Nos últimos três anos, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos recebeu 462 denúncias de violações cometidas por líderes religiosos – o equivalente a uma média de três denúncias por semana. O dado inédito, obtido pela Pública através da Lei de Acesso à Informação (LAI), revela que, desse total, 167 casos envolvem denúncias de violência sexual. Esse foi o tipo de denúncia mais comum que o ministério recebeu em 2016 envolvendo lideranças religiosas.
As denúncias a que a Pública teve acesso foram coletadas pelo Disque 100, serviço 24 horas do ministério que recebe relatos de violações de direitos humanos por telefone, site e aplicativo e as encaminha a órgãos de proteção, como as polícias, promotorias do Ministério Público e tribunais de justiça, entre outros. O conteúdo das denúncias é mantido sob sigilo.
Os dados vão ao encontro do que a ministra Damares Alves afirmou na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara – segundo ela, líderes religiosos são os principais abusadores de mulheres e crianças. A ministra chegou a afirmar que uma a cada dez denúncias do tipo envolve lideranças religiosas.
“Vou fazer esse enfrentamento. Vamos enviar uma proposta em que a pena por abuso seja agravada se for cometida por um líder religioso”, disse à época. Segundo reportagem, no início de maio, Damares enviou ao ministro da Justiça, Sergio Moro, um projeto de lei para agravar a pena de crimes de abuso sexual cometido por profissionais que se aproveitam de situações de confiança para cometer as violações. A Pública questionou o ministério sobre o conteúdo do projeto, mas a pasta não respondeu até a publicação da reportagem.
Denúncias acusam líderes religiosos de negligência, violência psicológica e sexual
Entre 2016 e 2018, a maior parte das denúncias envolveu situações de negligência, isto é, quando líderes religiosos são acusados de maus-tratos, por exemplo, como privação de cuidados básicos, como acesso a alimentação, medicamentos e higiene. O segundo tipo de violação mais denunciado foi violência psicológica; o terceiro, violência sexual.
As cidades de onde mais partiram as denúncias são, em sua maioria, capitais. Dos dez municípios com maior número absoluto de relatos, sete são capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Manaus, Salvador, Fortaleza e Belo Horizonte, nessa ordem. As exceções entre as dez cidades com mais denúncias são Nova Iguaçu, no estado do Rio, Ribeirão Pires, no interior paulista, e Aparecida de Goiânia, em Goiás.
Igrejas e templos são o lugar onde mais teriam ocorrido as violações – quase uma a cada quatro denúncias revela esse tipo de local. O número é próximo ao das denúncias que apontam a casa da vítima. Em seguida vêm outros locais, casa do suspeito e na rua. Há, ainda, denúncias de escolas, manicômios, hospitais psiquiátricos, casas de saúde e abrigos para idosos.
Quem denuncia enfrenta demora no atendimento e pode não ter demanda atendida
Em maio deste ano, o Ministério dos Direitos Humanos divulgou dados oficiais que mostraram que a quantidade de denúncias em 2018 foi cerca de 10% menor que no ano anterior. “Não podemos precisar se isso [a queda das denúncias] foi em função da ineficiência do atendimento”, justificou o ouvidor nacional de Direitos Humanos, Fernando César Ferreira. Contudo, o próprio ouvidor reconheceu que o Disque 100 tem problemas, como a demora no atendimento – há casos em que o tempo de espera para atendimento de uma chamada chega a 50 minutos. Ainda de acordo com o ministério, 40% das chamadas não são respondidas.
A Pública questionou o ministério se há alguma estimativa de quantas denúncias recebidas foram confirmadas ou resultaram em alguma ação dos órgãos responsáveis, mas, novamente, não obtivemos resposta até a publicação da reportagem.
Segundo o ouvidor, será criado um Sistema Integrado Nacional de Direitos Humanos, que deve reunir as denúncias que hoje chegam pelo Disque 100 e aquelas do 180, destinado a denúncias de violência contra mulheres.
Fonte: Agência Pública
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