As eleições de 2020 podem ser consideradas as mais diversas na história do Brasil até aqui em termos de candidaturas. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), houve este ano um recorde de postulantes autodeclarados pardos e negros – que, pela primeira vez, ultrapassaram os brancos – e um aumento também na participação das mulheres, que correspondem a 33,1% do total.

Mas a população brasileira está disposta a votar pela renovação e diversidade na política?

Para entender as motivações do eleitor, que podem ter impacto direto no resultado das eleições municipais de 2020, o Instituto Update, organização da sociedade civil que pesquisa e fomenta a inovação política na América Latina, realizou, em parceria com o Datafolha, uma pesquisa de opinião que, de forma inédita, apresenta uma análise mais ampla sobre as dinâmicas da representatividade política no Brasil.

 

Viabilidade eleitoral de mulheres e negros

A pesquisa revela que os eleitores não veem mulheres e pessoas negras em geral como menos viáveis eleitoralmente (ou seja, com menos chances de se eleger). Entre as mulheres, as negras são o grupo visto como o mais eleitoralmente viável – inclusive em comparação aos homens: 44% dos respondentes indicaram que uma mulher negra teria muita chance de ser eleita, em comparação a 34% quando o candidato é identificado como um candidato negro, e 31% quando a cor de pele da candidata ou candidato não foi identificada. Em geral, os eleitores também se mostram tão dispostos a votar em mulheres quanto em homens.

 

Renovação

Os eleitores avaliam também que candidatos e candidatas que contam com apoio do atual prefeito têm mais chances de se eleger – ainda que a minoria se mostre disposta a votar nessas pessoas (46%). Isso sugere que o eleitorado brasileiro apresenta hoje uma disposição para votar em nomes de fora da política tradicional. Esse apoio, no entanto, também varia entre candidaturas de homens e mulheres: os brasileiros estão mais inclinados a votar em uma candidata mulher apoiada pelo prefeito (51%) do que em um candidato homem apoiado por esse mesmo político (38%).

Por outro lado, os resultados da pesquisa indicam que a maioria dos eleitores votaria em um candidato ou candidata quem têm apoio de um líder comunitário (72%) ou de uma iniciativa de renovação política (59%)

 

Iniciativas de renovação

Quando perguntados sobre o que pensam sobre “iniciativas, cursos, e financiamentos fora dos partidos que buscam ajudar pessoas de fora da política a se elegerem”, 31,5% dos eleitores veem essas iniciativas como “boas ou ótimas”,  38% como “regulares” e 26% como “ruins ou péssimas” (4% não souberam opinar). Esse resultado, em grande parte positivo, contrasta com o baixo nível de confiança nas instituições políticas tradicionais. Nesse sentido, 49% dos respondentes afirmam não confiar nos partidos políticos, 47% dizem confiar pouco e apenas 4% confiam muito.

E as iniciativas de renovação são ainda mais bem-vistas quando relacionadas ao trabalho de ajudar “pessoas de fora da política, como mulheres e negros, a se elegerem”. Nesse cenário, 58% dos eleitores enxergam essas iniciativas como boas ou ótimas, 26% como “regulares” e 13% como “ruins ou péssimas”.

No geral, 25% dizem que o fato de um candidato participar de uma dessas iniciativas aumenta a chance de receber o seu voto, enquanto 52% acreditam que isso não interfere em sua decisão, e 5% não soube avaliar. Já quando perguntados especificamente sobre iniciativas dedicadas a ajudar mulheres e pessoas negras, esse percentual aumenta consideravelmente: 41% dos eleitores passam a dizer que o fato de um candidato fazer parte de uma dessas iniciativas aumenta a possibilidade de receber seu voto.

É fundamental ressaltar, entretanto, que, quando perguntadas sobre quais iniciativas conhecem, a maior parte das pessoas mencionou políticas públicas ou organizações que têm outros propósitos – como cotas para mulheres e o ENEM. Isso pode sugerir que os eleitores ainda não conhecem ou têm informações mais precisas sobre iniciativas de renovação, embora demonstrem entusiasmo para inovações na política.

“Há anos pesquisas de opinião mostram que os brasileiros votam em mulheres e pessoas negras, mas ao olhar para as nossas câmaras, repletas de homens brancos, podemos dizer que essas intenções não chegam às urnas. Entender por que isso acontece foi o que nos motivou a realizar esta pesquisa. O resultado que temos aqui corrobora o encontrado em outros estudos experimentais, sugerindo que há outros mecanismos que fazem com que a representação seja tão escassa no Brasil. Queremos alimentar com evidências o debate sobre a renovação política e colaborar com a busca de caminhos práticos para o enfrentamento dessa situação”, afirma Gabi Juns coordenadora de programa do Instituto Update

Metodologia

Inovadora na temática, sendo a primeira realizada em nível representativo nacional com ênfase na renovação política, a pesquisa é também pioneira por utilizar – na abordagem deste tema – perguntas estratégicas no questionário que permitem extrair melhor a veracidade nas respostas; ou seja, será possível captar se os eleitores e eleitoras estão, de fato, interessados em votar pela renovação. Isso vai favorecer também uma compreensão da visão do eleitorado sobre a viabilidade de mulheres, pessoas negras e pessoas LGBTI+ chegarem ao poder. A pesquisa está sendo desenvolvida para o Instituto Update pelos cientistas políticos Dra. Malu A. C. Gatto (University College London), Dr. Guilherme Russo (Fundação Getulio Vargas, CEPESP) e Dra. Débora Thomé (LabGen-Universidade Federal Fluminense), que possuem experiência internacional e publicações sobre o tema.

“O questionário que elaboramos para o Instituto Update é único por focar nas várias dinâmicas relacionadas aos obstáculos e as oportunidades para a maior diversidade na representação política. Além disso, a partir dos dados, podemos analisar a percepção dos eleitores e eleitoras sobre as instituições que promovem a diversidade na política, as iniciativas de renovação e a viabilidade eleitoral de candidaturas de grupos sub-representados”, explica a professora Malu Gatto, que coordena a pesquisa.

Os resultados apresentados serão combinados com análises de dados oficiais do TSE e entrevistas em profundidade realizadas pelo Instituto Update com candidatos e candidatas desta eleição. O estudo completo estará disponível no início de 2021.