Um dia após o aniversário de três anos, João Gilbertto Rocha de Oliveira tomou, no último dia 16, a primeira dose do Nusinersen (Spinraza), medicamento necessário para o tratamento de Atrofia Muscular Espinhal (AME). A substância tem alto custo e não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), mas o paciente teve acesso ao medicamento, considerado o único eficaz para o tratamento, após ação da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO) frente à União, para fornecer do medicamento.
João Gilbertto é assistido pela DPE-TO porque teve o atendimento negado pela Defensoria Pública da União (DPU). O Nusinersen (Spinraza) é capaz de estabilizar o avanço da doença degenerativa e ajuda a devolver os movimentos perdidos. Na época da Ação (agosto de 2017), por ainda não ser incorporado no Brasil, o medicamento precisava ser importado dos Estados Unidos, com um custo de quase R$ 3 milhões. Por isso, não havia oferta pelo SUS e nem estava disponível nas redes estadual e municipais de saúde, sendo de obrigação da União arcar com o fornecimento do medicamento.
“No SUS não há nenhum outro medicamento disponibilizado com o mesmo princípio ativo do Nusinersen. Este foi um dos argumentos que utilizamos na ação a fim de garantir ao assistido o acesso ao tratamento de saúde, além da incapacidade financeira da família em custear o tratamento”, pontuou o coordenador do Núcleo Especializado de Defesa da Saúde (Nusa) da DPE-TO, defensor público Arthur Luiz Pádua Marques.
Na ação ingressada pela DPE-TO, a decisão em caráter liminar determinou o fornecimento de seis doses, das quais a União já disponibilizou quatro. Segundo o Defensor Público, essa decisão, apesar de liminar, é satisfativa. “Ou seja, não tem como mudar, porque apesar dela ser uma liminar, já satisfaz o direito que pedimos no mérito, que foi o tratamento, e o tratamento ele [o assistido] já iniciou, então, por mais que a União recorra disso, o medicamento que já foi conseguido e aplicado na criança, a família não vai ter que pagar”, explicou, ressaltando ainda que o novo Código Civil traz a natureza da tutela de evidência, na qual não cabe discussão: “Por exemplo, esse tratamento é a única saída para salvar a vida da criança”.
Na Defensoria
Maria de Jesus Ferreira Rocha, mãe de João Gilbertto, fala, emocionada, sobre a atuação da DPE-TO no atendimento de seu filho. Uma rede de voluntários foi formada para diferentes apoios à família e a campanha “Ame João Gilberto” ganhou as redes sociais. Ela conta que, com a repercussão, muitos advogados a procuraram para cuidar, de forma voluntária, do processo na Justiça a fim de conseguir a garantia do tratamento, mas ela confiou na atuação da DPE-TO: “Eu agradecia a todos que me procuravam, mas eu sabia que estava no melhor lugar do mundo, porque eu confio no trabalho da Defensoria”.
Além da ação para garantir o tratamento da medicação, a família também teve outras demandas atendidas na DPE-TO. “Ali [na Defensoria] foi onde fizeram o trabalho para registrar o João, ali onde foi definido o valor de pensão, foi ali também onde a gente conseguiu os aparelhos para o João usar. Na semana passada eles [a equipe da Defensoria] me ligaram dizendo que tinha um negócio do João que nem lembrava mais, um acerto da pensão. Então, assim, eles tomaram conta de coisas que eu nem tinha noção, do que eu não ia dar conta, e todo mundo pegou nos braços e tocou para frente. Eu já estava me sentido como se eu fosse da casa”, destacou.
Ela conta, ainda, que o principal apoio na luta pelo tratamento veio de seu pai, Elidônio Gomes da Rocha. Com quase 80 anos de idade, ele também se desdobra para os cuidados com o neto. “Esse aqui é o meu esteio”, disse ela, sobre o pai.
Tratamento
A aplicação da primeira dose do Nusinersen (Spinraza) durou cerca de 40 minutos e foi feita pela neurologista Àdria Simões, no Hospital Unimed, em Palmas. Momentos antes do procedimento, em vídeo publicado nas redes sociais, João Gilbertto falou para mãe que iria tomar “gotinhas de vida”, o que emocionou os seguidores da criança que acompanham a luta dela e da família para conseguir o tratamento.
“Ele saiu daqui dizendo que eram ‘gotinhas de vida’, que ia para o hospital tomar gotinhas de vida”, contou a mãe, emocionada. “Foi muito esperado, muito! Muitas noites sem dormir, muito desespero, e chegou o grande dia. Também tivemos medo, porque de certa forma é algo que não temos conhecimento, é uma coisa nova, até para a médica. Mas de certa forma, a alegria tomou conta do medo e foi só alegria”, disse Maria de Jesus.
O medicamento é aplicado por via intratecal, uma injeção dentro do espaço onde circula o líquido cefalorraquiano (que envolve a medula espinhal e o cérebro). Segundo a mãe, a primeira fase do tratamento consiste na aplicação de quatro doses iniciais, ministradas de 15 em 15 dias até a terceira e, depois, com intervalo de um mês, para a quarta. Na quinta e sexta doses, o intervalo é de quatro meses. “Esse é o procedimento de tratamento para o primeiro ano e depois segue a aplicação por tempo indeterminado”, explicou.
Campanha
A campanha “Ame João Gilberto”, organizada nas redes sociais para levantar recursos financeiros para a compra da medicação (criada antes da decisão liminar que garantiu o tratamento), fez nascer uma rede de apoio ainda mais ampla, viabilizando atividades necessárias para a criança, como fisioterapia e natação, por exemplo. Outra iniciativa, como a “carona solidária”, organizou voluntários para o transporte de João Gilbertto a fim de garantir que ele pudesse ir a consultas médicas e outras atividades.
“Essa campanha foi para mostrar o tamanho de Deus na vida da gente e que a gente, sozinha, não faz nada. Ilhados não fazemos nada, é a união que faz a força. E foi isso que ficou, juntos nós somos fortes”, disse, destacando que uma das primeiras voluntárias da rede de apoio é uma servidora da DPE-TO, Priscila Ribeiro.
Com o início do tratamento garantido, a mãe de João Gilbertto informou que a campanha de doações financeiras será suspensa. “Nós não sabemos como vai ser depois do primeiro ano e o dinheiro arrecadado está intacto nas contas do João”, explicou.
Além do tratamento com o Spinraza (Nusinersen), João Gilbertto continuará com os tratamentos complementares com a intensificação da fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e natação.
O medicamento
O Nusinersen (Spinraza) é aprovado pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e pelo órgão regulador de medicamentos nos Estados Unidos. A fórmula é considerada o único tratamento eficaz contra a doença AME. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recebeu, em maio de 2017, o pedido de registro.
Depois de quatro meses de análises, a Anvisa aprovou o remédio, destinado a pacientes com AME, conforme publicado na Resolução – RE nº 2.300, publicada no Suplemento nº 165 do Diário Ofício da União (DOU) de 28 de agosto de 2017.
Assim, o medicamento Spinraza foi liberado para comercialização no Brasil produzido pela Biogen. Atualmente, cada dose custa, em média, R$ 290 mil reais.