As economias de países asiáticos somadas estão a caminho de superar o Produto Interno Bruto (PIB) de todo o restante do mundo, segundo cálculos de instituições financeiras e jornais especializados com base em projeções de crescimento.
Se as projeções se confirmarem, será a chegada do que vem sendo chamado de “Século da Ásia” ou “Era da Ásia”.
Segundo relatório do banco britânico Standard Chartered Plc, sete das dez maiores economias do mundo serão asiáticas até 2030. E, já no ano que vem, 2020, a China poderá ultrapassar os Estados Unidos como maior economia do mundo, seguida pela Índia, segundo cálculos instituição.
Já o jornal Financial Times prevê – a partir de cálculos feitos com dados do Fundo Monetário Internacional – que os chineses vão desbancar os americanos em 2023. Mas a publicação crava para o ano que vem, 2020, o momento em que as nações asiáticas representarão mais de metade do PIB mundial.
Nos últimos dois séculos, o “Ocidente”, mais especificamente a Europa e os Estados Unidos, foram os motores da economia mundial e da industrialização.
Essa realidade, no entanto, vem mudando rapidamente com o acelerado crescimento da China que, como consequência, tem ajudado a dinamizar as economias dos demais países da região, como Vietnã, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Bangladesh.
A possibilidade de os chineses superarem os EUA econômica e tecnologicamente já causa reações do governo americano. Muitos vêem na guerra comercial iniciada pelo governo de Donald Trump em abril do ano passado uma reação, talvez tardia, a essa ascensão da China.
Não é a primeira vez que os americanos adotam uma postura comercial mais agressiva contra uma nação por encará-la como competidora. Foi o que ocorreu com o Japão nas décadas de 1970 e 1980. O resultado final da disputa com o Japão, encarado como uma vitória americana, contradiz uma argumentação frequentemente usada de que não há vitoriosos em guerras comerciais.
O Japão foi obrigado, entre outras coisas, a abandonar o sistema de câmbio fixo, que mantinha sua moeda artificialmente desvalorizada e barateava suas exportações.
Mas, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a China tem mais possibilidades de se defender das ofensivas americanas e sua ascensão é inevitável.
A Índia também é grande responsável pela chegada do Século Asiático e, segundo projeções, deve passar de quinta maior economia do mundo para terceira, já em 2023.
Diante desse cenário, como países emergentes, como o Brasil, devem se preparar para a chegada do século ou era da Ásia?
Segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o primeiro passo é investir em aumentar as relações comerciais e políticas com China, Índia e demais países asiáticos.
Desde que tomou posse, o presidente Jair Bolsonaro tem focado em se aproximar dos Estados Unidos, em vez de fortalecer laços com a China, principal parceiro comercial do Brasil.
No entanto, pode ser que o pragmatismo econômico esteja começando a prevalecer. Bolsonaro vai aproveitar a reunião do G-20 em Osaka, no Japão, entre os dias 28 e 29, para fazer reuniões bilaterais com o presidente chinês, Xi Jinping, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, o premiê do Japão, Shinzo Abe, e com o primeiro-ministro de Cingapura, Lee Hsien Loong.
De olho no objetivo final
Segundo pesquisadores que se debruçam sobre estratégias de desenvolvimento, um eventual aumento do comércio do Brasil com nações asiáticas pode resultar em destinos opostos para o nosso país, dependendo do projeto de desenvolvimento a ser adotado pelo governo.
Para o professor de Política Econômica e Desenvolvimento da Universidade de Oxford Diego Sánchez-Ancochea, o Brasil tem duas opções:
– Pode aproveitar o crescimento do mercado consumidor dessas nações para ampliar a venda de commodities (produtos básicos, como alimentos e minério) e se especializar ainda mais como país exportador de produtos agrícolas ou;
– Utilizar os recursos que vierem do aumento das vendas de commodities para lançar uma estratégia de diversificação da produção e industrialização, além de tentar atrair investimentos diretos da China para setores de infraestrutura e tecnologia no Brasil.
Mas, antes de discutir a forma como o Brasil poderá aproveitar o boom asiático, é preciso entender por que esse continente será tão importante para o comércio exterior brasileiro.
Concentração de mercado consumidor e produção
Além de passarem a ter as economias de maior valor de PIB do mundo a partir de 2020, os países asiáticos concentrarão grande parte do mercado consumidor de classe média como resultado da gradual ascensão econômica da população.
Isso significa que se tornarão a maior fonte consumidora de produtos que outras nações exportam.
A Ásia, segundo dados das Nações Unidas, é morada de metade da população mundial. Mas, por muitos anos, boa parte dos cidadãos da região vivia em situação de miséria, portanto, não eram grandes consumidores.
“Isso tem mudado com o desenvolvimento econômico. A China acaba de remover 800 milhões de pessoas da linha da miséria que serão consumidores”, destaca o professor de Relações Internacionais Marcus Vinicius de Freitas, da China Foreign Affairs University, em Pequim.
Ou seja, além de a Ásia já abrigar mais de metade da população mundial, está a caminho de ter a maioria dos consumidores de classe média do mundo.
E, conforme a mão-de-obra na China vai ficando mais cara, como resultado do crescimento econômico, empresas chinesas se transferem para outras nações asiáticas em busca, principalmente, de custos mais baixos de produção, refletido sobretudo em salários menores.
Esse fenômeno acaba propagando o dinamismo econômico chinês para o restante da Ásia.
“À medida que o PIB da China aumenta, aumenta também o preço da mão-de-obra por lá. Então, muito do que é feito na China passa a ser produzido nos países da região, como Indonésia, Nepal, Vietnã”, afirma o professor Marcus Vinicius de Freitas.
“Portanto, você acaba tendo um crescimento econômico nesses países.”
Algumas nações asiáticas apresentam projeção de crescimento impressionante. É o caso das Filipinas que, segundo dados compilados pelo Financial Times, passará de 13ª economia do mundo em 2000 para a sexta posição no ranking em 2023.
Reações dos EUA
Uma amostra de que a Era Asiática está perto de se tornar realidade é justamente a reação dos Estados Unidos que, segundo as previsões econômicas, até 2023, perderá o posto de maior economia do mundo para a China.
Com a justificativa de que o deficit de US$ 419 bilhões em 2018 no comércio bilateral com a China é intolerável, o governo Donald Trump iniciou uma guerra comercial baseada em aumento de tarifas de importação sobre bens chineses.
O pano de fundo dessa disputa, porém, é tecnológico, lembra Diego Sánchez- Ancochea, da Universidade de Oxford. Os americanos acusam os chineses de roubo de segredos tecnológicos e quebras de patentes.
Um dos principais alvos dos americanos tem sido a gigante de telecomunicação chinesa Huawei, uma das detentoras da tecnologia 5G de celulares.
Os EUA impuseram uma série de restrições para que a Huawei possa comercializar seus produtos em território americano, além de prever sanções para empresas americanas que utilizem componentes fabricados pela companhia chinesa.
O argumento usado por Trump é que a Huawei e seus equipamentos podem ser usados para espionagem por parte do governo chinês, o que a empresa nega.
As medidas dos EUA foram duras a ponto de o Google ter de suspender seus aplicativos e serviços nos novos smartphones da Huawei. E a empresa chinesa anunciou que terá lucro US$ 30 bilhões menor do que o previsto para 2019, justamente por causa das sanções americanas.
Uma história que se repete
O temor dos EUA de ser superado pela Ásia na área de tecnologia já gerou outras guerras comerciais no passado.
Na década de 1980, o Japão crescia rapidamente, se tornando uma potência tecnológica. Empresas americanas começaram a acusar o país asiático de práticas comerciais desleais.
Naquela época, assim como ocorre hoje com China e EUA, a balança comercial entre Japão e EUA estava negativa para os americanos, especialmente porque o iene (moeda japonesa) desvalorizado frente ao dólar tornava os produtos industrializados japoneses, especialmente automóveis e autopeças, mais baratos que os americanos.
Curiosamente, em 1989, Donald Trump, que naquela época era empresário, usou contra o Japão o mesmo discurso que hoje, como presidente, vem adotando para promover a guerra comercial com a China.
“Eles têm sistematicamente sugado o sangue da América. Temos que taxá-los até o inferno”, disse o hoje presidente americano sobre o Japão, em entrevista ao programa de TV The Morton Downey Junior Show.
E foi justamente isso que o governo americano fez nas décadas de 80 e 90. Tarifas e cotas de importação foram adotadas para limitar a entrada de produtos japoneses, a ponto de o Japão ser pressionado a assinar o Plaza Accord, em 1985 – acordo que autorizava intervenção no mercado cambial para desvalorizar o dólar frente ao iene.
O efeito foi extremamente negativo para o Japão, que passou por uma forte desaceleração econômica nos anos seguintes. A crise foi tão grave que os anos 80 e 90 são conhecidos como “décadas perdidas” para os japoneses.
Os EUA podem replicar essa estratégia com a China – e vencer?
Mas se os americanos se saíram vitoriosos na guerra comercial contra o Japão, o ambiente para replicar esses resultados com a China não é tão favorável. Marcus Vinicius de Freitas, da China Foreign Affairs University, em Pequim, aponta três diferenças fundamentais.
A primeira diz respeito ao tamanho populacional da China, que é muito maior que o do Japão.
“A China tem uma população muito maior que a do Japão. Ou seja, tem um mercado consumidor interno capaz de manter a economia dinâmica”, diz Freitas.
A segunda diferença está relacionada à visão da comunidade internacional sobre as disputas comerciais encabeçadas pelos Estados Unidos.
“Diferentemente da década de 80, hoje existe no mundo certa fadiga em relação ao que os EUA têm feito. Muitos acreditam que a ordem internacional tem que ser reformulada, por isso há um ambiente mais crítico em relação às ações americanas”, argumenta o professor.
Por fim, a terceira diferença que torna a China mais difícil de combater que o Japão é o número de parceiros comerciais que o gigante asiático foi capaz de formar ao longo dos últimos anos.
“A China, diferentemente do Japão no seu processo de crescimento econômico, se transformou no país com maior quantidade de parcerias comerciais do mundo”, resume Freitas.
A aliança com o Brasil é um exemplo claro de como a diversificação de parcerias protege a China dos efeitos da guerra comercial. Ao ter seus produtos taxados pelos EUA, a China retaliou aumentando impostos sobre bens agrícolas americanos.
Mas os chineses conseguiram fugir do desabastecimento de alimentos recorrendo a outros parceiros. O Brasil, por exemplo, passou a exportar mais para a China, principalmente soja, em substituição aos produtos americanos sobretaxados.
Em 2018, primeiro ano da guerra comercial, as exportações brasileiras para o gigante asiático cresceram 35% na comparação com 2017, gerando uma balança comercial positiva para o Brasil em US$ 30 bilhões, conforme dados da Confederação Nacional da indústria.
“A Guerra comercial com a china acaba ferindo a própria economia americana e, no longo prazo, pode provocar uma desaceleração econômica mundial”, observa o professor John Kirton, diretor do grupo de estudos do G20, da Universidade de Toronto.
Ou seja, será muito mais difícil para os EUA frear a ascensão da China, e da Ásia como um todo, apenas replicando as táticas usadas contra o Japão.
E como o Brasil deve se comportar nesse cenário?
Para o Brasil, que já tem na China o seu principal parceiro comercial, a chegada da Era da Ásia pode ser uma oportunidade para expandir ainda mais sua exportação de alimentos e usar os recursos dessas transações para investir em industrialização, afirmam os especialistas em política econômica e relações internacionais ouvidos pela BBC News Brasil.
Mas, para isso, é preciso planejamento. O economista britânico Jim O’Neill, criador do termo Bric, para designar Brasil, Rússia, Índia e China, diz que tanto países desenvolvidos quanto os que ainda estão em desenvolvimento, deveriam aprofundar as relações diplomáticas e comerciais com países asiáticos.
Ele alerta, porém, que não é recomendável abandonar os demais parceiros ocidentais.
“É importante tentar manter e melhorar as relações bilaterais com a China, Índia, Indonésia, Vietnã, porque eles parecem ter algumas décadas de prosperidade pela frente e tendem a se tornar investidores e mercados consumidores importantes”, disse à BBC News Brasil.
“Ao mesmo tempo, é desaconselhável apostar todas as fichas nisso.”
Industrialização ou especialização em venda de commodities?
Os especialistas apontam ainda que o Brasil precisa ser estratégico ao reforçar os laços com países asiáticos, se não quiser se limitar a ser um mero exportador de commodities.
Nas últimas décadas, o Brasil se desindustrializou. Em 2018, bens primários, como óleo bruto e grãos, representaram metade de todas as exportações brasileiras.
Até 2005, produtos manufaturados (com algum nível de industrialização, ainda que mínimo) eram mais da metade das exportações brasileiras. Em 1993, por exemplo, os bens industrializados eram 60% das vendas brasileiras ao exterior, segundo dados do Ministério da Economia.
Ou seja, o Brasil tem se especializado cada vez mais em ser produtor e exportador de alimentos, o que deixa o país vulnerável a variações nos preços das commodities.
Se o preço cai, as receitas com exportações caem também e a economia brasileira pode entrar em crise. Além disso, quanto mais valor agregado o produto carrega maior tende a ser o preço.
Portanto, para Diego Sánchez-Ancochea, da Universidade Oxford, o Brasil deve se preparar de antemão para a Era da Ásia, para direcionar os recursos das vendas de commodities para setores específicos da indústria.
Ele defende ainda que, além de reforçar as relações com nações asiáticas, o governo brasileiro volte a focar em parcerias com países da América do Sul, para vender a eles os bens manufaturados que produzir.
De fato, países sul-americanos são alguns dos grandes compradores de manufaturados brasileiros. É para a Argentina que o Brasil vende a maior parcela de seus produtos industrializados por exemplo.
“O Brasil pode continuar a exportar bens primários para a China e expandir para outros países asiáticos, mas aproveitando essa oportunidade e esses recursos para investir novamente em manufatura”, diz.
“Ou pode se limitar a exportar bens primários à Ásia e manter seu modelo econômico. Eu temo que o Brasil opte por essa última alternativa. É o que fez durante as gestões do PT e é o que parece estar fazendo agora.”
Na gestão do PT, o Brasil ensaiou, porém sem sucesso, adotar medidas de incentivo à industrialização nacional, como fizeram diferentes países em diferentes estágios de seu desenvolvimento.
Para Sánchez-Ancochea, reforçar laços com países vizinhos é essencial para escoar bens industrializados brasileiros porque, na visão dele, não há espaço para a venda de nossos manufaturados à China e demais países asiáticos.
“Você não pode ir à China e simplesmente dizer que quer exportar novos produtos para eles, como fez o vice-presidente Hamilton Mourão”, diz.
“É muito difícil para o Brasil competir na China, no setor de manufaturas. Não é lá que o Brasil vai encontrar mercado para isso.”
Atrair empresas e investimentos chineses
Já Marcus Vinicius de Freitas, que vive há dois anos na China, acredita que o Brasil pode atrair investimentos chineses para obras de infraestrutura e negociar a possibilidade de abrigar empresas asiáticas.
“Seria interessante convencermos as empresas chinesas a se transferirem para o Brasil, para que agreguem valor, no Brasil, a matérias primas que hoje exportamos para a Ásia e que depois voltam ao nosso país como bens industrializados.”
Entre as vantagens que o Brasil pode oferecer estão a proximidade com países sul-americanos e rotas de escoamento pelo mar para a África.
“E o Brasil é um parque de diversões para os chineses em termos de possibilidades de infraestrutura.”
Mas, para que o nosso país consiga vender à China parcerias e cooperação, é preciso, acima de tudo, conhecimento sobre esse gigante asiático – saber suas necessidades, lacunas e ambições.
“O Brasil precisa conhecer a China e entender as oportunidades. Temos que ter mais gente trabalhando e estudando na China para buscar essa aproximação bilateral”, diz o professor da China Foreign Affairs University.
Fonte: BBC Brasil
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