A escalada da inflação e a recuperação tímida do mercado de trabalho desencadearam um novo recorde negativo para a economia do país, o do “índice de miséria”. Trata-se de um indicador simplificado que mede a satisfação da população com o panorama econômico atual.

Ele agrega o percentual de desempregados no país medido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor, o INPC, ambos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim, cria-se uma relação básica entre a queda de renda e aumento do custo de vida.

É utilizado o INPC em vez do IPCA porque este é um índice que retrata melhor a cesta de consumo de famílias de renda mais baixa. Segundo o IBGE, a população-objetivo do índice é moradora de área urbana e tem rendimentos de 1 a 5 salários mínimos.

Dentro da metodologia uniformizada pela Pnad em 2012, o mês de maio registra o maior resultado do índice de miséria. Com a taxa de desemprego no Brasil em 14,6% no trimestre encerrado naquele mês, o indicador renovou recorde histórico, chegando a 23,47 pontos.

A redução para parcelas de R$ 300 já havia complicado as finanças da família, mas o término do benefício foi a gota d’água. Antes mesmo da crise, o pai de Hiderlania havia comprometido a renda com empréstimos consignados para tratamentos de saúde. Os pagamentos atrasaram. Sem o auxílio, a renda quase zerou. Mesmo com o retorno em 2021, apenas sua mãe passou a receber R$ 250 mensais.

“Teremos que parcelar o cartão de crédito neste mês, mesmo sabendo que pode virar uma bola de neve”, conta.

 

A boa notícia é que ela conseguiu manter os estudos. Hiderlania quer prestar vestibular para medicina e é bolsista de um cursinho de Fortaleza. Por ora, ela agradece que as aulas continuem sendo remotas. Não sobraria dinheiro para habitação na capital.

Melhora gradual

 

Maria José de Almeida, a Nena, traz boas notícias. Ela falou em reportagem sobre o aperto de rendimentos que encolheu a classe média durante a pandemia. Em abril deste ano, o salário como empregada doméstica havia sido reduzido pela metade e sua filha, que havia perdido o emprego, teve que voltar a morar com ela.

Quatro meses depois, vacinada, retornou ao trabalho integralmente, com salário cheio. Há cerca de uma semana, sua filha também conseguiu voltar ao mercado de trabalho. A escola dos gêmeos Maxsuell e Rikelmy reabriu, o que também ajuda a diminuir as contas da casa.

Nena contou em sua primeira entrevista que foi obrigada a recorrer à antecipação do saque do FGTS para zerar os débitos e não sofrer corte de luz.

“Quando a situação apertou, fiz o empréstimo e levarei três anos para pagar. Mas, pelo menos, o horizonte se tornou positivo”, diz ela.

 

Assim como os demais, reclama dos preços do supermercado e, sobretudo, do gás de cozinha. Mas diz que o retorno ao normal a tem feito “dormir despreocupada”.

Confusão estatística

 

Os resultados do índice de miséria têm um pequeno asterísco, em virtude da recente confusão com as estatísticas de emprego do país. Em suma, houve um descolamento de resultados entre as duas principais pesquisas conduzidas no Brasil.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, costuma usar os resultados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para dizer que o país já colhe recuperação nos índices de emprego. A pesquisa mostra que foram criadas 1,5 milhão de vagas de emprego formal apenas em 2021.

Acontece que o trabalhador que foi mais afetado pela pandemia foi o informal, um campo em que o Caged não gera estatística. A Pnad, do IBGE, embarca os trabalhadores informais nos números, mas pode estar subestimando o número real do emprego porque a sondagem foi totalmente transferida para o formato remoto, feita por telefone.

 

“Certamente houve alguma distorção. O IBGE retornou recentemente a um esquema híbrido, com pesquisas presenciais e atualizando a base de telefones, o que pode captar melhor quem voltou a trabalhar”, lembra Imaizumi, da LCA.

“Por enquanto, não adianta comemorar o Caged porque há muita recuperação a ser feita pelo lado do trabalho informal”, diz o economista.

 

Com a melhora no mercado de trabalho e diminuição dos choques inflacionários, o cálculo da LCA é que o ano deve terminar mais ameno para o índice de miséria. Ao fim de 2021, a consultoria espera que o número caia para 21,58 pontos. Mesmo que a queda se confirme, o indicador continuaria mais alto que todo o ano de 2020.

Fonte: G1