Era o dia 9 de julho de 2014. A Argentina havia acabado de derrotar a Holanda nos pênaltis e chegar à final da Copa do Mundo. Mas todo mundo ainda tentava assimilar o inesperado resultado da outra semifinal.
O Brasil havia sido aniquilado pela Alemanha por 7 a 1. Qual seria o futuro da seleção brasileira?
“O Brasil mudará por completo seu sistema de jogo?”, me perguntou o apresentador de rádio Mark Chapman.
“Espero que sim”, respondi, com o temor de que, após um período de luto, as coisas continuariam a ser como antes – e foi o que aconteceu.
Um beco sem saída com Dunga
Pouco depois da Copa, o Brasil tomou uma decisão bizarra e recolocou Dunga no cargo de técnico.
O ex-meio-campista havia comandado a equipe entre 2006 e 2010. Sua única experiência do tipo havia sido sua malsucedida passagem pelo Internacional.
Ele não era o homem adequado para comandar uma mudança total no time. A escolha dele para o posto era uma forma de negar a realidade, ainda que sinalizasse uma aceitação dos dirigentes de que haveria muitas críticas.
Se estamos sob ataque, pensava a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Dunga é o nosso homem. Um tipo agressivo que aparentemente acreditava que o mundo conspirava contra ele. Dunga contra-atacaria fogo com fogo.
Dois anos depois, passado um terço das eliminatórias para a Copa de 2018, o Brasil estava em sexto lugar, fora do grupo que se classificaria para o torneio.
Havia um temor real de que o país ficaria de fora e mancharia seu histórico de ter participado de todos os Mundiais até então – e isso quase aconteceu.
Mas, pouco antes das Olimpíadas, houve uma edição extra da Copa América, realizada nos Estados Unidos, para celebrar o centenário desse torneio.
A seleção brasileira empatou com o Equador, perdeu para o Peru e foi eliminado na fase de grupos. Foi o fim da linha para Dunga, e o então técnico do Corinthians, Adenor Leonardo Bachi, mais conhecido como Tite – o nome mais popular para assumir o cargo em 2014 – foi o escolhido para substitui-lo.
O resto é história.
Houve algumas mudanças na equipe. Paulinho, que estava na China, foi chamado novamente, uma decisão polêmica que se provou um sucesso retumbante.
Tite ainda fez outra aposta em Gabriel Jesus para resolver um problema com a posição de centro-avante, e foi imediatamente recompensado.
Fora esses dois jogadores, o mesmo time que estava à disposição de Dunga obteve resultados bem diferentes sob o novo comando.
Uma campanha de classificação até então problemática tornou-se um passeio no parque. O time de Tite venceu 10 jogos, empatou em 2, marcou 30 gols e levou só 3.
E continuou com esse bom desempenho em amistosos, chegando à Rússia entre os favoritos, merecidamente.
Há uma pergunta óbvia a ser feita: como um único homem pode fazer tanta diferença?
Brasil: de inovador a perdedor
A resposta tem a ver não só com o mérito inquestionável de Tite, mas também com as deficiências de seus colegas e o beco sem saída no qual o futebol brasileiro se encontrava.
Havia dois problemas – os perigos do sucesso e os riscos do isolamento.
O futebol brasileiro não nasceu grande. Ele chegou a esse patamar como resultado de um processo. A seleção brasileira ganhou três Copas em quatro desses torneios, entre 1958 e 1970, por estar à frente dos outros times em termos de preparação e tática.
Já em 1958, a equipe tinha uma enorme equipe de médicos, um dentista, um especialista em preparação física – e até mesmo uma tentativa prematura de usar um psicólogo esportivo.
O grande Mário Zagallo, que foi jogador em 1958 e 1062 e técnico em 1970, quase caiu para trás quando contei a ele que a Inglaterra foi para a Copa de 1962, no Chile, sem um médico sequer.
E, em termos de tática, o time havia incorporado ideias de técnicos uruguaios, argentinos e húngaros, misturado tudo isso e criado algo novo. Foi pioneiro ao usar uma linha de quatro defensores, em vez de três como nas formações mais tradicionais da época.
Quando a tática foi empregada em 1958, que até hoje foi a única vez que o Brasil ganhou uma Copa disputada na Europa, a maior cobertura defensiva fez com que o time não tomasse um gol até a semifinal. Em 1970, o Brasil foi além. Zagallo tornou-se um pioneiro do 4-2-3-1.
Mas esse sucesso tão grande tornou o Brasil preguiçoso e complacente e o fez acreditar nos próprios mitos de seu talento natural para o futebol.
E, conforme o esporte progrediu, o país ficou perigosamente isolado. Quase nenhum técnico brasileiro foi trabalhar em clube de elite europeu – e aqueles que tentaram não conseguiram durar no cargo.
O Brasil foi pego completamente desprevenido pela revolução promovida por Pep Guardiola há uma década. Muitos no futebol brasileiro acreditavam que a evolução física havia tornado um estilo de jogo baseado na posse de bola algo impossível e que o caminho a seguir seria fortalecer os jogadores e usar contra-ataques rápidos pelos flancos.
Isso estava perigosamente ultrapassado, como mostrou duramente a Alemanha, que havia incorporado algumas ideias de Guardiola e conseguiu diversas vezes avançar pelas laterais do Brasil para conquistar uma vitória por 7 a 1.
Tite – aprendendo lições na Europa
Tite é uma exceção nessa história do fracasso brasileiro em aprender e evoluir.
À primeira vista, seu currículo não se destaca. Ele começou como jogador no Caxias em 1978, passou pelo Esportivo de Bento Gonçalves, Portuguesa e Guarani, mas aposentou-se precocemente, aos 28 anos, por causa de uma série de lesões.
Passou a atuar como técnico em 1990, no Guarany de Garibaldi. Ele foi de emprego em emprego, passando por times como Caxias, Veranópolis, Ypiranga de Erechim, Juventude, Grêmio, São Caetano, Corinthians, Atlético Mineiro, Palmeiras, Internacional e Al-Wahda, sendo demitido da maioria deles.
Nunca trabalhou na Europa – diz que nunca conseguiria realizar um trabalho excelente se tivesse de falar outro idioma, ainda que, aos 57 anos, possa estar mudando de posição quanto a isso.
Mas, além de sua incrível capacidade de comunicação – ele tem um estilo parecido com o de padres moderninhos -, ele tem uma mente curiosa e sempre disposta a aprender algo novo.
Quando tornou-se conhecido, no início deste século, Tite era um especialista em 3-5-2. Depois, no Internacional, ele trabalhou com o meio de campo argentino Andres D’Alessandro, que explicou a ele como funcionava o europeu 4-4-2.
Isso atiçou o interesse de Tite, que passou longos períodos na Europa estudando como os principais times jogavam.
Uma grande diferença em comparação com o estilo de jogo da América do Sul é que os times europeus atuam de forma compacta – e ele levou isso para o Corinthians, que, em 2011 e 2012, conquistou os títulos brasileiro e sul-americano e bateu o Chelsea na final do Mundial de clubes.
Aquele time ficou conhecido por suas vitórias de um gol só. Sua natureza compacta tornou difícil enfrentá-lo. Era uma equipe baseada na solidez da defesa.
Tite foi então estudar mais na Europa e voltou sua atenção para como as melhores equipes conseguiam obter uma superioridade numérica em partes do campo nas quais poderiam trazer prejuízos para o adversário.
Isso foi aplicado uma vez mais ao Corinthians, que ganhou o título brasileiro de 2015 com uma equipe que agia de forma compacta para viabilizar possibilidades de ataque – ter os jogadores próximos uns dos outros criava opções de passe.
E foi essa ideia tática que Tite levou para a seleção brasileira.
Em novembro de 2016, depois de a Argentina ser derrotada por 3 a 0, o conhecido ex-técnico argentino Cesar Luis Menotti era só elogios: “Ele adiantou a linha de defesa em 20 metros e manteve o time reunido. É como o Brasil de 1970”.
Tite conseguirá tirar o melhor de Neymar?
Tite está por toda parte nos anúncios de TV. Enquanto Dunga se parecia com um guerreiro, o técnico brasileiro atual tem uma pose de homem sábio com o dom de se comunicar “olho no olho”. Um de seus críticos se referiu a ele como um “encantador de serpentes”.
Até agora, o Brasil encantou. Com o time embalado, a audiência na TV das partidas de classificação para a Copa foi bastante alta. E com o país em uma espiral de crises econômica e política, a seleção tornou-se, para muitos, uma fonte de esperança.
Se Tite disputasse a eleição presidencial deste ano, ele seria um dos favoritos – ao menos, antes da Copa. Fazendo jus ao seu estilo, ele se recusa a sequer brincar com algo tão sério.
O técnico tornou-se uma estrela tão grande quanto o atacante Neymar, mesmo sem buscar isso. O sucesso do time dependerá muito da relação entre eles nas próximas semanas.
O time brasileiro hoje não depende tanto de Neymar como em 2014. É uma equipe bem mais coerente, coesa e funcional, como provou nas recentes vitórias contra Rússia e Alemanha, quando Neymar ainda se recuperava de uma lesão.
Mas é claro que o talento do jogador é uma grande vantagem, ainda que traga junto dois problemas em potencial.
Um deles é seu desejo pela glória individual, que nem sempre vai ao encontro de interesses do time. Foi o caso em novembro, no empate em 0 a 0 com a Inglaterra, onde, constantemente, Neymar tentou fazer coisas demais.
Neymar é tão bom e enxerga as coisas tão rapidamente que tem uma série de opções de como agir. Sob pressão, ele escolherá o que é melhor para o time? Tite precisa garantir que sim.
E ele também precisa controlar a petulância ocasional do atacante. Há momentos do jogo em que Neymar parece obcecado em cavar faltas. Ele cai muito facilmente. Os adversários ficam incomodados, a temperatura do jogo sobre, e Neymar pode se tornar uma vítima disso.
Em 14 partidas das eliminatórias, ele recebeu seis cartões amarelos. Se isso ocorrer na Copa, ele pode facilmente ficar de fora de uma partida crucial.
E, desta vez, o Brasil precisa que ele participe até o fim de uma campanha que espera que termine com o hexacampeonato e seu primeiro título conquistado na Europa em 60 anos.