Com o objetivo de defender seus território e os direitos indígenas garantidos pela Constituição, caciques e lideranças do povo Xerente e Krahô se reuniram para analisar e buscar caminhos, diante da atual conjuntura indigenista com o governo Jair Bolsonaro. O encontro foi realizado na aldeia Traíra, Terra Indígena Xerente, município de Tocantínia, a 70 km de Palmas (TO), entre os dias 24 a 27 de janeiro, e contou com a presença de pelo menos 180 indígenas.
“De forma alguma vamos aceitar retrocessos em nossos direitos”, foi o recado que veio a partir dos debates. Os indígenas manifestaram preocupação com as medidas adotadas pelos atual governo, assim como com os ataques à vida, cultura, territórios e direitos indígenas. “O fato de retirar a Funai do Ministério da Justiça e alocar no Ministério da Agricultura significa que o agronegócio vai paralisar todo processo de demarcação de terras indígenas, vai anular a demarcação das terras, e paralisar as terras que estão em processo de conclusão de demarcação”, aponta com preocupação Eliane Franco Martins, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Goiás/Tocantins.
Outra questão relacionada à política indigenista, e que preocupa os Xerente e Krahô, se trata da proposta de arrendamento das terras indígenas para empresas do agronegócio, sobretudo dos setores agropecuário e da mineração.
“Não concordamos (também) com o presidente Jair Bolsonaro ao promover o preconceito e a violência contra os povos indígenas”
Conforme os indígenas, o mais grave de toda a situação é que não foi preciso aprovar nenhuma proposta legislativa anti-indígena, daquelas que tramitavam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, caso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215; medidas provisórias e decretos presidenciais são os instrumentos escolhidos pela nova gestão. “Não concordamos (também) com o presidente Jair Bolsonaro ao promover o preconceito e a violência contra os povos indígenas”, denunciam.
“A atual conjuntura e as medidas do governo Bolsonaro são um incentivo para o aumento da violência contra os povos indígenas, contra suas organizações e criminalizam as lideranças que lutam pela demarcação e proteção de seus territórios”, relata Eliane.
“não vão permitir que os direitos conquistados e reconhecidos na Constituição de 1988, sejam destruídos e jogados no lixo pelo atual presidente do Brasil”
Ao término do encontro, os indígenas Xerente e Krahô divulgaram uma carta onde reafirmam que “não vão permitir que os direitos conquistados e reconhecidos na Constituição de 1988, nos Art. 231 e 232, sejam destruídos e jogados no lixo pelo atual presidente do Brasil”.
Ressaltaram que se manterão em alerta, organizando-se e mobilizando-se, nas regiões e junto ao movimento indígena do país. Se for preciso, destacam, até internacionalmente. Para os povos Gerente e Krahô, só com mobilizações os indígenas conseguirão combater o retrocesso no tocante a seus direitos e territórios. Exigem, acima de tudo, a demarcação de todas as terras indígenas do Brasil.
Confira a carta na íntegra:
Nós lideranças indígenas do povo Xerente e do povo Krahô, reunidos entre 24 a 27 de janeiro, na aldeia Traíra, para debater e criar estratégias na defesa e garantia de nossos direitos na Constituição Federal, reafirmamos que de forma alguma, vamos aceitar nenhum retrocesso em nossos direitos.
Não permitiremos que este governo coloque a FUNAI nas mãos dos produtores rurais, sendo estes os maiores inimigos dos povos indígenas já declarados neste país.
Pedimos que o Ministério Público Federal – MPF entrem com uma ação contra a MP 870/2019 que retira a FUNAI do Ministério da Justiça e a coloca no Ministério da Agricultura e no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, e exigimos que a FUNAI retorne imediatamente para o Ministério da Justiça de forma integral.
Nós lideranças, não concordamos com o presidente Jair Bolsonaro em promover o preconceito e a violência contra os povos indígenas. Nós lideranças indígenas também pedimos ao Ministério Público Federal – MPF que entre com uma ação para revogar o decreto sobre a posse de arma de fogo, que modifica o Decreto 5.123/2004, que permite a posse de armas. Nós povos indígenas não somos a favor da violência e o povo brasileiro não está preparado para lidar com tantas armas. A função do presidente da república é promover a paz e oferecer a qualidade de vida para seu povo, e não incentivar ainda mais a violência.
Nós povos indígenas sempre cuidamos da Mãe Terra, cuidamos da natureza, cuidamos das águas, e a terra sempre foi e será o mais sagrado para os povos indígenas, por isso, não vamos aceitar nenhuma redução dos territórios indígenas e o que vamos exigir deste governo, é que ele cumpra o que está estabelecido na Constituição Federal de 1988 no art. 231 e no artigo 67 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, que a União deve demarcar as terras indígenas em um prazo de cinco anos. Esta é uma das principais funções deste governo, demarcar e regularizar todas as terras indígenas que estão com os processos administrativos paralisados.
Nós lideranças indígenas reunidos neste encontro, manifestamos que não somos a favor da violência e não aceitamos os pronunciamentos do presidente da república, que são preconceituosos, são um insulto, promovem a violência, ameaçam os territórios e retiram os direitos dos povos indígenas. Vamos continuar respeitando as terras indígenas, a natureza, a água e vamos manter nossa firmeza, exigindo a continuidade da demarcação das terras indígenas no Brasil.
Vamos garantir todos os nossos direitos, que as lideranças indígenas que morreram, garantiram para nossos filhos, vamos continuar as lutas deles e não vamos recuar aos pronunciamentos e ações contra nós povos indígenas do presidente Jair Bolsonaro.
Chega de violência contra os povos indígenas do Brasil!
Demarcação Já!
Aldeia Traíra, 27 de janeiro de 2019.
Fonte: CIMI