Ativista e membra do Mães da Resistência, Melyssa Chaves, o filhe e o esposo – Foto – Arquivo Pessoal/Divulgação

Lucas Eurilio, Gazeta do Cerrado

O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIAPN+ , sobretudo a população trans e as travestis. A Comunidade LGBTQIAPN+  sofreu um baque e vários ataques, principalmente nos últimos quatro anos.

Em seu primeiro dia de governo, Jair Bolsonaro retirou da pasta dos Direitos Humanos, diretrizes que criavam políticas públicas para a população LGBTQIAPN+ e ficamos completamente à mercê. Tudo que havia sido conquistado, parecia estar desmoronando.

No meio do caos, o Supremo Tribunal Federal (STF), criminalizou a homofobia e a transfobia em todo o país, em 13 de junho de 2019, onde por 8 a 3, os Ministros decidiram que atos preconceituosos contra a homossexuais e travestis é crime e devem ser enquadrados no crime de racismo. O Brasil foi o 43º país a criminalizar a LGBTfobia, conforme o Relatório Homofobia Patrocinada pelo Estado.

Já na volta de Lula ao Palácio do Planalto, a Secretaria LGBTQI+ foi criada e faz parte do organograma do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, chefiado pelo ministro Silvio Almeida.

No Tocantins, nada se tem feito no quesito políticas públicas que promovam a Diversidade das nossas identidades e gênero e pouco se tem avançado também. Recentemente a cidade de Porto Nacional se tornou pioneira e foi a primeira do Estado a começar discussões para a criação de políticas municipais para pessoas transexuais e travestis.

Em 2014, há nove anos, o Plano Estadual de Promoção da Cidadania e Direitos LGBTQIAPN+ foi engavetado, mesmo já tendo sido discutido e elaborado o documento com Secretarias Estaduais e a Sociedade Civil. Na época, a justificativa da Secretaria de Defesa Social, atual Secretaria de Cidadania e Justiça, foi de que o texto do projeto estava em desacordo e precisava passar por adequações.

Mas um olhar ‘diferenciado’ está chegado ao Estado com a ONG Nacional Mães da Resistência, que fará sua primeira reunião em Palmas, nesta quinta-feira, 2, no auditório do Sintet, na Arne 14, antiga 110 Norte, a partir das 18h.

O objetivo é, além de implementar a Coordenação Estadual da ONG no Tocantins, conversar, acolher e mostrar que existe uma saída que não seja o preconceito,  para que os filhos, filhas,  filhes, mães, pais e familiares tenham uma relação saudável e desconstrua os medos e inseguranças que os rodeiam.

A responsável pela ONG aqui no Estado será a ativista e mãe da resistência, Melyssa Chaves. Ela é componente do Conselho Deliberativo, Diretora do Núcleo de Direitos Humanos e vai se configurar Coordenadora Estadual após a reunião.

Mães da Resistência em uma de suas ações pelo Brasil – Foto – Arquivo Pessoal

Em uma entrevista especial à Gazeta do Cerrado, nesta quinta-feira, Melyssa contou que ela e as pessoas que compõem a ONG Mães da Resistência já fazem esse trabalho  e estão no ativismo desde 2011 e em 2021 a ONG passou a existir com CNPJ.

Ela contou também um pouco sobre sua relação com seu filhe e sobre a emoção de poder ajudar mães, pais e familiares que se sentem ‘perdidos’, de certa forma.

Melyssa Chaves, ativista – Foto – Arquivo Pessoal

Veja abaixo a entrevista completa

Encontro com Symmy Larrat, Secretária Nacional LGBTQIA+, Ministério dos Direitos Humanos, quando entregamos os 18 pontos de pauta de políticas públicas para nossos filhos, filhas e filhes – Foto – Arquivo Pessoal

Gazeta do Cerrado – Qual é o objetivo do Encontro?

Melyssa Chaves – Nós somos uma associação nacional de mães, pais e pessoas que cuidam de pessoas LGBTQIAPN+ e nós estamos presentes em três Estados do Brasil, mais o DF, mas não estamos ainda no Tocantins. Eu morava na Bahia, assumi os trabalhos da ONG por lá e agora eu vim morar no Tocantins, em Taguatinga e estou tentando abrir a Coordenação aqui, e vou conseguir, porque os desafios nos movem. O Objetivo desse encontro é justamente isso, conseguir reunir mães, pais, filhos, filhas e filhes, pessoas que cuidam, aliados, movimentos sociais, pra gente sair dessa reunião com a Coordenação do Tocantins, já formalizada pra que a gente consiga iniciar os trabalhos da ONG aqui no Estado. O encontro é uma reunião ampliada que vai contar também com a participação dos movimentos sociais, representantes do Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, foram convidados e esperamos reunir o máximo de pessoas possível.

Gazeta do Cerrado – Em tempos difíceis para a Comunidade LGBTQIAPN+, quão é importante os filhes terem apoio da família, principalmente dos pais?

Melyssa Chaves – Nós vivemos sim, momentos difíceis, mas vencemos uma barreira tão monstruosa e começar a ter esperança de que tudo que foi desmontado, em termos de políticas públicas, em termos de disseminação de inverdades, de desinformação é uma vitória. A gente costuma dizer que a ignorância é a mãe do preconceito e da discriminação. A gente entende que esse é um momento de virada de chave, precisamos aproveitar esse momento e ocupar o nosso espaço enquanto famílias. Nosso objetivo é o fortalecimento das famílias. Enquanto mãe, nós entendemos que as dúvidas, os medos, tudo que é fruto desse modelo binário de organização de sociedade, solidificado por um patriarcado que define os padrões que seriam corretos para a sociedade, tudo isso nos assusta quando a gente reconhece, quando a gente nasce de novo como mãe, porque a gente diz que quando um filho, uma filha, ou um filhe nasce LGBTQIAPN+ , se declara, sai do armário , ou qualquer outro termo que queira se usar, nasce também uma nova mãe, que tem que aprender tudo de novo, porque não tá naquele modelinho padrão que nós temos forjado. Então é muito importante que nós entendamos sim que os nossos medos comuns, mas que temos ferramentas incríveis a partir da informação, de nos despirmos de preconceitos e modelos estereotipados, que a gente pode construir um mundo mais justo para acolher nossos filhos, filhas e filhes, porque, sobretudo, são seres humanos que nós amamos demais e a gente se orgulha demais do que vocês são, das identidades que vocês construíram ou com as quais vocês nasceram. A gente só precisa de um momento de entendimento, de coração aberto, pra entender e de pessoas que estejam dispostas a nos ajudar nesse entendimento e assim a gente vai criando uma rede de apoio, de amor, de informação, de orgulho e de força pra luta.

Gazeta do Cerrado – E a relação com seu filhe?

Melyssa Chaves – A minha relação com meu filhe é maravilhose. Meu filhe é um grande orgulho pra mim, elu hoje se entende como uma pessoa não-binária, se relaciona atualmente com homens e é minha fonte de pesquisa, meu ‘googlezinho’ . Então assim, eu aprendo com elu todos os dias. Como me posicionar, onde buscar informações , o quê que elu gosta de ouvir, e a gente aplica esse conhecimento e levamos para outras mães, outras famílias. Então, hoje meu relacionamento com meu filhe é maravilhoso. Agora como a gente chegou a isso. Normalmente esse relacionamento, esse sentimento, acaba contaminando, mas de forma positiva, as outras famílias também. Porque a gente mostra, a partir da experiência de cada uma de nós, que aqui e ali, vai ter pontos de convergência, que as relações, elas tendem a melhorar dia após dia, que a gente se despe dos nossos preconceitos, das heranças que nós temos dessa sociedade patriarcal milenar.

Gazeta do Cerrado – Qual a emoção de poder ajudar outras mães e famílias?

Melyssa Chaves – É uma emoção que a gente sente todo o dia e que só se renova. É emocionante demais a gente vê que consegue tocar o relacionamento de uma família, transformar o olhar de mães para seus filhos sem culpas. Diminuir, mitigar esses receios, esse medos que são comuns a todas nós. E não pensem que essa emoção acaba com tempo, essa emoção nos acompanha todos os dias no nosso ativismo. É um trabalho totalmente voluntário, a gente não tem convênio, a gente não tem ajuda. É um trabalho totalmente voluntário, nós nos cotizamos com é possível e o nosso pagamento é justamente sentir essa emoção, é a cada encontro, poder abraçar um de vocês, cada uma das mães, das famílias e sentir que posa, nós somos capazes de construir um mundo melhor e que isso só depende de nós. Na construção desses laços familiares a gente aprende também que vai ter gente que não vamos conseguir mudar. A gente nem tira essas pessoas da família. A gente com as nossas ferramentas de mudanças de comportamentos, aquelas que provocam gatilhos que não são legais e aí a gente vai impondo na nossa convivência, o fim de determinadas coisas, de piadinhas sem graça, de falas preconceituosas, a gente vai pedindo respeito, e isso vai fazendo com que alguns familiares se afastem de fato. Então, fica quem importa e essas outras pessoas a gente deixar pra outros seres, outra energia do universo modificar .

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