Usando uniforme e com as mãos algemadas, cabeça inclinada para baixo e olhar desconfiado, o homem chega a uma sala da Casa de Prisão Provisória (CPP) de Palmas para a entrevista. Enquanto os agentes prisionais retiram as algemas das mãos, ele se apresenta, quase que timidamente: “Bom dia, sou Jardiel”. Natural de Arari (MA), com 34 anos de idade, Jardiel dos Santos Lopes vive, hoje, sob um contexto diferente de outros detentos porque encontrou na fé e nas artes um universo diferente da rotina violenta que o levou à prisão.
“Descobri com a pintura que posso ser útil, que tenho o meu valor”, orgulha-se o detento, que está preso há 13 anos. “Com uma tela na minha frente eu viajo pelo mundo sem estar de corpo presente, visito vários ambientes, vários universos e me esqueço até mesmo dos problemas e do lugar onde estou. É uma fuga, me ajuda a me desenvolver e me entender como um ser humano melhor”, declara.
Ao falar sobre sua relação com a arte e o nome que assina as suas telas, a timidez inicial começa a dar lugar para o orgulho em ser artista: “Sou JLopes!”, diz. “Minha paixão é a pintura, mas estou escrevendo um livro. Tenho composições musicais e estou aprendendo a tocar violão”, conta. O sorriso ao falar disso estampa o seu rosto.
Acervo
Dos 13 anos preso, há dez ele “se encontrou” com as artes plásticas, dedicação que o permitiu construir um acervo que já conta com cerca de 30 telas. Algumas estão espalhadas em corredores da CPP de Palmas: “É dar um pouco de cor e vida em um ambiente onde não temos pessoas com muita esperança”, diz.
Algumas telas são doadas a amigos e familiares. A doação mais recente foi para a Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO). Intitulada “A Última Ceia”, a tela é uma interpretação da obra homônima de Leonardo da Vinci e foi incorporada ao patrimônio da Instituição.
Mas apesar da referência a Da Vinci, a maioria de suas obras traz alusão às próprias lembranças, especialmente de paisagens e aves. Não por acaso, um tucano foi a sua primeira pintura.
Contexto
A história de JLopes antes que chegasse ao sistema prisional segue, infelizmente, um roteiro comum: se envolveu com drogas na adolescência, conviveu com más influências nesse período e também na juventude, e cometeu crimes. No banco de réus, foi condenado ao regime fechado por latrocínio.
JLopes tem um filho de seis anos de idade e é assistido pela DPE-TO. Por meio do Núcleo Especializado de Assistência e Defesa ao Preso (Nadep), a Defensoria presta a orientação jurídica necessária a ele e a outros assistidos que cumprem pena ou aguardam julgamento no Tocantins.
Transformação
Foi no presídio em Araguaína que JLopes concluiu o Ensino Médio e onde fez, em 2008, um curso de pintura. Também na prisão ele se aproximou da fé e está, hoje, na ala da CPP de Palmas que concentra os detentos evangélicos. A cela é chamada por eles de “igreja”.
Além das telas, JLopes tem mais de 30 composições musicais, está escrevendo a sua autobiografia, pratica aulas de violão – ministrada por um colega de cela – e decidiu se voluntariar para alfabetizar outros detentos.
Para a DPE-TO, é motivo de satisfação exibir na Instituição a tela de JLopes. “Tal iniciativa é mais um incentivo para esta Defensoria Pública no cumprimento de nossa missão institucional”, destacou o defensor público-geral no Tocantins, Murilo da Costa Machado.
Jardiel – o JLopes – terminará de cumprir a pena total com mais de 80 anos. Ele, por sua vez, acredita na transformação: “Eu detonei o meu passado, mas hoje eu entendo que ainda dá para acreditar no futuro”. Ele, por sua vez, acredita na transformação: “Eu detonei o meu passado, mas hoje eu entendo que ainda dá para acreditar no futuro”.