Quando você decide jantar fora, provavelmente a escolha é pautada pelo tipo de comida que deseja e, depois, o restaurante onde quer ir. Mas, se em vez de um restaurante, o jantar fosse na casa de um desconhecido, dividindo a mesa com pessoas que você nunca viu na vida e, muitas vezes, sem saber antes o que será servido? As refeições compartilhadas – gênero crescente no País – partem dessa premissa.

Esse estilo não chega a ser uma novidade: lá fora, foi consagrado por iniciativas como o site israelense EatWith.com, presente em mais de 200 cidades pelo mundo (incluindo capitais brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro) e que comercializa refeições na casa de pessoas desde 2013. Por aqui, há sites como o Dinneer.com, que segue a mesma linha, e plataformas como o Foodpass, especializada na curadoria de eventos gastronômicos, que também intermedia a venda desses jantares. “Hoje, a oferta corresponde a 10% dos eventos que oferecemos. Tanto que criamos uma categoria no site só para as refeições compartilhadas, chamada ‘mi casa, su casa’”, comenta Priscila Sabará, criadora do Foodpass.

Frutos do mar utilizados no Jantar Secreto

A motivação das pessoas em abrir suas casas varia. Há quem encare o négocio como território para testar receitas, como é o caso da banqueteira especializada em cozinha árabe e marroquina, Katia Hannequim. “As pessoas têm a oportunidade de interagir comigo enquanto preparo o jantar, então o feedback é imediato”, diz ela, que duas vezes por mês abre a sua casa no bairro carioca do Jardim Botânico para pequenos jantares.

Há também quem invista nesse formato pela independência que ele proporciona. “Não tenho obrigação de seguir um cardápio fixo, o que me traz liberdade de criar. E se um dia estiver com dor nas costas ou querendo viajar, simplesmente não abro”, conta a chef Patty Toldi, que há dois anos comanda o projeto Casa dos Coqueiros, em João Pessoa (PB).

O “encontro do mar com o cerrado” reúne camarão, vieira, porco, maxixe e quiabo

Por outro lado, esse tipo de evento também pode ser o primeiro passo para abrir um restaurante. “É uma vitrine para divulgar meu trabalho, enquanto não tenho meios de ter meu próprio restaurante”, conta o chef Antonio Pedro Mendes, do projeto Ap 201. Há sete meses, depois de uma temporada na Europa, ele abre o seu apartamento em São Paulo e o de sua família no Rio de Janeiro para jantares, que mesclam a cozinha francesa com elementos do Sudeste Asiático.

A seguir, confira outros projetos bem-sucedidos de cozinheiros que abrem as portas de suas casas para oferecer uma apetitosa experiência.

Entre e o Cerrado

Comandado pela jornalista Larissa Januário e pelo chef Gustavo Rigueiral, o projeto Jantar Secretonão tem esse nome por mera força de expressão: o endereço do casal é um mistério (só fica sabendo quem adquire o convite para o jantar) e o cardápio é só descoberto na hora – levando-se em conta as restrições alimentares dos comensais, obviamente.

Assim como boa parte das iniciativas do gênero, o projeto surgiu em 2014, durante a Copa do Mundo, e teve como impulso o mercado gastronômico estagnado. “O Gustavo também sentia muita falta de servir uma comida mais autoral”, conta a jornalista. O projeto começou com uma mesa de quatro lugares, no antigo apartamento do casal, em São Paulo. E hoje, três anos depois, acontece no térreo do sobrado onde vivem, numa rua pacata da zona sul paulistana. A cada jantar – são quatro por mês –, eles conseguem atender até 28 pessoas – 14 delas acomodadas numa mesa única, de frente para a cozinha envidraçada.

O menu degustação, que muda a cada jantar, carrega um pouco da história de cada um. Enquanto Larissa, que nasceu em Rio Verde, interior goiano, traz desde suas referências da cozinha do cerrado até os seus 15 anos como jornalista gastronômica, Rigueiral relembra sua infância em Santos, litoral paulista, e mais de uma década de carreira em cozinha profissional. Um exemplo está no “encontro do mar com o cerrado”, prato elaborado pela dupla. “A memória é o fio condutor de nossa cozinha, mas fazemos o uso de técnicas para torná-la mais moderna”, define Rigueiral.

Vietnã é aqui

Anfitriões por vocação, o casal Dani Borges e Fernando Brito faz jantares vietnamitas em casa.

Receber os amigos em casa sempre foi uma das paixões da jornalista Dani Borges e de seu marido, Fernando Brito. Há cerca de dois anos, o crescente movimento de jantares compartilhados no País inspirou o casal de anfitriões a criar o projeto Jantar no Centro, no qual abrem as portas de seu apartamento no centro de São Paulo para jantares vietnamitas. A cozinha do Sudeste Asiático é outra grande paixão do casal. “Há cinco anos, nós viajamos para o Vietnã e voltamos encantados pela comida local. Isso me instigou a pesquisar sobre a culinária de lá”, conta Dani, que comanda a cozinha. Enquanto isso, Brito cuida dos convidados, cerca de 20, acomodados numa mesa comunitária, que é montada na sala de tevê do casal.

O mignon de porco com caramelo de leite de coco

Embora o projeto tenha começado de forma despretensiosa, ganhou corpo e, no ano passado, foi inaugurado o Bia Hoi SP, pub de estilo vietmamita que traz uma seleção de pratos para compartilhar e cervejas especiais. Como não poderia deixar de ser, receitas que fazem sucesso no Jantar no Centro fazem parte do menu, como o mignon de porco com caramelo de leite de coco, que mescla os sabores doce e salgado – marca da cozinha de Hanoi, capital vietnamita.

Influência mineira

Lombo de cordeiro com purê de banana e ora-pro-nóbis: um dos pratos que carrega as referências mineiras da chef Manoela Lébron

Localizada no bairro paulistano do Brooklin, uma linda casa construída nos anos 1940 é cenário do Marinada, projeto inaugurado no ano passado pelo casal de chefs Manoela Lébron e Igor Martins. No espaço, que também é residência do casal, eles realizam eventos gastronômicos, aulas, consultorias e jantares compartilhados – boa parte voltada para o meio corporativo. “Nosso desejo era receber as pessoas em nossa casa, numa proposta bem mais intimista”, conta Manoela.

Juntos há sete anos, eles se conheceram quando Manoela foi estagiária de Martins na cozinha do D.O.M., de São Paulo. De lá para cá, ambos passaram por inúmeros restaurantes badalados, mas decidiram fazer o caminho inverso: em vez de um restaurante próprio, queriam se envolver num projeto pessoal. “Há dois anos decidimos procurar uma casa que tivesse acessibilidade a todos e que tivesse terra, para que pudéssemos ter a nossa horta”, conta a chef.

O quintal abriga um pé de amora e um limoeiro – mudas trazidas do quintal da avó de Manoela, em Uberaba (MG), terra natal da chef. Aliás, a cozinha mineira está muito presente nos pratos servidos pelo casal, como o pão de queijo feito com polvilho de Araxá (MG) e o lombo de cordeiro na farinha de mandioca com purê de banana e ora-pro-nóbis (da horta do casal), que eles apresentam para esta reportagem.

Fonte: Revista Menu