
A educação financeira deixou de ser um diferencial para se tornar questão de sobrevivência no mercado de investimentos, à medida que a diversificação internacional deixa o campo do nicho e entra na estratégia padrão do investidor.
Impulsionadas por um cenário de juros globais mais atraentes e pela facilitação do acesso a ativos como o XRP dólar, as corretoras brasileiras iniciaram uma corrida silenciosa — e urgente — por conhecimento, transformando a capacitação de seus assessores no principal trunfo nesta disputa.
A constatação de que os profissionais não estavam totalmente preparados para orientar clientes sobre aplicações no exterior ecoou em um evento recente da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), tornando pública uma lacuna que as instituições já se esforçam para preencher.
“A carteira do brasileiro é de investimentos locais e a diversificação internacional tinha uma barreira de custo, estrutura e oferta. Ao longo dos últimos 10 anos, vimos uma maior abertura para o mercado oferecer esse tipo de produto”, explicou Marcelo Billi, superintendente de Sustentabilidade, Inovação e Educação da Anbima.
Abertura de mercado: mais do que tecnologia, a necessidade de um guia
A democratização do acesso foi o primeiro passo. Plataformas digitais transformaram em realidade a possibilidade de, com alguns cliques, comprar um ETF listado em Nova York ou expor a carteira a flutuações de criptomoedas e do dolár.
“A barreira estrutural vem diminuindo, e agora o desafio é educar o profissional e o cliente”, afirma Marcelo Billi. Esse desafio se tornou mais premente com a mudança no perfil e no interesse do investidor brasileiro. Embora o conforto da renda fixa doméstica ainda exista, há uma percepção crescente de que a diversificação geográfica é uma estratégia necessária para o equilíbrio do portfólio.
A revolução do conhecimento: como as corretoras estão se preparando
Diante dessa nova demanda, a palavra de ordem dentro das corretoras é capacitação contínua. “Quem não estiver pronto para falar sobre investimentos no exterior, vai ficar para trás. É uma questão de sobrevivência e, principalmente, de cuidado com o cliente”, alerta Juliana Benvenuto, coordenadora de Alocação e Inteligência da Avenue.
A Avenue, pioneira nesse mercado, trata a educação como um projeto de longo prazo. Desde 2022, a corretora oferece projetos de capacitação para seus parceiros, abordando desde argumentos comerciais até o complexo funcionamento do mercado americano, planejamento tributário e sucessão patrimonial no exterior. Apenas em 2024, foram realizadas mais de 350 sessões de treinamento ao vivo.
Já o BTG Pactual aposta em uma abordagem institucionalizada por meio de sua universidade corporativa, a BTG Bankers. “A capacitação dos assessores é feita pela universidade corporativa interna BTG Bankers, com vídeos, trilhas de conhecimento e materiais de apoio”, detalha Victor Ferreira, head de Capacitação da instituição.
O objetivo, segundo ele, é que o aprendizado não seja um evento pontual, mas um hábito constante. O banco está preparando uma certificação específica em conteúdo offshore para ser lançada em 2026, um selo de distinção de conhecimento para seus assessores.
Para ir além, algumas instituições literalmente levam seus profissionais para fora do país. Líderes do BTG já participaram de treinamentos em universidades de ponta nos Estados Unidos, como Columbia e Wharton.
A Monte Bravo também adotou essa estratégia, promovendo imersões que misturam gestão e inovação, e trazendo para o Brasil palestrantes de renome internacional para inspirar suas equipes.
A educação ao alcance de todos
Consciente de que a mudança precisa ser de todo o mercado, a Anbima decidiu agir e lançou uma micro certificação gratuita e online, focada exclusivamente em investimentos internacionais. São cinco trilhas de aprendizagem, com cerca de três horas de duração no total, disponíveis para qualquer pessoa na plataforma Anbima Edu.
“Percebemos que o tema cresceu muito e vimos que os profissionais estavam sendo demandados, então decidimos lançar a microcertificação. Quem faz ela aprende muito mais do que é exigido nos exames”, diz Billi. “É um esforço adicional”.
Colhendo os frutos: confiança que se transforma em resultados
Todo esse investimento maciço em capital humano já começa a mostrar resultados tangíveis. Felipe Carbonar, diretor comercial da Monte Bravo, compartilha um dado revelador: quase 15% dos R$ 45 bilhões que a corretora administra já estão alocados fora do Brasil. A expectativa é elevar esse patamar para 20% a 25%.
“Temos trabalhado incansavelmente para capacitar nossos profissionais, porque acreditamos que um assessor bem-informado é a ponte para um cliente bem-sucedido”, relata Carbonar. “Tratamos do tema ‘offshore’ toda semana, sem falta. Isso criou uma cultura interna que fez toda a diferença no nosso crescimento”.
No final das contas, a história que se desenha não é só sobre números, criptomoedas ou taxas de câmbio. É sobre pessoas. É sobre o assessor que, após um treinamento, consegue orientar com segurança o cliente que sonha em garantir a faculdade do filho no exterior.
É sobre o investidor que, empoderado por um aconselhamento qualificado, sente-se confiante para construir um patrimônio globalizado. Em um mundo onde o dinheiro não tem mais fronteiras, o conhecimento sólido e atualizado tornou-se, de fato, a moeda mais valiosa.