Minhas três filhas, quando pequenas, brincavam de esconde-esconde. Duas se escondiam, e a que procurava tinha os olhos tampados ou fechados, até que terminasse uma contagem.
Esgotado o prazo, as outras já escondidas, ela procurava, procurava, mas dificilmente as encontrava. Então pedia minha ajuda.
“Pai, o senhor viu as meninas?”, me perguntava, ofegante, após explorar sem sucesso o universo que era a casa.
Eu teria sido um pai maravilhoso, se estivesse presente para participar da brincadeira. Mas dificilmente estava, pelo menos não completamente.
“Não, filha, eu não as vi”.
Ao perceber o olhar decepcionado de nossa filha, diante da resposta seca, a mãe delas me recriminava.
“Pelo amor de Deus, largue esse livro por um instante e ajude-a a procurar”.
Se eu estivesse lá, seguraria sua mão pequenina e, juntos, procuraríamos suas irmãs. Ao invés disso, me limitava a tirar os óculos, marcar com o indicador a página e, com o outro, apontar os pezinhos mal camuflados atrás de algum móvel.
Outras vezes, sem entender minha ausência, uma delas me questionava sobre o que eu estava fazendo.
“Pai, do que o senhor tá brincando?”
“Estou brincando de ler, filha”, respondia impaciente.
“É uma historinha?”
“Sim, é uma história”.
“Conta uma história pra mim, pai?”
Eu continuava ausente, sovinando-lhes o mundo encantado do “era uma vez…”
“Peça para a mamãe, ela é uma espécie de Jean de La Fontaine”.
Diferente de mim, a mãe delas era, de fato, presente. Diante do pedido, quase choroso, ela reunia as três, formava um círculo e abria um livrinho colorido, escolhido por elas.
Enquanto lhes mostrava as figuras, contava histórias extraordinárias, cuja maioria não constava nem naquele livro nem em nenhum outro já escrito.
Ao contrário da mãe delas – que não lia Fernando Pessoa –, eu não soube ter o pasmo essencial, que teria uma criança se, ao nascer, reparasse que nascera deveras…
Tivesse me dado conta da beleza daqueles momentos, se entendesse que família é para sentir, não para pensar, ao lado delas, eu teria trocado Bentinho, Capitu, Raskónikov, Macabéa e outros heróis e anti-heróis do mundo adulto pelas aventuras da Barbie, Tinker Bell, Peter Pan, Cinderela, Branca de Neve…
E então, jogados no chão da sala, em frente à TV, comeríamos pipoca e daríamos muitas, muitas risadas.
Mas eu estava ausente.
Por Rubens Gonçalves