Renato Astur escreveu um livro para contar o seu depoimento como paciente com câncer de pulmão que nunca fumou – Foto – Maria Isabel Oliveira
Em agosto de 2019, o vendedor Renato Astur descobriu o câncer de pulmão aos 57 anos. Ao se incomodar com uma tosse seca que teimava não ir embora, ele foi em busca de um diagnóstico. Após mais de três meses passando de consultório em consultório — e ter seu sintoma erradamente associado a refluxo —, recebeu o diagnóstico de câncer depois de fazer uma tomografia. O exame só foi indicado pela pneumologista por “precaução”, já que Astur não integrava o grupo de risco: além de não fumar, ele tinha uma alimentação saudável e era um adepto de várias atividades físicas, como natação no mar, ciclismo e montanhismo.
— A profissional que fez a tomografia saiu de trás daquela parede e vidro e me perguntou: “Você veio aqui por quê?”. Respondi que era porque minha tosse não passava. Questionei se tinha dado algo no exame, e ela me respondeu que minha médica falaria comigo. No mesmo dia a secretária da pneumologista me ligou dizendo que a médica queria falar naquela tarde. Fui no consultório. A médica me mostrou a tela do computador e estava tudo branco, dos dois lados. Questionei o que era aquilo e ela disse que provavelmente era câncer. Aí o meu chão abriu. Porque, até então, tudo o que você sabe sobre esse tipo de doença que é que você vai morrer rápido.
Diante do desafio de tratar o câncer que já estava em estágio avançado e com metástase, ele decidiu escrever o livro “Eu não fumo” (editora Chiado), com direitos autorais doados ao Hospital do Graac, referência no tratamento do câncer infantojuvenil.
O câncer de pulmão é o segundo tipo de tumor mais comum no país e atinge cerca de 30 mil brasileiros por ano. Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam que o tabagismo é responsável por cerca de 90% dos diagnósticos desse tipo de tumor. Não há dúvidas de que o principal fator de risco para a doença é o tabagismo. Por isso, a grande maioria dos casos está concentrada em fumantes ou ex-fumantes. Entretanto, casos como o de Astur têm se tornado mais comum no mundo todo e a tendência chama a atenção de especialistas.
Um estudo feito recentemente nos Estados Unidos, com 12.103 pacientes com câncer de pulmão descobriu que entre 1990 e 1995, pessoas que nunca haviam fumado representavam 8% do total de casos da doença. Entre 2011 e 2013, a participação dessas pessoas subiu para 14,9%. Os autores descartaram problemas estatísticos e concluíram que “a incidência real de câncer de pulmão em nunca fumantes está aumentando”. Outro estudo no mesmo ano, com 2.170 pacientes no Reino Unido, mostrou um aumento ainda maior: a proporção de pacientes com câncer de pulmão que nunca fumaram aumentou de 13% em 2008 para 28% em 2014.
De acordo com o oncologista William Nassib William Júnior, diretor de Oncologia Clínica e Hematologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, grande parte dessa tendência se deve à redução do número de fumantes. Como há menos fumantes na população, de cada 100 pacientes com câncer de pulmão, o número dessas pessoas será menor e, consequentemente, o de não-fumantes aumentará.
Por outro lado, há indícios de que a incidência absoluta de câncer de pulmão em nunca-fumantes vem aumentando. Vale ressaltar que isso não significa que alguém que nunca fumou tem uma chance maior de desenvolver câncer de pulmão hoje do no passado. Um dos obstáculos para entender melhor essa tendência é o avanço no diagnóstico, que também contribui para mais detecção da doença.
— Estamos ficando melhores em diagnosticar esses tumores. As tomografias têm técnicas mais modernas e isso contribui para um aumento nos diagnósticos — explica o médico.
O exame utilizado para identificar a doença é a tomografia do tórax. Ainda não há uma diretriz nacional para o rastreio do câncer de pulmão na população de risco. Mas, diretrizes internacionais recomendam a realização do exame por fumantes ou pessoas que pararam de fumar há menos de 15 anos, que tenham fumado pelo menos um maço de cigarros por dia por 20 anos. A orientação é realiza-lo a cada um ou dois anos, a partir dos 50 a 55 anos de idade.
No Brasil, a falta de uma diretriz a esse respeito contribui para esse ser um exame ainda pouco difundido.
— Raramente, as pessoas vão em um médico generalista e ele se atenta que a pessoa se inclui nos critérios para essa tomografia — alerta William.
O rastreio de câncer de pulmão não é recomendado para a população em geral porque os custos são considerados maiores do que os benefícios. Ainda assim, o exame pode detectar câncer de pulmão em um número significativo de pessoas que nunca fumaram. Segundo William, na Ásia, onde esse tipo de tumor é mais comum em não fumantes do que no resto do mundo, já estão sendo realizados estudos para avaliar o custo-benefício de recomendar o rastreio para toda a população, a partir de certa idade. O médico ressalta, porém, que mesmo que o resultado desse estudo seja positivo, a recomendação deverá se adequar a cada país e população.
— Nem tudo que é feito lá pode ser aplicado diretamente aqui. Para esses exames serem úteis, é preciso ter uma certa incidência de câncer de pulmão porque se for muito raro, o exame não irá identificar. Mas esse tipo de abordagem já começa a surgir — diz o oncologista.
Uma ferramenta que começa a ser desenvolvida são exames de sangue para detectar câncer de pulmão precoce. Se de fato acontecer, será uma forma muito mais simples e acessível de rastrear esse tipo de tumor na população. Mas o desenvolvimento ainda é bastante preliminar.
Ainda não está muito claro para a medicina o que quais são as causas do câncer de pulmão em não fumantes. Alguns fatores que sabidamente aumentam o risco da doença, além do tabagismo, são: fumo passivo, poluição, exposição a substâncias nocivas, como o radônio, pó de vidro e amianto, e histórico familiar. Infecções pulmonares crônicas e doenças pulmonares, como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), também parecem aumentar o risco.
Um estudo conduzido pelo Instituto Nacional do Câncer dos EUA mostrou que o câncer de pulmão em não fumantes tem origem em mutações genômicas. O trabalho, publicado na revista Nature Genetics, descreveu, pela primeira vez, três subtipos moleculares de câncer de pulmão em pessoas que nunca fumaram.
Dados mostram também que as mulheres correm maior risco que os homens, por exemplo. Mulheres que nunca fumaram têm duas vezes mais chances de desenvolver câncer de pulmão do que os homens que nunca colocaram um cigarro na boca. Ainda não está claro o porquê disso.
Melhora no tratamento
O câncer de pulmão é a principal causa de morte relacionada ao câncer. A principal explicação para isso é a identificação tardia. Apenas 16% dos casos são descobertos no estágio inicial da doença.
— Em estágio inicial, o câncer de pulmão geralmente não causa sintomas. Quando eles aparecem, o tumor já está avançado — ressalta William.
Além da melhora na identificação da doença, o desenvolvimento de novos tratamentos pode ajudar a mudar esse cenário e isso já começou a acontecer. Dados do o Relatório Anual para a Nação sobre a Situação do Câncer, dos EUA, indicam que as taxas de mortalidade para homens e mulheres com câncer de pulmão estão diminuindo ainda mais rápido do que sua incidência desde 2011. A queda na quantidade de fumantes e o aumento nos diagnósticos da doença podem explicar parcialmente esse fato. Mas especialistas acreditam que os avanços no tratamento são os principais responsáveis pela tendência.
Na última década, terapias mais tradicionais, como cirurgia, radiação e quimioterapia para câncer de pulmão de células não pequenas, que corresponde à maior parte deste tipo de tumor, melhoraram e muitos novos tratamentos apareceram. Estes incluem imunoterápicos, que estimulam o próprio sistema imunológico do paciente a combater o tumor, e terapias-alvo, indicadas para alterações genéticas específicas observadas em alguns tumores.
Os tumores dos que nunca fumaram tendem a presentar menos mutações e a responder melhor aos medicamentos de terapia-alvo. Mas indicação desse tipo de tratamento exige a realização de testes moleculares.
A principal forma de prevenir o câncer de pulmão é não fumar. Para aqueles que fumam, largar o cigarro também diminui drasticamente o risco da doença.
— Cada ano que a pessoa para de fumar, diminui o risco de desenvolver câncer de pulmão e diversas doenças, como pressão alta, acidente vascular cerebral (AVC), além de melhora na qualidade de vida. Inclusive, pacientes com câncer que param de fumar, respondem melhor ao tratamento — pontua diretor de Oncologia Clínica e Hematologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Outras formas indiretas de prevenção incluem uma alimentação saudável, fazer exercícios físicos com regularidade e evitar bebida alcoólica. Embora os sintomas do câncer de pulmão tenham maior probabilidade de aparecer em uma fase mais avançada da doença, é importante estar atento ao seu surgimento. Os mais comuns são:
- tosse, em geral seca e incessante
- falta de ar
- dor no peito
- escarrar sangue
- emagrecimento não explicado
- perda de apetite
- fadiga.
Fonte – O Glovo via globo.com