Passaram-se 50 dias desde 16 de agosto, quando a campanha eleitoral oficialmente começou nas ruas. Desde então, pelo menos 325 pesquisas de intenção de voto com abrangência nacional foram registradas no TSE.
Se há uma corrida de institutos de pesquisa e empresas para medir a vontade do eleitor, o quanto o próprio brasileiro leva em conta essas métricas na hora de encarar a urna? O tema motiva a literatura da ciência política nacional e internacional, além de ter levado até mesmo alguns dos principais institutos a incluírem essa pergunta em suas sondagens.
Em pesquisa feita entre os últimos dias 16 e 18 de setembro, por exemplo, o Ibope incluiu a seguinte pergunta: “Quais destas fontes de informação são as três principais que o(a) sr(a) leva em conta para decidir o seu voto?”.
Nas primeiras posições, foram apontados “notícias na TV” (42%); “debate entre candidatos” (38%); e “conversa com amigos, colegas, familiares” (35%). A opção “resultados de pesquisa e prévias eleitorais” aparece em décimo lugar, entre 16 categorias possíveis, apontada por 7% dos entrevistados.
Não há grandes variações em recortes de renda, religião, cor, condição e porte do município ou região do país: nestes segmentos, o percentual varia sempre entre 5 e 9% dos entrevistados que apontam considerar as pesquisas na hora de decidir o voto.
O Datafolha também já fez perguntas do tipo na cidade de São Paulo, mas tem dados mais antigos. Em setembro de 2003, por exemplo, constatou que 40% dos entrevistados não tinham interesse pelos resultados das pesquisas eleitorais; 33% disseram ter médio interesse, 18% alto interesse e 8%, baixo interesse.
Naquele ano, 14% dos entrevistados relataram, diante de uma indecisão, já terem definido o voto em função dos resultados de pesquisas eleitorais (contra 81% que disseram não ter feito isso); 13% admitiram já terem mudado o voto ou deixado de votar levando em conta os resultados das pesquisas eleitorais (contra 87% que não).
Segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil, outras pesquisas pelo mundo que tentaram capturar a influência das pesquisas no voto não foram conclusivas. Por aqui, eles apontam leituras divergentes que enxergam influências menores e maiores, diretas e indiretas.
A pesquisa dos institutos versus a pesquisa no dia-a-dia
Autor dos livros A Cabeça do Brasileiro e A Cabeça do Eleitor, o cientista político Alberto Carlos Almeida avalia que o eleitor médio tem acesso restrito e truncado às informações relativas à política. Isso faria da influência direta no voto das pesquisas, por seu aspecto informacional, algo residual.
“O eleitor faz uma pesquisa informal na vida dele, na sua bolha. Brinco que é comovente ver os candidatos lutando pelo voto útil, porque na prática ele não muda nada”, apontou Almeida em entrevista à BBC News Brasil.
“(Para considerar diretamente as pesquisas em seu voto) o eleitor precisaria ter acesso às pesquisas, confiar nelas, entender e memorizar, comparar metodologias. As pesquisas são muito mais importantes para quem acompanha a política de perto, jornalistas, campanhas, o mercado financeiro.”
Por outro lado, especialistas parecem concordar que as sondagens por si só têm impacto restrito na decisão do eleitor, mas seus resultados podem “animar” as campanhas – no caso, por exemplo, de candidatos que crescem em percentuais. Isto, porém, era mais evidente antes da proibição ao financiamento privado das campanhas, em 2015, quando havia uma correlação entre aumentos nas pesquisas e maior arrecadação de recursos.
Elas também ajudam no diagnóstico sobre candidatos adversários e orientam estratégias.
Segundo o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, no que diz respeito à influência no voto do eleitor, as sondagens ganham outra importância quando apropriadas como discurso pelas campanhas.
“São elas que alimentam as campanhas pelo voto útil, estratégico. Em 2014, na véspera do primeiro turno, Aécio tinha 27% das intenções de voto e acabou passando para o segundo turno com 34%. Com certeza foi um voto útil contra o PT diante do cenário em que Marina Silva perderia para Dilma Rousseff no primeiro turno. Hoje, as campanhas de Geraldo Alckmin e Ciro Gomes estão trabalhando a todo momento com a noção do voto útil; e Jair Bolsonaro para vencer no primeiro turno”, aponta Lavareda, autor do livro Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais.
Em relação às pesquisas que perguntam ao entrevistado a dimensão da influência das sondagens no voto, Lavareda faz uma ressalva: a de que, por motivações emocionais, os participantes tenham resistência em admitir o peso de fatores externos em sua decisão.
“Se você pergunta às pessoas qual é a influência das propagandas, em geral elas vão dizer que não há. A autoestima faz dizer que nosso processo decisório é isento. Mas se a propaganda não tivesse efeito, não teria marketing”, aponta Lavareda.
Os efeitos ‘Maria vai com as outras’ e ‘azarão’
Rachel Meneguello, professora de ciência política da Unicamp, destaca que é preciso entender também a conexão entre as pesquisas e outros circuitos de informação.
“Não é possível ‘separar’ o efeito da pesquisa dentre as várias outras informações geradas pela TV, pelos jornais, pelas redes sociais sobre a decisão do voto, porque esse processo se tornou múltiplo com as novas tecnologias, e, ao mesmo tempo, ele é, em ultima instância, subjetivo”, escreveu Meneguello por e-mail à BBC News Brasil.
Segundo a cientista política, a tese mais frequente da literatura internacional é a do “bandwagon effect” – em tradução livre, algo como o “efeito do vagão”, rementendo a um movimento em direção a quem está na frente, como indica a expressão “Maria vai com as outras”.
“Baseia-se na ideia de que as prévias eleitorais induzem parte significativa do eleitorado a votar no candidato que está à frente nas pesquisas, com mais chances de vitória, contaminando a opinião pública e distorcendo o curso natural dos resultados”, aponta.
Mas a literatura prevê ainda um outro efeito das pesquisas, o “underdog effect” – a tendência do voto no candidato que está nas últimas colocações, o “azarão”.
Confiabilidade das pesquisas
Para Meneguello, se as pesquisas opinião não existissem, tornariam o processo eleitoral menos transparente e apreensível para a população.
“De toda forma, para os políticos em geral a polêmica sobre a influência das pesquisas nunca foi bem resolvida. A divulgação sempre foi considerada um problema porque poderia impactar nos resultados”, aponta.
Ela exemplifica isso com a aprovação, em 2017, de um relatório na Comissão Especial da Câmara dos Deputados para a reforma política. Segundo o documento, a divulgação de sondagens estaria proibida a partir de uma semana anterior ao pleito. A alteração acabou não avançando, mas se somou a uma série de projetos no Congresso que tentam impor mais restrições às pesquisas.
Independentemente das avaliações sobre seu impacto na escolha pelos eleitores, um fato é que as sondagens têm, geralmente, acertado os resultados. Conforme mostrou a BBC News Brasil em abril, cientistas políticos da Universidade de Houston (EUA) já mostraram que pesquisas feitas em países latino-americanos duas semanas antes da votação conseguiram acertar o resultado de 10 entre 11 eleições, entre 2013 e 2014 (uma eficácia de 90,9%).
Um resultado similar aparece em um levantamento do Jota, site jornalístico especializado em cobertura do Poder Judiciário, que avaliou 3.924 pesquisas eleitorais brasileiras nas eleições nacionais de 1998 a 2014.
Histórico: início na década de 40 e impulso no pós-ditadura
No Brasil, institutos de pesquisa de opinião já existem há décadas. A criação do Ibope, em 1942, foi um marco inaugural – desde os primeiros anos, o instituto realizou sondagens pré-eleitorais, apesar se dedicar a outras frentes.
O primeiro concorrente relevante do Ibope, o Gallup, surgiu apenas em 1967, como aponta o artigo Mídia, Eleições e Pesquisa de Opinião no Brasil (1989-2010): Um Mapeamento da Presença das Pesquisas na Cobertura EleitoraL, de pesquisadores da UnB.
Mas foi no período de distensão da ditadura militar que as pesquisas eleitorais ganharam importância no jogo político, passando a incluir sondagens relativas aos governos estaduais. Criado em 1983, o Datafolha colocou-se na eleição de 1989 como terceiro ator importante no segmento.
O TSE regula a realização e divulgação de resultados destas pesquisas desde 1986. Entre aquela década e os anos 2010, houve diversas mudanças na legislação sobre sondagens pré-eleitorais.
Hoje, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, destaca-se no segmento a variedade de atores realizando pesquisas, como bancos de investimento, e de métodos, como experiências com sondagens por telefone.
Mas, apesar do vasto manancial de dados que tais sondagens criam, a medida exata em que elas influenciam o voto do eleitor permanece incerta.
Fonte: BBC