas medidas cabíveis.
Não seremos mais silenciadas(os), não teremos o nosso direito de manifestação cultural cerceado, não iremos voltar para armários impositores oriundos de pensamentos ultrapassados, seremos como sempre fomos, resistência.
Nota prefeita
No dia em que assinamos o maior contrato de obras públicas da história da nossa cidade, que antecipamos o pagamento dos servidores públicos municipais para que todos possam passar esse feriadão de Carnaval com dinheiro no bolso, que a cidade recebe pessoas vindas de outros lugares para a festividades do Palmas Capital da Fé e outros eventos alusivos à data, me deparo com uma atitude mesquinha e vil, para desacreditar a nossa gestão.
O áudio que circula em redes sociais é uma clara montagem, foi distribuído com fins eleitoreiros e certamente por pessoas que não merecem credibilidade. Tal contexto não condiz com a nossa prática.
Respeito todos os credos, raças, gênero e orientação sexual, tanto que somos referência no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em relação à população LGBT e trans, apoiamos a parada LGBT e, de forma transversal várias outras ações desse segmento. Palmas tem como uma de suas marcas, a diversidade, e nossa gestão tem compromisso com todos.
Desde já, quero me desculpar pelo constrangimento e embaraço que essa situação pode ter causado às pessoas. Buscarei na Justiça a reparação dessa tentativa de difamação e quero deixar claro que nada vai me impedir de continuar trabalhando pelo bem de Palmas.
Cinthia Ribeiro
Prefeita