Ana Negreiros – Gazeta do Cerrado
Medo. Eis a palavra que anda fazendo parte dos dias de trabalho de Valéria Araújo de Queiroz, enfermeira há 25 anos. Ela que atua no Hospital Dona Regina em Palmas conta que a insegurança tem feito parte da sua rotina e dos colegas. Em vídeo, divulgado pelas redes sociais, Valéria denunciou o que ela chamou de “falta de condições de trabalho” e da dificuldade de acesso dos profissionais da saúde ao teste de covid-19. (Veja o vídeo no final da reportagem)
“A minha posição não é sobre o hospital. Mas sim, sobre como a covid-19 está sendo tratada no Tocantins”, explicou Valéria em entrevista exclusiva à Gazeta do Cerrado. Segundo a profissional sua indignação ficou maior quando viu uma foto em uma rede social no qual mostrava que para entrar no Palácio Araguaia e ter audiência com o governador Mauro Carlesse é preciso fazer o teste rápido para covid-19. “Há critérios para alguns e para outros não. Nós que estamos na linha de frente temos dificuldade para fazer o teste. É difícil. Para o governo, todos fazem?”, questionou.
Valéria contou que vários profissionais da saúde já foram afastados com sintomas, sinais da covid-19 e sem fazer o teste. “Quando eles voltaram, com 7 e 8 dias, alguns conseguiram o teste rápido e deu negativo. Quem conseguiu fazer o swab nasal, deu positivo. Ficamos inseguros. Há colegas com dois resultados e outros que não conseguem testar. Tem paciente que não consegue fazer o teste”, comenta.
A enfermeira explica ainda que até o momento, ela e vários outros profissionais não foram capacitados sobre como agir com a covid-19. “A gente vê o vídeo de como colocar a máscara na televisão. Não teve treinamento e precisamos”. Ela também denuncia que no Hospital Dona Regina o atendimento à covid-19 ainda está sendo improvisado. “O local para os pacientes serem atendidos ainda está sendo montado e nem sabemos onde atender agora. Também não sabemos qual equipe vai atendê-los. O setor não está pronto. Até quando atenderemos no improviso?”.
Preocupada com as condições de trabalho dos profissionais, Valéria falou ainda que há muitas dúvidas, principalmente porque os protocolos não estão sendo cumpridos. “Para segurança os protocolos precisam ser seguidos. Há dúvida se são esses mesmos ou se há outro. Se o paciente está no hospital, com sinais e o protocolo diz que o swab nasal pode ser feito do primeiro ao terceiro dia e não fazemos, deixamos de cumprir ao normatizado ou há outro? Se o protocolo diz que um suspeito precisa ser notificado em até 30 minutos e isso não está acontecendo, o protocolo também não está sendo seguido ou mudou?”.
“Me sinto insegura porque estamos no meio da pandemia, saímos de casa para trabalhar e não sabemos o que vai acontecer. Há vários colegas contaminados e precisamos de todos os equipamentos de proteção individual. Hoje, não temos condições de trabalho”, destacou.
Preocupação
Altamir Ferreira, presidente do SETO – Sindicato dos Enfermeiros do Estado do Tocantins, disse que está preocupado com a situação, que inclusive, falta um local apropriado para que os enfermeiros se preparem para atender o paciente com covid-19. “Eles precisam saber com que estão lidando, usando o equipamento de proteção correto e depois de usar, deixando em local seguro para não contaminar”.
Mas essa luta por melhores condições de trabalho para os enfermeiros já é antiga, conforme recorda Altamir que fala que eles querem qualidade de atendimento também. “Temos uma carga horária exaustiva e sem condições dignas, como agora, a preocupação só tem aumentado. Faltam equipamentos de proteção individual de qualidade, que garanta a segurança, como por exemplo uma máscara N95. Eles compram a mais barata e que coloca o enfermeiro em risco”.
O presidente defende que as cidades tenham um local de referência para o atendimento inicial de covid-19. “A comunidade precisa saber que ao ter um sinal, sintoma, suspeita, deve ir a um local de referência para o caso e assim, de lá ser direcionado. Hoje, não é assim aqui em Palmas e procura-se todos os estabelecimentos, tendo contato com outras pessoas, colocando todos em risco”.
Altamir comenta ainda que quando o profissional sabe o paciente que está recebendo há a preparação com os equipamentos de proteção corretos e hoje eles não sabem. “Nossos enfermeiros estão sendo contaminados pela má gestão. Foram trocando o pneu do carro andando sem preparar os profissionais”.
Hoje, segundo Altamir, nenhum dos sindicatos da área da saúde está no Comitê da Gestão de Crises e com isso, não são ouvidos. “Temos cobrado mas não somos ouvidos”, revelou. Ele diz ainda que o “Estado tem obrigação de oferecer segurança para que os profissionais atendam sabendo com quem estão lidando”.
“Enfermeiro improvisar para atender, não é assim que funciona. Não pode existir improviso com um risco tão grande como esse”, finalizou.
O outro lado
Nota de esclarecimento
A Secretaria de Estado da Saúde (SES) informa que o Hospital e Maternidade Dona Regina Siqueira Campos (HMDR) não é unidade referência para pacientes acometidos com Covid-19, mas desde o início da pandemia disponibilizou um quarto para isolamento imediato das pessoas sintomáticas (seguindo todos os protocolos de manejo e atenção recomendados pelo Ministério da Saúde). Os casos leves orientadas ao isolamento domiciliar e os casos graves referenciados para o Hospital Geral de Palmas (HGP).
Devido a demanda crescente, o HMDR está estruturando o “covidário”, motivo pelo qual várias camas (não macas) estão expostas nos corredores da unidade.
A SES destaca que a coleta de lixo na unidade segue de forma regular e os cuidados com os descartes do espaço destinado aos pacientes com Covid-19 são enquadrados na categoria A1, conforme resolução nº 222 de 28 de março de 2018, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em consonância a Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020 (atualizada em 08/05/2020).
Sobre os cuidados com os profissionais que atuam na linha de frente no manejo aos pacientes acometidos com a Covid-19, a SES enfatiza que todas as unidades hospitalares geridas pelo Executivo Estadual estão devidamente abastecidas de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs) todos em observância às orientações do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) e da Comissão de Controle de Infecção Hospital (CCIH) de acordo com a área de atuação dos profissionais, dentro de cada unidade.
A SES enfatiza que as testagens de profissionais de saúde são realizadas em pessoas que apresentam sintomas da doença, para otimizar a utilização dos testes, visto que os mesmos apresentam eficácia a partir do sétimo dia de contágio.
A SES informa ainda que a Superintendência de Gestão Profissional e Educação na Saúde, por meio da área técnica de saúde do trabalhador, monitora diariamente com os Núcleos de Saúde e Segurança do Trabalhador (NASST) e com os Recursos Humanos nas unidades onde não há o NASST, a situação da disposição da força de trabalho nos estabelecimentos de saúde.
O monitoramento da SES consiste no acompanhamento de servidores infectados, suspeitos e com quadro gripal e no apoio técnico psicológico nas unidades com servidores infectados.