Texto: Claudio Paixão

A trajetória da estudante Nahuria Rosa Karajá Javaé, 32 anos, iniciou cedo. Aos 15 anos, em 2004, ela havia concluído o ensino médio na Colégio Estadual Tiradentes, de Formoso do Araguaia e, em 2005, ingressou na Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Araguaína, para cursar Medicina Veterinária. O ensino fundamental ela também fez em uma unidade de ensino da rede estadual, a Escola Estadual João Gomes Aguiar, no antigo Porto do Piauí, que atualmente é a Aldeia Txuiri.
A busca pelo caminho da educação foi estimulada pelo seu pai, Idjarruri Karajá, que faleceu em 2004, sem ver a filha ingressando no curso superior. Os desafios enfrentados por Nahuria começaram quando ela teve que deixar a aldeia para cursar o ensino médio em Formoso do Araguaia. “Nos seis primeiros meses, eu ia para a escola e voltava para a aldeia diariamente, mas o aproveitamento não era bom e optamos pela mudança para a cidade. Depois, na graduação, a mudança para Araguaína. A cada mudança, o desafio de me adaptar à nova realidade”, destacou.

As mudanças experimentadas por Nahuria Rosa também foram vivenciadas por seu pai, que ainda criança deixou a aldeia, na Ilha do Bananal, para concluir o antigo primeiro grau (atualmente ensino fundamental). Nos anos 1970, uniu-se a outros estudantes em Brasília para formar a União Nacional Indigenista (Unind). Sofreu represálias do regime militar e viu companheiros serem mortos. Em março de 2003, Idjarruri representou o Brasil como um dos três delegados no encontro para discutir o desenvolvimento institucional indígena, no México. Foi representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira.

Matéria publicada no Jornal de Brasília (DF), em 15/08/1986, dava conta de que Idjarruri Karajá era candidato a deputado federal pelo PMDB de Goiás e que havia organizado um comício político nas aldeias de Santa Izabel e de Fontoura, situadas na parte sul da Ilha do Bananal. A pretensão de Idjarruri era atuar na Constituinte, sobretudo, na defesa das terras indígenas. Ele considerava que, caso essa pauta não fosse levada à Constituinte, o extermínio dos povos indígenas continuaria. Era defensor da formação de uma frente indígena no Legislativo.

“Meu pai era um homem do mundo, saiu da Aldeia Santa Isabel do Morro, com 12 anos. Com 17 anos ele dava palestras em inglês, espanhol e português, falando em defesa das terras indígenas. Um dia, estávamos sentados embaixo de uma mangueira, em um ponto mais alto da ilha, olhando para a praia, aquele sol que parecia deixar o horizonte tremendo, foi quando uma pessoa passou e ele me disse: ‘Não quero que você fique assim com um barrigão, carregando uma bacia cheia de roupa’. Na minha aldeia, as meninas têm filho cedo”, lembrou.

A cena que lembra uma produção cinematográfica e as palavras do pai foram suficientes para motivar Nahuria a querer um futuro diferente para ela e para o seu povo. Em 2005, ela ingressou no curso de Medicina Veterinária, mas também havia sido selecionada para o curso de Engenharia Agrícola da Universidade Luterana do Brasil. Concluiu o curso de Medicina Veterinária e, na sequência, ingressou no Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal Tropical (PPGCat), da UFT, onde fez mestrado e doutorado. Em 2017, ela se tornou a primeira indígena doutora na área de ciências animais do Brasil.

A escolha do curso foi uma decisão tomada junto com os pais, considerando os benefícios que podia trazer para o seu povo. “Com a minha conquista, eu estou mostrando para o meu povo que é possível. Tem uma dose muito grande de sacrifício, de esforço, mas é possível. E eu sou muito feliz por ver que já inspirei algumas pessoas a buscarem esse caminho da educação. Minha família gosta de estudar, tem pedagogos, enfermeiros. Eu não herdei o lado político do meu pai, mas tenho o desejo de ter condição de desenvolver um projeto que possa gerar transformações a partir do fortalecimento da cadeia produtiva da Ilha do Bananal, com a criação de animais de grande porte. Um projeto desenvolvido pelos indígenas e para os indígenas”, pontuou.

Para Nahuria, hoje existe uma demanda real de formação para que os povos indígenas possam ter uma vida digna. “Temos a assistência, mas não temos projetos que ensinam fazer, que dão autonomia à população indígena. É isso que eu quero promover para o meu povo, essa possibilidade de que eles tenham condição de aproveitar a capacidade produtiva da Ilha, para se desenvolverem economicamente. Um projeto que também alcance as pessoas em situação de vulnerabilidade, os mais idosos e as crianças. Nós vamos fazer, nós vamos conseguir, juntos!”, defendeu.

Depois de uma breve passagem pelo estado de Goiás, em 2019, Nahuria voltou para Formoso do Araguaia, onde abriu uma clínica em que atende animais de pequeno porte. De acordo com ela, com o seu trabalho, está construindo as bases para levar para a sua aldeia o projeto que tanto almeja. “É um projeto que exige investimentos e que, hoje, eu não tenho condição de executá-lo. Mas tenho certeza de que no futuro será possível. E, hoje, precisamos, sim, buscar o caminho da educação para chegarmos onde queremos”, ponderou.

Educação
Essa é a segunda matéria da série, dentro do Abril Indígena, que evidencia o impacto da formação e do trabalho desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação, Juventude (Seduc) que, ao longo dos anos, tem atuado para promover a formação integral da população indígena, seja por meio da oferta da educação básica, do ensino fundamental ao médio, para todos os sete povos do Estado ou por meio do Cursos de Formação de Professores em Magistério Indígena, que visa capacitar os professores indígenas do Tocantins.
Foto: Divulgação Dicom Seduc/Governo do Tocantins