O bioma perdeu cerca de 7.015 km² de sua vegetação nativa, um aumento de 9% em relação aos 12 meses anteriores
O desmatamento no Cerrado entre agosto de 2023 a julho de 2024, anunciado ontem pelo Governo Federal, pôs abaixo uma área equivalente a quatro cidades de São Paulo. O bioma perdeu cerca de 7.015 km² de sua vegetação nativa, um aumento de 9% em relação aos 12 meses anteriores. Os números revelam a falta de uma estratégia eficiente para a preservação do bioma, segundo um porta-voz da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Até na Amazônia, onde foi registrada uma redução de 45% no desmate, a área suprimida chama atenção: foi de 4.314,76 km², quase três vezes o tamanho da maior cidade do país.
“A queda do desmatamento da Amazônia, já detectada no ano passado, parece ter consolidado a tendência e pode ser interpretada como consistente. No entanto, é importante salientar que ainda temos taxas muito altas em termos absolutos”, explica Beto Mesquita, membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil. “No Cerrado, estamos vendo que os governos, federal e estaduais, ainda não encontraram estratégias que estejam surtindo efeito. O bioma apresenta uma tendência de avanço do desmatamento, apesar de ter havido uma retração dele nos últimos quatro meses. Batemos recorde em 2023 e, agora, este ano.”
A discrepância entre as iniciativas para combater o desmatamento nos dois biomas passa por um entrave relevante. Segundo Mesquita, ao contrário da Amazônia, onde a maior parte do desmatamento é ilegal, no Cerrado, mais de 90% das áreas desmatadas são autorizadas pelos governos estaduais, dentro dos limites previstos no Código Florestal. Ainda que haja indícios de irregularidades nestes desmatamentos, como área maior do que a autorizada e falta de cumprimento das condicionantes, para reduzir o desmatamento no Cerrado serão necessárias ações de comando e controle com incentivos econômicos para a proteção das áreas naturais.
“A Amazônia está no foco do mundo. O governo priorizou o bioma, o que está correto. Mas tem um outro fator que é fundamental, do ponto de vista de políticas públicas: é mais fácil combater o problema lá porque 90% do desmatamento é ilegal, criminoso. Assim, se você consegue apertar a fiscalização, como foi feito, surge um efeito quase imediato”, assinala Mesquita. “Já no Cerrado, existe a percepção, por parte dos proprietários rurais, de que haverá medidas para estancar este desmatamento. Eles pensam, então: ‘vamos correr para desmatar o que a gente pode’. Logo, o problema lá não é a grilagem. São imóveis privados que têm a autorização dos estados para devastar a vegetação. Isso torna tudo mais complexo.”
Para Mesquita, é fundamental que os governos federal e estaduais criem medidas de incentivos, sejam fiscais, tributários ou financeiros para os proprietários de terras no Cerrado, a fim de estabelecer restrições ao desmatamento na região.
“Na Amazônia, está se combatendo crimes. No Cerrado, são áreas permitidas, por isso é necessário estabelecer restrições, que precisam vir acompanhadas de incentivos. E o governo federal precisa vir junto aos estados no sentido de monetizar os produtores para evitar o desmatamento, seja com redução de taxas de juros no Plano Safra ou por meio de subsídios cruzados, por exemplo. Não é algo simples, mas é preciso fazer. Senão, vamos salvar a Amazônia e acabar com o Cerrado”, alerta.
Sobre a Coalizão
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento composto por mais de 390 organizações, entre entidades do agronegócio, empresas, organizações da sociedade civil, setor financeiro e academia. A rede atua por meio de debates, análises de políticas públicas, articulação entre diferentes setores e promoção de iniciativas que contribuam para a conservação ambiental e o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.